Recep Tayyip Erdogan, 69 anos, recorreu à intervenção divina, na véspera da eleição decisiva que poderá retirá-lo do poder depois de duas décadas — 11 anos como primeiro-ministro e nove na condição de presidente. Escolheu orar na Santa Sofia, uma basílica bizantina de Istambul, construída no século IV e transformada em mesquita por ele próprio, em 2020. "Todo o Ocidente ficou atordoado! Mas eu fiz", gritou ele para os apoiadores, sobre a conversão da Santa Sofia. Em 2017, o líder do partido conservador e islamita AKP sancionou uma legislação que introduziu o presidencialismo na Turquia. Neste domingo (14/5), 64 milhões de eleitores vão às urnas para decidir se renovarão o mandato de Erdogan por mais cinco anos ou se darão um voto de confiança ao opositor Kemal Kiliçdaroglu, 74, do Partido Republicano do Povo.
Pesquisa feita pelo instituto Konda sinalizou que Kiliçdaroglu terá 49,3% votos contra 43,7% para Erdogan. Os números colocam o rival do presidente com boas chances de conseguir uma vitória definitiva no primeiro turno, o que evitaria nova rodada eleitoral em duas semanas. Além da grave situação econômica, Erdogan tem como obstáculo uma oposição unificada. Na quinta-feira (11/5), três dias antes das eleições presidenciais e parlamentares, Muharrem Ince — líder do partido Memleket ("Pátria") — retirou-se da disputa e ampliou as chances de Kiliçdaroglu. Ince tinha entre 2% e 4% das intenções de votos nas últimas sondagens.
Enquanto Erdogan concluiu a campanha eleitoral em Santa Sofia, Kiliçdaroglu fez uma visita simbólica ao mausoléu de Mustafa Kemal Atatürk, fundador da Turquia moderna, em Ancara. "Estão prontos para a democracia? Para a paz reinar neste país? Eu estou. Prometo isso a vocês", declarou, na sexta-feira, durante o último grande comício, na mesma cidade. Entre suas principais promessas, estão o retorno ao parlamentarismo e ao Estado de direito, a separação dos poderes e a libertação das dezenas de milhares de presos políticos.
Gül Berna Özcan, especialista em Turquia da Universidade de Londres, admitiu ao Correio que Erdogan enfrenta a "maior ameaça ao regime que ele construiu ao longo do tempo, por meio de alianças". "Ele está atrás do líder da oposição nas pesquisas, e a diferença tem aumentado. A menos que haja uma surpresa de última hora, é provável que o presidente perca o poder no primeiro turno", explicou.
Declínio
De acordo com Özcan, a popularidade de Erdogan enfrenta um declínio motivado por uma série de razões. "Os indicadores econômicos são pobres, os salários estão em queda e as taxas de inflação, em alta. Além disso, pesa contra ele sua gestão corrupta e nepotista da economia. A Turquia enfrenta um enorme desemprego entre a parcela mais jovem e educada da população, além de uma fuga de cérebros", comentou. Ela apontou que a longa permanência de Erdogan no poder tornou o regime menos propenso a ouvir as demandas populares.
Özcan acusou o partido governista AKP, liderado por Erdogan, de minar a liberdade de imprensa e outras instituições. "A Turquia não tem uma imprensa livre, um sistema de educação científica nem justiça econômica. A corrupção está por toda a parte. Ideias retrógradas floresceram em um número crescente de escolas de pregadores que promovem ideologias medievais."
Moradora de Bursa (oeste), a economista Derya Hekim, 39, assegurou ao Correio que a eleição deste domingo é "a mais importante desde 2002". "Isso porque a economia turca tem várias deficiências. O Banco Central esgotou as reservas. A nossa moeda, a lira, perde valor. Temos enfrentado uma inflação de quase 90%. O terremoto de 7,8 graus em Kahramanmaras, em 6 de fevereiro passado, afetou a economia."