Jornal Correio Braziliense
Ucrânia

Ucrânia diz ter neutralizado ataques hipersônicos lançados contra Kiev

Comando aéreo garante que baterias Patriot derrubaram seis mísseis Kinzhal, durante bombardeio à capital. Autoridades ucranianas destacam progresso lento em Bakhmut, no leste. Europa cria "registro de danos" causados pela invasão

Aconteceu durante o mais intenso ataque contra Kiev nos 447 dias da invasão russa à Ucrânia. Yuri Ihnat, porta-voz do Comando Aéreo ucraniano, anunciou que as forças de Volodymyr Zelensky derrubaram todos os seis mísseis hipersônicos Kinzhal lançados contra a capital, na madrugada de ontem. A Rússia assegurou que um dos artefatos destruiu uma bateria de defesa antiaérea Patriot.

Capazes de ludibriar a maioria dos sistemas de defesa antiaérea, os Kinzhal atingem dez vezes a velocidade do som e podem causar ampla destruição. A suposta neutralização desses armamentos é vista por especialistas como um golpe desferido na capacidade bélica do Kremlin.

Horas depois, os militares da Ucrânia confirmaram avanços na estratégica região de Bakhmut (leste). "Nos últimos dias, nossas tropas liberaram aproximadamente 20km² ao norte e ao sul da periferia de Bakhmut", declarou a vice-ministra ucraniana da Defesa, Ganna Malyar.

Depois de discursar em videoconferência para a cúpula de 46 chefes de Estado e de governo do Conselho da Europa, em Reykjavik (Islândia), o presidente da Ucrânia divulgou uma gravação em que agradecia aos "defensores do céu". "Obrigado, heróis! Todos os 18 mísseis foram derrubados. Por isso, estamos trabalhando em visitas que trarão mais oportunidades, mais (sistemas de defesa antiaérea) Patriot, IRIS-T, Crotale, Hawk e Nasams. Uma vez mais, agradeço a todos os parceiros que têm ajudado nosso país", declarou Zelensky.

De acordo com ele, Kiev e Londres acordaram trabalhar em uma coalizão de caças, que resultará no envio de aeronaves à Ucrânia e no treinamento de pilotos. França e Holanda também avalizam a medida. 

O presidente ucraniano destacou a prontidão e a precisão das tropas na região de Bakhmut. Zelensky apelou aos líderes europeus para que trabalhem com Kiev, a fim de protegerem a Ucrânia, a Europa e o "mundo livre". "Nenhum míssil terrorista, nenhum canhão terrorista e nenhuma chantagem terrorista deveria ameaçar a democracia", advertiu.

Os líderes do Conselho da Europa criaram, ontem, um "registro de danos" causados pela invasão russa à Ucrânia. A intenção é que seja o primeiro passo para futuros processos contra o líder russo, Vladimir Putin, e seus comandantes.  "O Conselho volta a mostrar o caminho, junto das vítimas da agressão", comentou o presidente francês, Emmanuel Macron. A quarta cúpula do Conselho da Europa em 75 anos conta com a presença, também, dos chefes de governo da Alemanha (Olaf Scholz), do Reino Unido (Rishi Sunak), da Holanda (Mark Rutte) e da Itália (Giorgia Meloni). 

Especialista da Escola de Análise Política (em Kiev), Anton Suslov explicou ao Correio que o Patriot conseguiu derrubar um míssil hipersônico Kinzhal pela primeira vez 13 dias atrás. "Na madrugada de hoje (ontem), foi a segunda ocasião. Antes de a Ucrânia ter recebido os primeiros carregamentos de Patriot, era impossível identificar e abater os Kinzhal. É fato que não houve destruições significativas em Kiev. Vejo isso como um bom exemplo para outros países que relutam em fornecer apoio militar para a Ucrânia de como armas defensivas podem salvar milhares de vidas", disse. 

Segundo Suslov, a situação em Bakhmut é "muito difícil". "As tropas ucranianas controlam uma parte da cidade. Também avançaram sobre os flancos por entre 350m e 2.000m. Os fracassos das forças russas são um motivo a mais para Moscou bombardear Kiev. Putin não pode explicar os fiascos aos seus cidadãos", observou. O estudioso entende que a batalha por Bakhmut esconde uma dimensão política. "A disputa pela região entre o grupo de mercenários Wagner e as Forças Armadas da Rússia prova que as elites russas são incoerentes e que diferentes facções competem pelos recursos e pelos elogios de Putin." 

Refúgio no banheiro

A destruição dos mísseis hipersônicos Kinzhal ocorreu durante uma noite atípica, diferente das outras madrugadas marcadas pelos bombardeios. Moradora de Kiev, Julia Oganesian, 34 anos, dormia profundamente na madrugada de ontem e não escutou o alarme antiaéreo, acionado por volta das 2h30 (20h30 de segunda-feira em Brasília). "Acordei  com o som intenso, ativo e permanente das explosões. Não sabíamos se era o barulho da defesa antiaérea ou se eram bombardeios. Eu e meu marido corremos para o banheiro. Foi insano. Acho que foram umas três rodadas dessas explosões longas e barulhentas, como se estivessem literalmente sobre nossas cabeças", contou ao Correio a especialista em marketing. "As portas chacoalhavam. Os bombardeios duravam cerca de meia hora e paravam por uns cinco minutos." Julia somente conseguiu dormir pela manhã. 

Suslov também classificou como "aterrorizante" a noite em que as forças da Ucrânia asseguraram ter neutralizado mísseis hipersônicos russos. "Eu costumo dormir pacificamente, mesmo sob pesado bombardeio. No entanto, na madrugada de hoje (ontem), despertei, porque as explosões eram muitas. Vi muita gente correndo até o abrigo antibombas mais próximo de suas casas. Fiquei surpreso ao perceber vários carros se aproximando da entrada da galeria do metrô", disse. De acordo com ele, um sinal de que mesmo os moradores que vivem longe da linha de trem ficaram com medo o bastante para coletar os pertences mais importantes e chegar ao bunker em 10 ou 15 minutos. 

 

Twitter - Flagrante do momento em que os projéteis são interceptados: um dos ataques mais intensos
Twitter - O clarão no céu da capital ucraniana: bombardeios espalharam pânico
Twitter - Para se proteger de explosões, crianças dormem na banheira
Yuriy Dyachyshyn/AFP - Familiares e amigos se ajoelham diante do caixão do soldado ucraniano Andriy Maltsev carregado pelos colegas, em Lviv

Eu acho...

"Putin precisa de imagens de 'vitórias'. O bombardeio de Kiev é cenário adequado para tais imagens. O general russo Igor Konashenkov reportou que 'todos os alvos foram atingidos'. Ao contrário, o porta-voz da Força Aérea ucraniana provou que todos os mísseis russos, incluindo os Kinzhal, foram derrubados. Mesmo que os russos tivessem conseguido danificar o sistema de defesa aérea Patriot, isso não teria mudado o resultado: seus próprios foguetes Kinzhal, 'únicos e ultramodernos', foram abatidos. Apesar disso, os russos continuam vivendo em sua realidade alternativa, onde sua 'operação militar especial' ainda é bem-sucedida."

Anton Suslov, especialista da Escola de Análise Política (em Kiev)