A oposição equatoriana fracassou na mobilização para tornar sem efeito a decisão do presidente Guillermo Lasso (direita) de ativar a “morte cruzada” — o fechamento da Assembleia Nacional e a convocação de eleições antecipadas. Por volta das 22h de ontem (hora de Brasília), em caráter unânime, a Corte Constitucional do Equador rejeitou seis ações de inconstitucionalidade apresentadas por ex-congressistas. “Como consequência da decisão de recusar as demandas de inconstitucionalidade, também foram negados os pedidos para que a Corte adote medidas cautelares, a fim de suspender os efeitos do Decreto impugnado”, afirmou o organismo, por meio de nota. A Corte acrescentou que nem ela, nem outra autoridade judicial têm competência para se pronunciar.
- O que é 'morte cruzada', usada pelo presidente do Equador para evitar impeachment.
- Ameaçado de destituição, presidente do Equador decreta dissolução do Congresso.
Em entrevista ao Correio, Virgilio Saquicela (leia Quatro perguntas para), presidente da agora dissolvida Assembleia Nacional, relatou também ser o autor de outra ação. “Apesar de prevista na Constituição, a aplicação desta figura não cumpre com o requisito de comoção nacional. Por tanto, devese declarar a sua inconstitucionalidade”, afirmou o ex-congressista, horas antes do anúncio da Corte Constitucional. “As ações de inconstitucionalidade devem seguir a lógica elementar. Reitero que não há causa de comoção social. Espero que a Corte Constitucional resolva a questão imediatamente.”
Para Saquicela, antes da classe política, a prioridade deve ser o Equador. “Esperamos que haja um acordo nacional para o próximo ano e meio. Quem ganhar as eleições terá que governar para iniciar um processo capaz de resolver os problemas dos equatorianos”, acrescentou o ex-legislador independente, que liderava a Assembleia Nacional desde 2022. “O Equador precisa de um acordo para solucionar seus problemas, principalmente nas áreas da saúde e da segurança.”
Lasso celebrou a decisão com um tuíte. “A Corte Constitucional recusou, por unanimidade, as demandas de inconstitucionalidade sobre a dissolução da Assembleia. Assim como a Corte, nenhuma autoridade judicial pode se pronunciar sobre a verificação e a motivação da causa da crise política e da comoção interna. Este tribunal ratifica minha decisão apegada à Constituição.”
Exilado na Bélgica e sentenciado a oito anos de prisão por corrupção, o ex-presidente Rafael Correa (2007-2017) defendeu, na tarde de ontem, a inconstitucionalidade da “morte cruzada”, ainda que a medida seja “o melhor para o Equador”. Na quarta-feira, um dia depois de se defender na sede do Legislativo, em um julgamento por corrupção, Lasso firmou o Decreto Executivo nº 741 e dissolveu o Parlamento — medida conhecida como “morte cruzada”.
“O melhor para o país (...) é antecipar as eleições presidenciais e legislativas. Infelizmente, não está correto. (...) O decreto é inconstitucional. Aí vem o dilema entre fazer o certo, antecipar as eleições, e o correto, que é respeitar a Constituição”, declarou Correa à agência France-Presse.
“O crucial é o segundo, respeitar a Constituição e o Estado de Direito, razão pela qual este decreto deve ser declarado inconstitucional e o julgamento do impeachment na Assembleia deve continuar”, defendeu o ex-líder esquerdista. Em pronunciamento no TikTok, Correa advertiu que “o país, nossa pátria, nossa terra está destroçada”. “Agora, teremos eleições antecipadas porque um presidente corrupto e inepto não quis enfrentar a censura no julgamento constitucional político. Ele nunca se interessou pelo país”, disparou.
Calendário
Presidente do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), Diana Atamaint anunciou que o primeiro turno das eleições presidenciais e legislativas equatorianas foi marcado para 20 de agosto. Se houver necessidade, o segundo turno ocorrerá em 15 de outubro. Ela destacou que o próximo governo deverá assumir logo em seguida.
A partir de Quito, o advogado constitucionalista equatoriano André Benavides afirmou ao Correio que Lasso utilizou suas atribuições, previstas pelo Artigo 148 da Constituição do Equador, e explicou que a decisão da Corte Constitucional põe fim às demandas de inconstitucionalidade. “Em seu julgamento, o presidente qualificou que, ante a existência de grave crise política e comoção interna no país, é totalmente viável a dissolução da Assembleia Nacional e a convocação de eleições. Por outro lado, Correa, inclusive o bloco de congressistas pertencentes à sua tendência política, solicitava a ‘morte cruzada’”, explicou. “Não compreendo o motivo pelo qual Correa faz esses tipos de questionamentos. Sob nenhum ponto de vista, trata-se de um decreto inconstitucional. O Decreto Executivo, repito, está apegado ao Artigo 148 da Constituição e é tão democrático, que haverá eleições.”
Também advogado constitucionalista, Gonzalo Muñoz disse à reportagem que Lasso agiu de acordo com os preceitos da Carta Magna. “A Constituição permite ao presidente dissolver, uma única vez, dentro dos três primeiros anos de governo, a Assembleia Nacional, quando, a seu critério, existir uma grave crise política e comoção interna, e que isso seja um obstáculo ao desenvolvimento nacional”, comentou, por telefone.
Ainda segundo Muñoz, a Constituição determina que os atos de administração pública estão sujeitos à revisão. “Por se tratar de ato de efeito geral, o Decreto Executivo nº 741 não pode ser contestado por ação protetiva. No caso de ação de inconstitucionalidade, a Corte Constitucional fica restrita no controle, uma vez que não pode analisar a avaliação política do presidente para aplicar os fundamentos.”
Professor de direito constitucional da Universidad del Azuay, em Cuenca (476km ao sul de Quito), Sebastián López Hidalgo tinha previsto a decisão da Corte Constitucional. “Dado o alcance da reparação a que o tribunal deveria chegar, parece difícil pensar que o decreto seja declarado inconstitucional. Por tratar-se de questão política, não está clara a competência da Corte para se pronunciar sobre a matéria”, declarou, na tarde de ontem.
Quatro perguntas para Virgilio Saquicel, presidente da Assembleia Nacional do Equador, dissolvida por Guillermo Lasso
Como o senhor vê a decisão de Lasso de dissolver a Assembleia Nacional?
Ao perceber que seria destituído pela Assembleia Nacional, Guillermo Lasso tomou esta medida sem que existisse a devida motivação. A fragilidade de seu governo e do próprio presidente é evidente. Ele jamais teve capacidade de diálogo, nem apresentou políticas de segurança, saúde e educação que solucionassem os problemas do Equador.
O senhor se sente traído pela medida tomada pelo Executivo?
Não em vão. Com serenidade e tranquilidade, exijo a inconstitucionalidade, por respeito ao contrapeso de poderes que deve existir na democracia. O que a Corte Constitucional decidir terá que ser acatado.
Havia elementos suficientes para a destituição de Lasso, durante o julgamento político?
Lasso sabia que existiam votos para a sua destituição, em um processo que a Corte Constitucional deu parecer favorável para julgamento, o qual deveria terminar com a votação. No entanto, Lasso impediu esse trâmite, ao apresentar o decreto inconstitucional. Os soldados aproveitaram a madrugada, sem notificação prévia sobre o decreto de Lasso, e militarizaram a Assembleia Nacional. Ao saberem do fato, os congressistas não haviam chegado à sede do Legislativo.
O que o senhor espera do futuro do Equador após essa decisão?
Se o decreto for ratificado pela Corte Constitucional, estaremos diante de um processo eleitoral imediato para eleger um presidente e uma nova Assembleia Nacional. Além disso, será preciso um acordo nacional, principalmente no que diz respeito à segurança. Nesse cenário, as novas eleições teriam que ser imediatas e com vários candidatos presidenciais. Portanto, haverá congressistas de distintas tendências políticas e, por isso, será preciso firmar acordos para conformar maiorias.