Horror no Quênia

Seita do jejum priorizou mortes de crianças; 600 fiéis desaparecidos

"Pastor" da Igreja Internacional da Boa Nova ordenou que crianças e mulheres fossem mortas, primeiro, com a privação de comida. Algumas crianças foram sepultadas vivas

Rodrigo Craveiro
postado em 15/05/2023 03:55
 (crédito: Simon Maina/AFP)
(crédito: Simon Maina/AFP)

Em um dos vídeos usados para arrebanhar fiéis por meio da internet, Paul Nthenge Mackenzie — o taxista que se autoproclamou pastor e fundou a Igreja Internacional da Boa Nova — declarou: "Há pessoas que não querem nem mesmo pregar sobre Jesus; elas dizem que seus filhos choram  porque estão com fomem deixem-nas morrer". "Há um problema nisso?", acrescentou. O líder da seita que manipulou centenas de fiéis a jejuarem até a morte, na Floresta de Shakahola, no leste do Quênia, determinou que as crianças morressem primeiro. Segundo testemunhas, a ordem era para que os pequenos fossem expostos ao sol e não recebessem comida, até que o organismo entrasse em colapso. As próximas pessoas da lista eram as mulheres. 

Pelo menos 201 corpos foram retirados de 200 covas coletivas. No entanto, pelo menos 600 fiéis seguem desaparecidos. Caso essas pessoas sejam confirmadas mortas, o massacre que chocou o Quênia se aproximará, em número de vítimas, ao suicídio coletivo planejado e executado por Jim Jones, fundador e líder da seita Templo dos Povos, estabelecida em Jonestown, na Guiana. Em 18 de novembro de 1978, Jones ordenou a 951 seguidores que ingeressem um ponche de frutas misturada com cianeto — 918 deles morreram. O corpo do pastor foi encontrado com um tiro na cabeça. 

O escândalo no Quênia tornou-se conhecido graças ao empenho de Hussein Khalid, diretor executivo da organização não governamental Haki Africa. Familiares dos seguidores de Mackenzie procuraram o escritório da ONG, na cidade de Malini, e denunciaram o sumiço dos parentes. "Fomos até a Floresta de Shakahola, onde nos deparamos com corpos e outros fiéis, ainda vivos. Aqueles que foram resgatados nos revelarem que outras pessoas tinham morrido e nos levaram ao local dos sepultamentos", disse Khalid ao Correio, no fim de abril. O tema ganhou repercussão nacional.

Para Khalid, o massacre de Shakahola mostra que os quenianos vivem em tempos muito desesperadores. "Muitos estão suscetíveis a ideologias religiosas radicais. O alto custo de vida e os desafios que enfrentamos em nosso país deveriam levar o governo a proteger os cidadãos de serem manipulados", disse o ativista à reportagem, no sábado (13/5). Titus Katana, ex-pastor da Igreja Internacional da Boa Nova, ajuda a polícia nas investigações. Ao jornal The Sunday Times ele contou que as crianças também eram trancadas dentro de cabanas por cinco dias, sem água nem comida. "Então, eles as envolviam em cobertores e as enterravam, mesmo as que respiravam", relatou. Após a exumação dos corpos, as autoridades descobriram que alguns dos fiéis foram asfixiados e estrangulados. Cadáveres também foram encontrados sem os órgãos internos.

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