Pela primeira vez em 70 anos, as atenções do Reino Unido, dos outros 55 países da Commonwealth (a Comunidade das Nações) e de todo o planeta se voltarão, a partir das 11h de amanhã (6h em Brasília), para a Abadia de Westminster, em Londres. Diante de 2.200 convidados (5.800 a menos do que em 1953, na entronização de Elizabeth II), entre eles delegações de 203 países, 100 chefes de Estado e de governo e 20 famílias reais, Charles III será oficialmente coroado rei em uma cerimônia marcada pela pompa e pela mistura entre tradição e modernidade.
A bordo de uma carruagem com ar condicionado, vidros elétricos e suspensão moderna, o monarca de 74 anos e a esposa, a rainha consorte Camilla Parker Bowles, partirão do Palácio de Buckingham, em um trajeto de cerca de 2km até Westminster. Pelo menos 4 mil militares vestidos com uniformes de gala, inclusive as bandas musicais, acompanharão o cortejo.
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Assim que chegar à abadia e for recebido por Justin Welby, arcebispo de Canterbury que oficiará a cerimônia, Charles III se posicionará ao lado da Cadeira da Coroação, peça usada há 700 anos, para ser aclamado pelos súditos. Em seguida, ele fará o Juramento da Coroação e prometerá defender as leis e a Igreja da Inglaterra.
A parte mais solene da coroação será a unção. Envolto em uma veste dourada, o arcebispo ungirá o novo rei com óleo vegano consagrado na Basílica do Santo Sepulcro, em Jerusalém. A mistura de óleo de oliva, jasmim, rosa, gergelim, canela e flor de laranjeira será passada na testa, nas mãos e no peito de Charles. Camilla também será coroada e ungida.
O monarca vestirá trajes sagrados e receberá o orbe, símbolo da autoridade moral e religiosa; o cetro, sinal de poder; e o anel de coroação. Então, Welby colocará a coroa de St. Edwards sobre a cabeça do soberano. Em uma parte inédita da solenidade, o líder religioso anglicano pedirá aos súditos que jurem "verdadeira lealdade à Vossa Majestade e aos seus herdeiros". "Deus salve o rei", dirá o arcebispo. "Deus salve o rei Charles. Longa vida ao rei Charles. Que o rei possa viver para sempre", responderão os presentes, incluindo o príncipe William, 41, herdeiro direto do trono.
O irmão, Harry, 38, também será o foco dos olhares, em seu primeiro reencontro com a família real. Ele estará sozinho — a mulher, a atriz norte-americana Meghan Markle, e seus dois filhos, o príncipe Archie e a princesa Lilibet, ficaram na Califórnia. Em 2020, o casal rompeu os laços com a monarquia.
A coroação de Charles III ocorre em um momento de "crise" da família real britânica. Os súditos mais jovens parecem não se entusiasmar com a realeza. Uma pesquisa realizada pela emissora BBC e pelo site YouGov mostra que 70% dos britânicos entre 18 e 35 anos não estão interessados na família real. Entre os britânicos acima de 65 anos, 58% afirmam ter "muito interesse" no assunto, contra 42% de desinteressados.
Legitimação
Especialista em monarquia e biógrafo da família real britânica, Richard Fitzwilliams explicou ao Correio que a coroação é uma cerimônia usada para legitimar o novo soberano. "Ela também contém um ritual profundamente religioso, que pouco se modificou ao longo dos séculos. Além disso, é um teatro fabuloso que espelha a sociedade do seu tempo. Os olhos do mundo estarão em Londres e isso será muito benéfico para a economia britânica em um momento difícil", afirmou. Ele se lembra que, em 1953, quando Elizabeth II foi coroada, aos 27 anos, apesar de o racionamento de guerra vigorar, a cerimônia elevou o espírito da nação e inaugurou a televisão.
Fiztwilliams se prepara para trabalhar na cobertura da coroação de Charles III. "Acho que será um evento magnífico, também mais diverso e mais contemporâneo do que em 1953, por motivos óbvios. São essas ocasiões que ajudam a Grã-Bretanha a utilizar seu soft power tão bem com a sua monarquia, um objeto de fascínio no país e no exterior", acrescentou. De acordo com ele, o desafio do rei Charles III será manter a relevância da monarquia britânica, que remonta — exceto durante a Guerra Civil (no século 17) — a mais de mil anos. "Ela é parte do DNA da Grã-Bretanha", destacou.
George Gross, pesquisador do King's College London e líder de um projeto de pesquisa sobre coroações na instituição, disse à reportagem que a cerimônia de amanhã será mais breve do que a de 1953, que marcou a ascensão de Elizabeth II ao trono. "Estamos no meio de uma crise do custo de vida, e o rei está muito atento e sensível a isso. Haverá menos convidados, uma procissão ligeiramente mais curta e um foco em um dia de ajuda, de trabalho voluntário. Será um fim de semana marcado por eventos, com a presença de várias religiões e com um concerto musical", contou.
O estudioso do King's College London recomenda aos leitores pensarem a coroação como um casamento. "Com o evento, o monarca formalmente se liga ao Estado. O principal requisito legal é o Juramento da Coroação, que serve não apenas para vincular o monarca ao povo e ao aparato de Estado, mas também para enunciar alguns dos princípios — lei, justiça e misericórdia — sob os quais o governo repousa. Nesse sentido, o Juramento da Constituição é, ao mesmo tempo, um canal para a tradição; um pilar da Constituição; uma fonte de legitimidade e autoridade; e um marcador transparente de valores nacionais", disse Gross. Ele pontuou que, em um mundo em rápida evolução, cerimônias ancoradas na tradição proporcionam as bases para a estabilidade.
Ainda de acordo com Gross, o Juramento da Coroação e a aclamação servem para unir o rei e o povo "na afirmação consensual de direitos arduamente conquistados e valores arduamente a defender". A analogia com o casamento também pode ser percebida pela presença do anel de coroação, o qual simboliza a indivisibilidade da Coroa do soberano e o casamento entre o monarca e seu reino.
Gross lembrou que, dentro da família real moderna, existe uma percepção de que reis e rainhas não coroados, e não juramentados, carecem de soberania absoluta. "O Juramento da Coroação estabelece uma responsabilidade. A 'quebra de contrato' pode ter consequências terríveis. A acusação de desrespeitar os juramentos foi levantada contra os reis Eduardo II e Ricardo II (depostos e assassinados), Charles I (deposto e executado judicialmente) e James II (deposto e exilado). É claro que houve muitas falhas graves que levaram a resultados tão infelizes, mas a alegação de que esses reis não eram confiáveis porque eles tinham quebrado sua palavra sagrada ressoou amplamente", afirmou.