Os turcos vão às urnas neste domingo (14/5) escolher entre dois candidatos à presidência que oferecem caminhos dramaticamente diferentes para o futuro do país.
Depois de mais de 20 anos no poder, Recep Tayyip Erdogan promete uma Turquia forte e multilateral e a criação de 6 milhões de empregos. Também acusa o Ocidente de tentar derrubá-lo.
Seu principal rival, Kemal Kilicdaroglu, apoiado por uma ampla oposição, quer reaproximar este Estado-membro da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte, aliança militar ocidental) do Ocidente e defende maior liberdade democrática.
Erdogan, por sua vez, acusa seus adversários de serem "pró-LGBT", enquanto seu partido de raízes islâmicas se posiciona do lado da família.
'Grande momento'
Desde 2017, Erdogan comanda a Turquia com amplos poderes presidenciais, a partir de um imenso palácio na capital, Ancara. Como chefe do Executivo do país, ele pode declarar estado de emergência e escolher ou demitir funcionários públicos.
Se ele vencer, esperam-se poucas mudanças, diz Selim Koru, analista do think tank turco Tepav. Seus poderes já são tão amplos que ele não tentará estendê-los ainda mais, acrescenta Koru.
Mas o homem que pretende substituí-lo quer acabar com o presidencialismo e se tornar um líder "imparcial", sem ligação com um partido político.
Kilicdaroglu diz que faria a Turquia voltar a ter um Parlamento e um primeiro-ministro no comando do país, bem como reativar tribunais independentes e uma imprensa livre.
"Servirei a todos os 85 milhões de cidadãos da Turquia. Mostrarei respeito por cada um de vocês", prometeu o opositor.
Os outros cinco partidos de sua aliança teriam cada um um vice-presidente, assim como seus colegas de partido que são prefeitos de Ancara e Istambul.
No entanto, ironicamente, antes de acabar com a toda-poderosa presidência, Kilicdaroglu e seus aliados podem precisar usar esses "super-poderes" para passar reformas se não tiverem maioria no Parlamento.
As eleições parlamentares e presidenciais acontecem neste domingo (14/5).
Corda-bamba
A Turquia faz parte da Otan, pró-Ocidente, mas a presidência de Erdogan também buscou laços estreitos com a China e a Rússia, comprando um sistema russo de defesa aérea S-400 e inaugurando uma usina nuclear russa — a primeira da Turquia — antes da eleição.
Erdogan defende uma postura multilateral e vê a Turquia como "uma ilha de paz e segurança", sugerindo, inclusive, que o país fosse mediador na guerra entre Rússia e Ucrânia.
Seu adversário e seus aliados, por sua vez, querem retomar o processo de adesão à União Europeia (UE) e restaurar os laços militares da Turquia com os EUA, mas mantendo as relações com a Rússia.
Se Erdogan permanecer no poder, Selim Koru, analista do think tank turco Tepav, diz acreditar que ele continuará afastando a Turquia do Ocidente, sem deixar a Otan.
"Ele quer levar a Turquia a um ponto no médio prazo ou em um futuro distante no qual a adesão à Otan seja irrelevante."
Inflação alta ou economia ortodoxa?
Este também é um momento crítico para a economia da Turquia. A inflação é oficialmente de 43,68%, e o custo de vida pesou no bolso dos turcos de forma muito mais severa do que no restante da Europa.
Muitos argumentam que a inflação real é mais alta.
Os primeiros anos de Erdogan foram sinônimo de forte crescimento econômico e enormes projetos de construção. E a Turquia sempre cumpriu rigorosamente os termos de seus acordos de empréstimo com o FMI (Fundo Monetário Internacional).
Mas, nos últimos anos, seu governo abandonou a política econômica ortodoxa.
Isso corroeu gradualmente a independência do banco central, diz Selva Demiralp, professora de economia da Universidade Koc — Erdogan demitiu três de seus presidentes consecutivamente.
A inflação disparou, pois as taxas de juros foram mantidas baixas — enquanto a moeda da Turquia, a lira, desvalorizou para melhorar a balança comercial e impulsionar as exportações.
Erdogan ainda promete alto crescimento, 6 milhões de novos empregos e um grande impulso para o turismo, mas a professora Demiralp acredita que suas políticas manterão a inflação em 45% nos próximos meses.
Se Kemal Kilicdaroglu e seus aliados ganharem a presidência e o Parlamento, ela prevê que um retorno às políticas econômicas ortodoxas e um banco central independente reduzirão a inflação para 30% até o final de 2023, e a taxa deve continuar caindo depois disso.
Mesmo que isso signifique taxas de juros mais altas, Demiralp acredita que a Turquia poderia desfrutar de um forte crescimento do investimento estrangeiro: "No momento, a Turquia é bastante barata e sua localização, população jovem e infraestrutura oferecem oportunidades de investimento mutuamente benéficas para investidores internacionais".
Refugiados sírios
Esta eleição também está sendo observada com muita apreensão por 3,5 milhões de refugiados sírios com proteção temporária na Turquia, já que Kilicdaroglu, da oposição, quer mandá-los de volta ao seu país natal "dentro de dois anos, o mais tardar".
Eles cruzaram a fronteira devido à guerra civil iniciada em 2011, e o fluxo migratório continuou por seis anos, até 2017.
No entanto, agora, oito em cada dez turcos querem que eles voltem para a Síria.
Depois da economia e das consequências do terremoto, essa é a questão mais importante para os turcos, assinala o professor Murat Erdogan, que conduz regularmente uma sondagem sobre a percepção sobre os sírios na Turquia.
Apesar disso, mais de 700 mil sírios estão matriculados em escolas turcas, e 880 mil bebês sírios nasceram na Turquia desde 2011.
"Não consigo entender como eles deixariam para trás a vida deles aqui e voltariam para a Síria", diz o professor Erdogan.
Kemal Kilicdaroglu promete negociar o retorno dos sírios com Damasco, mas como a Síria insiste em que a Turquia deixe sua área neutra de 30 km ao longo da fronteira, corre o risco de o governo sírio lançar ataques à zona e provocar uma nova onda de refugiados.
O líder da oposição sabe muito bem que um acordo levaria até dois anos para ser concluído e solicitaria às Nações Unidas supervisioná-lo.
Mas Murat Erdogan acredita que pode levar uma década para ele ser implementado.
O presidente Erdogan procurou solucionar o dilema, prometendo acelerar a repatriação voluntária de 1 milhão de sírios por meio de um acordo com o presidente da Síria, Bashar al-Assad.
Mas a ideia de os sírios retornarem voluntariamente parece absurda.
Curdos
Há muito em jogo nesta eleição para os curdos da Turquia, que representam até um quinto dos 85 milhões de habitantes da Turquia.
Um em cada dez eleitores apoia o pró-curdo HDP (Partido Democrático Turco), que é o segundo maior partido da oposição. Eles apoiaram publicamente Kemal Kilicdaroglu durante a corrida presidencial e veem o pleito como "as eleições mais cruciais da história da Turquia".
Os eleitores curdos inicialmente defenderam as políticas do governo de Erdogan, pois conquistaram mais direitos na primeira década de seu governo.
Mas tudo mudou em 2015, quando as negociações de paz fracassaram para acabar com uma insurgência de décadas do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão), visto pela Turquia e seus aliados ocidentais como um grupo terrorista.
O presidente Erdogan acusa Kilicdaroglu de se render à "chantagem" e à agenda do HDP e dos militantes.
"Minha nação não entregará este país a um presidente que recebeu apoio de Qandil", alertou ele, em referência ao QG dos militantes no norte do Iraque.
O opositor cortejou abertamente a população curda da Turquia. Segundo Kilicdaroglu, curdos são "tratados diariamente como terroristas" e estigmatizados por um governo que busca o voto nacionalista.
O partido pró-curdo nega veementemente as acusações do governo de ser uma "ala política" dos extremistas.
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