Paraguai

Eleição presidencial hoje no Paraguai é marcada pela imprevisibilidade

Polarização histórica entre Santiago Peña e Efraín Alegre, candidatos do Partido Colorado e da oposição, marcam a disputa pela Presidência em turno único. Paraguayo Cubas, representante da direita antissistema, avança nas pesquisas e preocupa

Com 29% da população de 7,5 milhões em situação de pobreza e 65% da mão de obra envolvida com o mercado informal, o Paraguai terá, hoje, uma eleição marcada pela imprevisibilidade. Mais de 4,8 milhões de cidadãos vão às urnas para escolher o próximo presidente. O advogado Efraín Alegre, 60 anos, representante do bloco de oposição de centro-esquerda Concertação para um Novo Paraguai, concorre ao cargo mais alto do Palácio de Los López pela terceira vez e aparece tecnicamente empatado com o economista Santiago Peña, 44, do governista Partido Colorado.

Em terceiro lugar e em curva ascendente, surge Paraguayo Cubas, uma figura controversa da direita antissistema, que promete assassinar "100 mil brasileiros bandidos", caso chegue ao poder. O resultado deve ser conhecido por volta das 21h (22h em Brasília) — no Paraguai, não existe segundo turno. 

Os dois principais candidatos têm opiniões antagônicas, tanto em assuntos internos quanto de política externa. Alegre questiona as relações diplomáticas com Taiwan e Peña as defende. Ambos, no entanto, se opõem à legalização do aborto. Peña, ex-ministro da Economia, defende uma hegemonia de quase oito décadas do Partido Colorado no comando do Paraguai. A mais recente pesquisa feita pela consultoria Atlas entre 20 e 24 de abril, com margem de erro de 2 pontos percentuais, apontou 34,3% dos votos para Alegre e 32,8% para Peña. Cubas tem 23%. 

Esteban Caballero, analista político e coordenador acadêmico do FLACSO Paraguay, explicou ao Correio que as diferenças ideológicas entre Peña e Alegre não são compreensíveis. "Ambos os candidatos se situam em um arco ideológico da centro-direita. Provavelmente, Peña seja mais conservador do que Efraín Alegre. No entanto, a assimetria mais importante está no que representam os dois adversários. Nesse sentido, Peña significa o continuísmo, com o Partido Colorado mantendo-se no poder", afirmou. A legenda governista comanda o Paraguai desde 1949, com breve interrupção entre 2008 e 2012, sob a gestão de Fernando Lugo. Inclusive, apoiou toda a ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989), e se adaptou ao processo de transição democrática."Em sua desvantagem, está o fato de o Partido Colorado representar o seu mentor político, o ex-presidente Horacio Cartes (2013-2018), que está associado à corrupção e ao contrabando", acrescentou Caballero. 

Conservadorismo

O especialista entende que Peña faz parte de uma nova geração e se apresenta como um político técnico, capaz de atrair ao governo assessores capazes de dinamizar a economia do país e captar mais investimentos. "Alegre não é, necessariamente, um progressista como Lula, Gustavo Petro ou Gabriel Boric. Trata-se de um candidato bastante conservador, também de centro-direita e muito apegado à narrativa neoliberal. Isso não é tão importante ante o fato de que simboliza uma sistemática e perseverante crítica ao modelo clientelista e à corrupção, além da ascensão da máfia", disse Caballero.

De acordo com ele, desde 2018, houve um aumento da influência do narcotráfico e do crime organizado, inclusive com ligações com o brasileiro Primeiro Comando da Capital (PCC). O candidato opositor pretende reverter essa tendência, além de trabalhar pelo fortalecimento da institucionalidade. "O próximo presidente terá que lidar com um maior arrocho fiscal, o que surtirá em menor capaciade de investimento público. 

Caballero avalia Paraguayo Cubas como um "fenômeno emergente". "Os últimos resultados da consultoria Atlas lhe dá em torno de 20% dos votos. Não creio que ele chegue a ganhar. É muito difícil categorizá-lo. As pessoas tentam colocar em Cubas etiquetas como 'anarquista', 'populista' e 'autoritário'. Sinceramente, estou muito preocupado por ele. Ele não está bem, em termos de saúde mental, além de ser totalmente errático. Se chegar a ganhar, seguramente estaríamos em um julgamento de impeachment em menos de um ano, por incapacidade", advertiu.

Filho de um militar do Partido Colorado, Cubas foi expulso do cargo de senador pela maioria de opositores e correligionários por seu comportamento. "As pessoas dizem que depositam nele um voto de protesto. Duvido que essa intenção de voto apareça na votação. Muita gente que o apoia não sairá às urnas", previu. 

Margem estreita

Pós-doutora em ciência política e integrante da Associação de Ciência Política do Paraguai, Sarah Cerna Villagra acredita que o próximo presidente será eleito com uma margem estreita em relação ao segundo colocado. Ela lembra que o atual chefe de Estado, Mario Abdo Benítez, chegou ao poder apenas 3,7 pontos percentuais à frente de Alegre. "Atualmente, no contexto eleitoral, as sondagens eleitorais apontam que tanto Alegre quanto Peña têm possibilidades de saírem vitoriosos", disse à reportagem. Segundo Villagra, a governabilidade dependerá da composição do próximo Congresso. "No Paraguai, todos os últimos governos enfrentaram julgamento político. Caso Peña seja eleito, por ser uma figura jovem, ele precisará negociar com as facções do Partido Colorado, do Partido Liberal e da Coalizão por um Novo Paraguai (de Alegre) no Congresso."

A jornalista Estela Ruiz Díaz, comentarista política da Rádio Monumental e analista do jornal Ultima Hora, acredita que as eleições de hoje serão as mais disputadas da história. "É difícil prever um ganhador, pois as pesquisas têm perdido credibilidade. Peña e Alegre polarizam. O primeiro tem como padrinho político o ex-presidente Horacio Cartes, enquanto que Alegre é um lobo velho da política. A disputa principal será entre o continuísmo e a alternância. Nesse contexto, travou-se a batalha retórica. Alegre atacou Cartes, a quem considera líder da máfia no país. Peña promete melhorar as condições de vida da população, ainda que seu partido governe há décadas", afirmou ao Correio, por e-mail. 

Díaz explicou que, na reta final de campanha, Cubas posicionou-se como um candidato antissistema. "É uma figura imprevisível, um típico outsider populista latino-americano, que carece de um tecido organizacional sólido, de uma proposta coerente de uma liderança séria", avaliou. Ela não tem dúvidas de que o principal desafio será assegurar a governabilidade.

A especialista advertiu que será necessário construir pactos econômicos, políticos e sociais, o que exigirá liderança e capacidade de negociação do eleito. "O Paraguai é um dos países mais desiguais do mundo, com alta informalidade laboral e recessão econômica. A tudo isso se soma a ameaça do crime internacional, que se alastra graças à fragilidade institucional."

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Eu acho...

"O Paraguai se encontra numa situação bastante precária, como resultado de certa estagnação, algo muito parecido com o restante da América Latina. Produto da desaceleração econômica de 2012 e 2013, da pandemia, da guerra na Ucrânia, da incerteza geopolítica e da seca. No Paraguai, 65% da mão de obra está ligada à informalidade, somente dois em cada 10 cidadãos têm um plano de saúde. Desigualdades importantes ainda persistem, as quais não foram superadas. Um dos aspectos fortes do país era a sua saúde fiscal relativamente forte. A dívida chega a 37% do Produto Interno Bruto (PIB), e não se pode superar o teto de endividamento."

Esteban Caballero, analista político e coordenador acadêmico do FLACSO Paraguay

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

"Um dos principais desafios do próximo presidente será garantir a governabilidade. O eleitorado está muito paralisado. Em terceiro lugar, aparece Paraguayo Cubas, que tem problemas de territórios. Não se trata de um candidato que tem muitas possibilidades fora das redes sociais. Como as mesas eleitorais se conformam com os partidos políticos, aqui no Paraguai, somente o Partido Colorado e o Partido Liberal podem ganhar todas as mesas com votações em todo o país. A figura de Paraguayo Cubas é um pouco preocupante, sobretudo por ser antissistema e de caráter autoritário."

 

Sarah Cerna Villagra,

pós-doutora em ciência política e membro da Associação de Ciência Política do Paraguai 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

"O que agita o Partido Colorado é que a Coalizão para um novo Paraguai é uma ampla aliança que inclui a direita e a esquerda. Isso cria instabilidade. No entanto, o Partido Colorado ganhou seis em sete eleições desde a queda da ditadura de Alfredo Stroessner, em 1989. As crises políticas mais graves ocorreram em governos colorados. A tensão interna colorada é causa de permanentes tensões no poder. De fato, a maior oposição a um governo colorado é o próprio partido, pois são as tensões de quem disputa o poder verdadeiro."

 

Estela Ruiz Díaz, jornalista, comentarista política da Rádio Monumental e analista do jornal Ultima Hora