Quando a notícia começou a circular pelas redes sociais, na manhã de segunda-feira (22/5), os próprios ucranianos não disfarçaram a incredulidade. Sabotadores russos, procedentes da Ucrânia, cruzaram a fronteira e atacaram a região de Belgorod, dentro do território da Rússia. As autoridades de Moscou confirmaram que um "um grupo de sabotagem e reconhecimento" entrou no distrito de Graivoron. A Legião Liberdade para a Rússia, mercenários que se opõem ao presidente Vladimir Putin e lutam ao lado das tropas de Kiev, assumiu a autoria da ofensiva, por meio do aplicativo de mensagens Telegram.
Em vídeo divulgado pelo Twitter, combatentes fardados e com a insígnia da Legião Liberdade para a Rússia, comemoravam: "A chave para a fronteira foi quebrada ao meio, e o vovô Putin é um defunto completo". "Chegou o momento de pôr fim à ditadura do Kremlin", afirmou, em outra gravação publicada no Telegram, um homem que se apresentou como porta-voz do grupo. Outros vídeos mostravam uma fila de carros em fuga de vilarejos de Belgorod, além de um helicóptero disparando, em voo rasante, e mercenários em blindados.
Segundo Viacheslav Gladkov, governador de Belgorod, a maioria da população abandonou a região — que concentra 1,5 milhão de moradores. "Estamos ajudando com nossos meios de transporte aqueles que não têm. Espero que nossos militares cumpram em breve sua missão e eliminem o inimigo", declarou. Ele anunciou que a aldeia de Glotovo e as cidades de Graivoron (de 6.100 moradores) e Zamostie foram atacadas.
Durante a noite, a mídia russa informou que prédios do Serviço Federal de Segurança (FSB, antiga KGB) e do Ministério de Assuntos Internos estavam sob ataque de drones. Em Graivoron, os mercenários tomaram uma delegacia de polícia e roubaram armas. O FSB decretou um "regime legal antiterrorista" em Belgorod. A medida concede amplos poderes às forças da ordem para ampliar os controles de identidade, dos veículos e das comunicações, e facilita as "operações antiterrorismo".
Kyrylo Budanov, chefe da Diretoria Principal de Inteligência do Ministério da Defesa da Ucrânia, também divulgou um vídeo em que orientava os russos a como agirem no front. "Por mais de um ano, o Kremlin é incapaz de estabelecer uma única meta desde o início da invasão à Ucrânia. Eu apelo aos militares russos, a aqueles que conseguiram sobreviver nas trincheiras destruídas: vai piorar", advertiu. "Vocês têm uma escolha: morram ou poupem suas vidas."
Confiança
Em entrevista ao Correio, Andriy Zagorodnyuk —ministro da Defesa da Ucrânia entre 29 de agosto de 2019 e março de 2020 — afirmou que a operação em Belgorod provocará "danos consideráveis" à confiança da população russa em relação à invencibilidade territorial e à prontidão para repelir ameaças militares. "Isso vai reduzir, de forma considerável, a insuspeição dos russos sobre o poderio de suas próprias forças. Existe uma imensa lenda dentro da sociedade russa de que seu exército não pode ser esmagado ou destruído. Operações desse tipo certamente mudarão essa percepção", explicou.
Parlamentar ucraniana e vice-presidente da Faculdade de Economia de Kiev,Inna Sovsun disse à reportagem que começou a acompanhar os desdobramentos da incursão de sabotadores desde o momento em que as notícias começaram a circular nas redes sociais, na madrugada de ontem. "No começo, foi difícil acreditar que algo assim estivesse ocorrendo, mas vimos os vídeos e as informações foram confirmadas por oficiais ucranianos. Segundo eles, a Legião Liberdade para a Rússia e as Brigadas de Voluntários Russos capturaram vários vilarejos da região de Belgorod. Vimos os vídeos com imagens dos uniformes dos combatentes, os quais alegaram ser cidadãos russos que vieram libertar a Rússia de Putin", comentou a deputada.
De acordo com Sovsun, a ofensiva em Belgorod é "uma evolução incrivelmente inesperada". "No entanto, nós, ucranianos, somos céticos em relação à capacidade dos russos de lutarem contraPutin. É um fenômeno interessante, e nós o acompanharemos bem de perto", disse. Assim comoZagorodnyuk, a parlamentar demonstra ceticismo sobre a operação no lado russo ser o começo da contraofensiva.
Reposicionamento
"A intenção dela será retomar o controle de nosso território. Nesse caso, trata-se de uma brigada russa atuando em vilarejos de seu próprio país. Também é cedo para dizer se isso ajudará nossas tropas a libertarem nossas cidades", avaliou Sovsun. Ela concorda com o ex-ministro da Defesa que, a depender dos desdobramentos em Belgorod, Moscou terá que remover tropas baseadas na Ucrânia para responder a esses ataques. "Atualmente, 80% do contingente militar russo está dentro da Ucrânia."
Por sua vez, Anton Suslov — especialista da Escola de Análise Política (em Kiev) — disse ao Correio que, embora os combatentes tenham atacado instalações da guarda da fronteira e alguns prédios de instituições, a operação tem mais um papel simbólico do que militar. "É improvável que esses grupos disponham de recursos suficientes para serem uma força militar séria, mas eles lembram aos russos que a guerra não está distante", explicou. Suslov concorda com Zagorodnyuk que a incursão de ontem é parte de uma "operação psicológica maior para desmoralizar os russos".
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Paramilitares entregarão Bakhmut à Rússia antes de 1º de junho
O grupo paramilitar Wagner — formado por mercenários e leal ao presidente russo, Vladimir Putin — afirmou que suas forças pretendem se retirar de Bakhmut, no leste da Ucrânia, entre quinta-feira (25/5) e 1º de junho, a fim de ceder suas posições do Exército da Rússia. No sábado, a facção anunciou a captura da cidade. "O grupo Wagner deixa Artemvsk (nome soviético da cidade) entre 25 de maio e 1º de junho", disse o fundador do grupo, Yevgeny Prigozhin, em uma gravação de áudio divulgada por sua assessoria de imprensa. Na mensagem, Prigozhin explica que "linhas de defesa" foram estabelecidas na periferia ocidental de Bakhmut. "Se não houver unidades suficientes do Ministério da Defesa (para controlar Bakhmut), (...) temos que formar um regimento de generais, dar fuzis a todos e tudo ficará bem", acrescentou, em uma crítica velada ao alto comando militar russo. A Ucrânia não confirmou a perda de Bakhmut. O comandante das forças terrestres ucranianas, Oleksander Syrsky, disse no domingo (21/5) que suas tropas controlam apenas uma parte "insignificante" da cidade, mas que ainda avançam nos flancos. Em Hiroshima, durante a cúpula do G7 (os sete países mais industrializados do mundo), o presidente chegou a comparar a destruição em Bakhmut à causada pela bomba atômica, em 1945.
Eu acho...
"Não creio que haverá consequências tão importantes do incidente em Belgorod. Ainda que alguns moradores da região estejam amedrontados, o que está acontecendo lá não é suficiente para acordar os russos e fazê-los entender sobre sua responsabilidade pessoal pela guerra. Mais uma vez, vejo as incursões em Belgorod com um pano de fundo simbólico."