A reunião do G7, grupo que reúne aquelas que são consideradas as economias mais avançadas do mundo, começou nesta sexta-feira (19/05), em Hiroshima, no Japão.
O Brasil voltou ao evento na condição de convidado após 14 anos e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chegou ao encontro levando na bagagem um "pacote" com quatro prioridades e uma preocupação.
O encontro vai reunir os líderes do G7 (Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, França, Japão, Itália e Canadá) além de países convidados como Austrália, Ilhas Comores, Indonésia, Índia, Coreia do Sul, Ilhas Cook e Brasil.
O evento acontece anualmente e, neste ano, os principais temas da reunião serão: segurança alimentar, saúde, desenvolvimento e a guerra envolvendo a Rússia e a Ucrânia.
Diplomatas e especialistas ouvidos pela BBC News Brasil pontuam que entre as prioridades de Lula no evento estão a obtenção de mais doadores para o Fundo Amazônia, conseguir ajuda junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para a Argentina, revitalizar o G20 (grupo das 20 maiores economias do mundo) e se firmar como uma espécie de ponte entre o G7 e os BRICS, grupo formado pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
A principal preocupação do Brasil é com a possibilidade de o encontro adotar um tom de crítica aberta à Rússia, membro do Brics e com quem o Brasil mantém boas relações diplomáticas.
O encontro do G7 é visto como uma espécie de vitrine internacional para as lideranças dos países, mas também é encarado como uma oportunidade para que os países estreitem suas relações e debatam temas de interesse mútuo.
Apesar da diversidade de temas e da previsão de que o grupo divulgue um comunicado conjunto sobre segurança alimentar ao final, o principal pano de fundo do evento é a guerra iniciada após a invasão da Rússia ao território ucraniano, em 2022.
Todos os países do G7 já condenaram a invasão russa e parte deles adotou sanções econômicas contra a Rússia.
É nesse contexto que diplomatas e especialistas em relações internacionais ouvidos pela BBC News Brasil avaliam que Lula tentará se equilibrar. O presidente brasileiro terá sete reuniões bilaterais.
Ele partiu para o Japão com encontros marcados com os chefes de governo de seis países:
- Emmanuel Macron (presidente da França)
- Anthony Albanese (primeiro-ministro da Austrália)
- Fumio Kishida (primeiro-ministro do Japão)
- Joko Widodo (presidente da Indonésia)
- Olaf Scholz (primeiro-ministro da Alemanha)
- Pham Minh Chinh (presidente do Vietnã)
- António Guterres (secretário-geral da Organização das Nações Unidas-ONU)
O encontro vai até o domingo (21/05).
Além dessas reuniões, Lula ainda participará dos encontros em que todos os líderes estarão reunidos.
E em meio a todos esses compromissos, Lula tentará, de um lado, fazer avançar quatro de suas principais agendas na esfera internacional. Do outro, a diplomacia brasileira tentará evitar que o tom do evento abertamente crítico à Rússia.
Obter mais doações ao Fundo Amazônia
A pauta ambiental deverá estar no centro das discussões que Lula terá nas reuniões que ele terá durante o evento.
A expectativa é de que Lula tente convencer os demais países do G7 e os outros países convidados a fazerem doações ao Fundo Amazônia, criado pelo Brasil em 2008 com o objetivo de financiar ações de combate ao desmatamento e desenvolvimento da região amazônica.
O Fundo Amazônia começou com doações da Noruega e Alemanha. Após quatro anos paralisado durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o fundo voltou a receber aportes e promessas de doações.
Segundo o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o fundo já recebeu R$ 3,3 bilhões em doações. O governo da Noruega, com R$ 1 bilhão, é o maior doador até agora.
Dos membros do G7, além da Alemanha que já fez doações, outros dois membros fizeram promessas de aportes no fundo neste ano: Estados Unidos (R$ 2,4 bilhões) e Reino Unido (R$ 500 milhões). Os recursos, no entanto, ainda não foram liberados.
Para a professora do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC) Renata Albuquerque Ribeiro, a tentativa do governo brasileiro atende a uma dinâmica esperada da diplomacia do país.
"Esta sempre será uma bandeira do governo brasileiro. A tentativa de obter mais recursos para o fundo faz bastante sentido pelo fato de o desenvolvimento sustentável ser um dos temas do encontro. É uma oportunidade importante porque os países já vão estar conversando sobre o assunto", disse a professora.
A pauta ambiental é uma das principais bandeiras da atual gestão do presidente Lula que tenta, inclusive, fazer com que o Brasil seja a sede da Conferência das Nações Unidas para o Clima de 2025.
Ponte entre Brics e G7
Outra prioridade da equipe brasileira é fazer avançar a ideia de que o Brasil pode ser uma espécie de "ponte" entre os países do Brics e o G7. A suposta necessidade de que essa "ponte" seja feita resulta de pelo menos dois fatores principais:
- A invasão russa ao território ucraniano e a oposição feita pelos países do G7;
- O aumento nas tensões entre os Estados Unidos e a China.
Diplomatas ouvidos pela reportagem em caráter reservado avaliam que o Brasil poderia exercer esse papel por manter boas relações tanto com a China quanto com a Rússia.
Em relação à Rússia, o Brasil vem se equilibrando em uma posição em que, ao mesmo tempo em que vota com os Estados Unidos a favor de resoluções condenando a invasão, o governo brasileiro evita criticar abertamente o presidente russo Vladimir Putin e não adota sanções econômicas contra o país.
Em outubro de 2022, por exemplo, o Brasil foi o único país do Brics a votar a favor de uma resolução que condenava a realização de referendos promovidos pela Rússia em áreas do território ucraniano invadido.
Por outro lado, diversos países que integram o G7 estão direta ou indiretamente envolvidos na guerra na Ucrânia.
Nações como os Estados Unidos, Alemanha e Reino Unido estão fornecendo recursos financeiros, informações de inteligência e armamentos para a Ucrânia enfrentar a invasão russa.
Já em relação à China, Lula vem tentando aumentar a proximidade com o regime de Xi Jinping ao mesmo tempo em que os Estados Unidos continuam a ser o maior investidor estrangeiro no país.
O professor de política internacional da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Dawisson Belém Lopes, diz concordar com a avaliação de que o Brasil estaria bem posicionado para fazer essa ligação entre os dois grupos.
"O mero fato de o Brasil ter sido convidado para participar dessa reunião com o G7 é, por si só, um indicativo do bom trânsito que o país tem neste momento entre os dois blocos. Não acho que haja uma percepção internacional de que o Brasil esteja pendendo para um lado ou para o outro", disse o professor.
Para Renata Ribeiro, a tarefa de estabelecer uma ligação entre os dois grupos é difícil.
"É uma tarefa muito difícil aproximar esse dois blocos, mas se alguém pode conseguir isso seria o Brasil. O país tem uma imagem de país negociador entre o mundo desenvolvido e os países em desenvolvimento", disse a professora.
"Acho, no entanto, que essa intenção pode esbarrar nos interesses dos países que estão envolvidos no conflito na Ucrânia", afirmou Ribeiro.
'Revitalização' do G20
A terceira prioridade do Brasil na reunião do G7 seria o que os diplomatas brasileiros vêm chamando de "revitalização" do G20, que é o grupo das 20 maiores economias do mundo.
Assim como o G7, o G20 também tem reuniões anuais e funciona como um fórum internacional mais amplo e com países de diferentes regiões do mundo.
Atualmente, o grupo é liderado pela Índia, mas em 2024, o grupo será presidido pelo Brasil.
Estimativas apontam que os 20 integrantes do grupo representam 80% do PIB mundial, dois terços da população mundial e três quartos do fluxo de comércio global. Nos últimos anos, porém, o G20 vem sendo criticado pela suposta falta de efetividade diante de problemas concretos como a pandemia de covid-19.
Especialistas avaliam que uma das formas que o Brasil deverá usar para tentar "revitalizar" o G20 é dar um novo impulso à pauta climática entre as prioridades do grupo.
"Acho que a principal possibilidade de atualização do G20 poderia vir a partir da inserção da pauta ambiental de forma significativa e duradoura. Ao assumir a presidência do grupo, o Brasil deve tentar aumentar a ambição climática e ambiental dos países do grupo. E o Brasil tem capital político e diplomático nessa área", avalia a professora Renata Ribeiro.
Dawisson Lopes avalia que o trabalho a ser feito pelo Brasil no G20 será o de tentar estabelecer novas prioridades no grupo.
"Há uma diferença considerável entre os temas que são de interesse imediato dos países do sul global e aqueles que interessam aos países mais ricos do hemisfério norte. Acho que essa revitalização passa pela repriorização de agendas e pelo lançamento de um foco especial em temas de maior interesse do Brasil", disse o professor.
"Sul global" é um termo usado para caracterizar países em desenvolvimento à margem ou em contraposição à ordem internacional estabelecida por Estados Unidos e Europa.
Socorro à Argentina
A quarta prioridade do Brasil durante a reunião do G7 será interceder junto aos países do grupo em favor da Argentina. O segundo maior país da América do Sul vive uma crise econômica e política a poucos meses das eleições presidenciais.
No início deste mês, o presidente argentino, Alberto Fernández, veio ao Brasil e se encontrou com o presidente Lula. O brasileiro prometeu tentar ajudar o país por meio de medidas que visem facilitar o fluxo comercial com a Argentina.
Lula também prometeu tentar sensibilizar o FMI em relação às dívidas do país com credores internacionais.
"O FMI sabe como a Argentina se endividou, sabe para quem emprestou o dinheiro. Portanto, não pode ficar pressionando um país que só quer crescer, gerar empregos e melhorar a vida do povo", disse Lula após o encontro com Fernández.
O tema também foi abordado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em maio deste ano durante sua passagem pelo encontro de ministros da economia dos países do G7, também no Japão. Na ocasião, Haddad pediu apoio tanto do FMI quanto dos Estados Unidos.
"Eu trouxe esse problema porque é uma questão importante. A Argentina é um país muito importante no mundo e, particularmente, na América do Sul. Em segundo lugar, porque a solução para a Argentina passa pelo Fundo Monetário Internacional. E se o Brasil e os EUA estiverem juntos nesse apoio, isso pode facilitar muito as coisas para a Argentina", afirmou Haddad após um encontro com a secretária do Tesouro americano, Janet Yellen.
Para a professora Renata Ribeiro, a tentativa do Brasil de ajudar a Argentina a enfrentar sua crise econômica faz parte do conjunto de interesses do Brasil na região.
"Ajudar a Argentina está dentro do interesse regional do Brasil na América do Sul. A Argentina é um parceiro estratégico do Brasil tanto do ponto de vista político quanto econômico. Essa ajuda, me parece, vai além do alinhamento político de Lula com Fernández", diz a professora.
Dawisson Lopes tem uma avaliação semelhante à de Renata Ribeiro. Ele diz, ainda que levantar a crise argentina durante o evento tem um caráter estratégico para o Brasil.
"Além de Brasil e Argentina serem aliados, há uma jogada importante: quanto mais se falar de Argentina durante essa reunião, menos se falará de temas incômodos para o Brasil como a guerra na Ucrânia", disse.
Preocupação: todos contra Rússia?
Apesar de ter claras as suas prioridades, o Brasil chega à reunião do G7 com uma preocupação evidente: o temor de que o evento se transforme em uma espécie de "condenação conjunta" à Rússia.
Essa possibilidade teria sido um dos motivos que fizeram Lula demorar a aceitar oficialmente o convite feito pelo Japão para participar da reunião.
Essa preocupação foi, em parte, externada pelo secretário de Assuntos Econômicos e Financeiros do Ministério das Relações Exteriores, o embaixador Maurício Carvalho Lyrio, durante uma apresentação à imprensa na segunda-feira (15/05).
Questionado sobre a possibilidade de que a declaração conjunta dos países presentes ao evento sobre segurança alimentar contivesse críticas diretas à Rússia, ele admitiu que a diplomacia brasileira vem trabalhando na negociação sobre o texto final.
"Como é uma declaração sobre segurança alimentar e há efeitos do conflito da Ucrânia sobre isso, uma referência inicial deverá ser feita ao conflito [...] Naturalmente, o governo brasileiro negocia essa linguagem para que seja compatível com a linguagem que o Brasil usa sobre o tema", disse o diplomata.
Tradicionalmente, os textos de declarações conjuntas em eventos como o G7 são negociados pelas equipes diplomáticas dos países participantes até os últimos momentos do encontro.
A preocupação do Brasil com o conteúdo do texto, portanto, deverá perdurar até o final do evento.