Aos 74 anos, Charles III assume o trono do Reino Unido com a promessa de servir aos súditos. O 63º rei em 1.196 anos de monarquia terá as missões de modernizar o sistema de governo e vencer a resistência entre a população mais jovem do país. Uma pesquisa realizada pelo instituto YouGov, em 17 de abril, apontou que apenas 26% dos britânicos entre 18 e 24 anos veem a monarquia como algo bom para o Reino Unido. Na mesma faixa etária, 38% prefeririam um chefe de Estado eleito a Charles III. Outra pesquisa de julho de 2019 escancarou a queda da credibilidade da realeza britânica — na ocasião, 48% consideravam positiva a contribuição da monarquia para a nação. A sondagem mostrou, ainda, que dois em cada três britânicos demonstravam desinteresse pela coroação de Charles III, que ocorre na manhã deste sábado (6/5). A primeira cerimônia em sete décadas mescla tradição e modernidade.
Apesar de as pesquisas indicarem o contrário, a monarquia britânica ainda é capaz de atrair a atenção do planeta. Os números não mentem: entre os 2.300 convidados para a cerimônia na Abadia de Westminster, no centro de Londres, mais de 100 chefes de Estado e de governo, além de representantes de 203 países, estarão presentes, entre eles Luiz Inácio Lula da Silva e o norte-americano Joe Biden. Sob a segurança reforçada de 11,5 mil policiais, o monarca do Reino Unido e de 14 outros reinos será entronizado sob a sombra da mãe, a rainha Elizabeth II, falecida em 8 de setembro de 2022, aos 96 anos. Também ofuscado pelo escândalo envolvendo a ruptura do príncipe Harry com a família real, após o casamento com a atriz Meghan Markle e a mudança para os Estados Unidos. O filho caçula de Charles III — o quinto na linha de sucessão ao trono — desembarcou nesta sexta-feira (5/5) em Londres para a coroação do pai. Ele não poderá vestir o uniforme ou túnica militar durante o evento.
Charles III esbanjou simpatia, nesta sexta-feira, ao cumprimentar súditos no The Mall, próximo ao Palácio de Buckingham. "Ele simplesmente veio, não pude acreditar com meus olhos, que nós o estávamos vendo. Ele apertou minha mão e disse 'Obrigado por terem vindo'. Foi absolutamente incrível, surreal", contou Gillian Holmes, 66 anos, ao jornal The Guardian. Ao ser questionado sobre se estava nervoso para a coroação, o rei deu uma gargalhada.
Mudanças
Especialista em monarquia e biógrafo da família real britânica, Richard Fitzwilliams explicou ao Correio que Charles III terá de preservar a imparcialidade da monarquia sobre a política partidária. "Possivelmente, ele precisará mudar a forma como a monarquia funciona, mas o apoio é bastante sólido. Nenhum grande partido político apoia a República, que está em baixa nas pesquisas. Os partidos usam o novo rei como um impulso para sua campanha. A defesa da República é feita por um grupo 'marginal', que não carece de tanto suporte. Aumentar o apoio entre os jovens é o grande desafio de Charles III", afirmou.
Stephanie Al-Qaq, embaixadora do Reino Unido no Brasil, lembrou ao Correio que a monarquia cumpre papel fundamental de estabilidade para o país e na afirmação da identidade nacional. "Uma pesquisa realizada pela consultoria Ipsos indicou que dois terços dos britânicos querem a manutenção dela como sistema político do Reino Unido", afirmou. De acordo com a embaixadora, o rei tem função importante na estabilidade do país. "Como chefe de Estado, ele exerce papéis variados, como nomear o primeiro-ministro e todos os demais ministros de Estado; emitir um parecer real a projetos de lei aprovados pelo Parlamento, para que se tornem leis; e receber embaixadores que iniciam e deixam suas missões", exemplificou.
Al-Qaq também destacou que o monarca tem uma audiência semanal com o primeiro-ministro e recebe, diariamente, documentos com informações e papéis para aprovação. Além de ter reuniões regulares com altos funcionários de diversas áreas do governo. "Sabemos que a monarquia também é um dos principais atrativos para os turistas que visitam o Reino Unido", disse a embaixadora, que está em Londres para as cerimônias de coroação de Charles III.
Também em Londres, Roberto Uebel — professor de relações internacionais da ESPM Porto Alegre e pesquisador visitante do King's College London — admite que o desafio de Charles III será a "modernização da monarquia" e torná-la algo "interessante" para a população britânica. "Inclusive, saíram pesquisas recentes sobre a aprovação dos britânicos sobre a monarquia e, especificamente, sobre o reinado de Charles III. Eu diria que está bem dividido. Boa parte da população defende a monarquia, mas, desses grupos, muitos questionam se Charles teria legitimidade para ser um monarca", disse à reportagem.
Ainda segundo Uebel, o novo rei assume o posto em um momento politicamente complicado para o Reino Unido. "Na quinta-feira (4/5), foram realizadas eleições locais aqui, e o Partido Conservador perdeu vários assentos. O Reino Unido vem de uma sucessão de trocas de primeiros-ministros — no ano passado, foram três: Boris Johnson, Liz Truss e Rishi Sunak. Então, a coroação é meio que ofuscada pelas questões políticas internas do país", observou.
O estudioso aposta que o papel de Charles III será o de conduzir a nação em uma transição para uma monarquia mais moderna. Uebel acredita que, por conta da idade avançada, o novo soberano não deverá ficar por muito tempo no trono. "Creio que ele vá preparar o terreno para que o príncipe William assuma, em uma monarquia mais moderna e mais conectada com as questões sociais e globais. As pautas ambiental e dos direitos humanos provavelmente estarão em evidência durante o seu reinado."
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