A sudanesa Hind Mohamed, 34 anos, decidiu abandonar Cartum e o país natal na última sexta-feira. Hoje, encontra-se refugiada na Etiopia. A gerente de projetos é um dos 100 mil sudaneses que fugiram da guerra entre os paramilitares das Forças de Apoio Rápido (FAR) e o Exército do Sudão. "Eu deixei minha terra porque estava com medo de que as coisas piorassem. Eu e minha família corríamos grave perigo. Vimos casas sendo pulverizadas pelas bombas e pessoas atingidas por tiros dentro de suas casas. Nosso primeiro plano era sair de Cartum e irmos a um estado mais seguro. Então, viajamos até Wad Madani, no estado de Al Jazirah", contou ao Correio.
Antes que os combates chegassem à região, Hind; os três filhos, um deles bebê; a mãe idosa; duas irmãs e duas sobrinhas partiram, de carro, até a Etiópia. "Pensamos em ir até o Egito, mas o caminho para a Etiópia é mais curto. Não tivemos opção, porque o aeroporto de Cartum está destruído e fora de serviço. Não foi uma viagem fácil, mas acho que tomamos a decisão correta."
As FAR e o Exército acordaram um novo cessar-fogo, com duração de uma semana, a partir de amanhã. No entanto, nenhuma das tréguas anunciadas até hoje foi cumprida pelas partes em combate. A Organização das Nações Unidas (ONU) advertiu que a situação no Sudão caminha para uma "catástrofe total". O país é um dos mais pobres do mundo e sofria os efeitos de um conflito sangrento em Darfur, no leste.
"Nós calculamos que mais de 100 mil pessoas fugiram para os países vizinhos", disse Olga Sarrada, porta-voz do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur). Outros 334 mil sudaneses foram deslocados internamente para outras regiões. O Acnur estima que o número de refugiados chegará a 800 mil. Desde o início da guerra, em 15 de abril, mais de 500 pessoas morreram nos combates e pelo menos 4 mil ficaram feridas.
A situação humanitária tem se deteriorado; hospitais da região norte de Cartum foram alvos de bombardeios. Apenas 16% dos estabelecimentos de saúde na capital funcionam em plena capacidade. O Escritório para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) da ONU advertiu que o programa de ajuda para o Sudão, em 2023, conta com apenas 14% do financiamento previsto. São necessários US$ 1,5 bilhão (ou R$ 7,5 bilhões) para fazer frente à crise.
"Terra sem lei"
Ibrahim Alhaj Alduma, 30 anos, pesquisador, morador de Cartum, conseguiu uma rota de fuga para Nairóbi, com uma delegação do Quênia, e aguarda a data da partida. "A capital não é nada segura. É uma terra sem lei. As armas estão por todos os lugares. Qualquer um pode pará-lo e saquear tudo o que desejar. Todas as delegacias de polícia permanecem fechadas, desde o início dos combates", relatou à reportagem.
De acordo com ele, Cartum é palco de "vários combates" e bombardeios aéreos contra o mercado central, a região sul da capital e a localidade de Ombada — parte da cidade de Omdurman. "Os confrontos prosseguiam mesmo durante o cessar-fogo. Eu vi quiosques destruídos de pequenos comerciantes e os corpos de três comerciantes de chá." As mulheres foram mortas pelo bombardeio ao Hospital do Nilo Oriental. Uma criança também morreu no ataque.
Alduma disse esperar que o Exército sudanês ponha fim à guerra com uma vitória rápida ou uma negociação que garanta a fusão das FAR e de todos os grupos paramilitares em um único exército nacional. "Defendo um contingente que proteja a Constituição e a transformação democrática no Sudão, impedindo militares de exercerem cargos políticos", comentou.