Há duas décadas à frente do governo da Turquia, o conservador Recep Tayyip Erdogan vive um momento político inédito e vai enfrentar um segundo turno na corrida presidencial em que tenta o terceiro mandato consecutivo. Apesar disso, Erdogan, acusado de autoritarismo, saiu-se muito melhor do que o esperado na votação de domingo — pesquisas chegaram a prever até derrota nas urnas. Segundo analistas, o mandatário, que conseguiu manter o controle do parlamento, tem condições de se reeleger em 28 de maio.
O atual presidente, do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP, islâmico-conservador), obteve 49,5% dos votos. Teve um bom desempenho no interior do país e nas províncias do Mar Negro. Seu adversário, o social-democrata Kemal Kiliçdaroglu, à frente de uma coalizão de seis partidos, obteve 44,9%, com o apoio de grandes cidades, como Istambul e Ancara.
Faltando menos de 1% dos votos para o fim da apuração, o terceiro colocado, o nacionalista Sinan Ogan, tinha 5,17%. Embora tenha desistido da candidatura, Muharrem Ince ficou com 0,43%. A taxa de participação, de 88,9%, foi recorde em uma eleição presidencial.
Aos 69 anos, Erdogan foi primeiro-ministro entre 2003 e 2014, quando se elegeu presidente em primeiro turno, com 52% dos votos, na primeira votação popular para o cargo. Repetiu a performance em 2018. "Acredito, sinceramente, que vamos continuar servindo o nosso povo nos próximos cinco anos", disse o presidente.
Crises
A votação de domingo desmentiu as pesquisas que o colocavam praticamente empatado com Kiliçdaroglu, com possibilidade de derrota, em um contexto de grave crise econômica e de críticas pelas demoradas respostas das autoridades ao terremoto de fevereiro, que deixou mais de 50 mil mortos. Nas últimas semanas, o presidente fez diversas promessas para conter a inflação elevada que afeta o país.
"Uma assombrosa vitória para Erdogan", afirmou o economista especializado em mercados emergentes Timothy Ash, em uma nota. "(O presidente) Tem a fórmula mágica nessas ocasiões para conquistar (...) os nacionalistas, os socialmente conservadores e os muçulmanos", acrescentou.
Kiliçdaroglu teve que assumir a incapacidade de superar Erdogan em um dos seus momentos de maior debilidade, ainda que esteja disposto a partir com novo ímpeto para a batalha do segundo turno. "Não se desesperem", disse aos seus simpatizantes. "Levantaremos e ganharemos essas eleições juntos."
Os mercados observam com cautela as orientações econômicas pouco convencionais de Erdogan e a lira turca atingiu, ontem, o seu valor mínimo frente ao dólar, enquanto a Bolsa operava em baixa. "Acreditamos que a Turquia possui um grande risco de aumentar sua instabilidade macroeconômica", apontou a consultoria Capital Economics.
Otimismo
Nos círculos mais nacionalistas e conservadores, o resultado era visto de outra forma. "O povo ganhou!", apontava uma manchete do jornal Yeni Safak, de direita. E para o diário Sabah, próximo a Erdogan, o presidente ficar na primeira posição representa "um sucesso formidável".
"Tayyip Erdogan vencerá. É um verdadeiro líder, os turcos confiam nele e tem uma visão para a Turquia", afirmou Hamdi Kurumahmut, empregado no setor de turismo em Istambul, de 40 anos. "Há coisas que devem melhorar, na economia, na educação ou nas políticas de acolhida dos refugiados. Sabemos, porém, que ele é quem pode solucionar tudo isso", acrescentou, em declarações à agência de notícias France Presse (AFP).
Alguns simpatizantes de Kiliçdaroglu também mantiveram uma atitude positiva. "Nem sequer quero pensar na possibilidade de que Erdogan vença", comentou Emin Serbest. "Se Kiliçdaroglu vencer, nos espera uma época maravilhosa", destacou o funcionário público de Istambul, de 33 anos.
Boa parte dos analistas, porém, acredita que será difícil para Kiliçdaroglu e sua aliança ganharem terreno de Erdogan nas próximas duas semanas. "É provável que o presidente se aproveite do seu forte índice de aprovação, sua surpreendente vitória no Parlamento e a vantagem que o seu cargo lhe dá para assegurar uma reeleição", elencou Emre Peker, da consultora Eurasia Group.
Legislativo
O resultado obtido por sua aliança nas legislativas sugere que as "questões de identidade, terrorismo e segurança tiveram sucesso com a ampla base eleitoral de Erdogan e o ajudaram a compensar seus escassos resultados econômicos", acrescentou.
Para o analista de riscos econômicos Anthony Skinner, o resultado das urnas nas eleições presidenciais evidenciaram a dificuldade de medir a opinião pública no país de 85 milhões de habitantes, muito polarizado. "Os resultados de muitas pesquisas de opinião pré-eleitorais não refletem a inteligência de Erdogan nem o apoio de quem segue se beneficiando no país", indicou, acrescentando: "Isso mostra o quão cauteloso deve ser ao observar as pesquisas antes das eleições".