Depois de mais de 420 mortos e de duas tréguas fracassadas, o grupo paramilitar Forças de Apoio Rápido (FAR) e o Exército do Sudão acordaram novo cessar-fogo, com duração prevista de 72 horas. "Após intensas negociações, as Forças Armadas sudanesas e as FAR concordaram em implementar e em manter um cessar-fogo nacional, começando à meia-noite (19h de ontem). Nós saudamos o compromisso em trabalhar com parceiros e partes interessadas para a permanente cessação das hostilidades e para os acordos humanitários", afirmou o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, por meio do Twitter.
Enquanto o acerto diplomático entre as forças beligerantes era costurado, o êxodo em massa de estrangeiros prosseguia no país. Nove brasileiros — quatro atletas e cinco membros da comissão técnica do time de futebol sudanês Al-Merreikh — conseguiram, na noite de ontem (hora local), chegar com segurança à fronteira do Egito.
Alto representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, Josep Borrell anunciou que mais de mil cidadãos do bloco foram resgatados do Sudão. Por sua vez, o Reino Unido mantém uma equipe militar em Cartum para avaliar um plano de retirada de 4 mil britânicos. O governo dos EUA removeu o pessoal diplomático, menos de 100 pessoas, a bordo de helicópteros, auxiliados pelas FAR. "Sob as ordens do presidente (Joe Biden), estamos ativamente facilitando a partida de cidadãos norte-americanos que desejarem deixar o Sudão, como o Departamento de Estado tem os instruído a fazê-lo há anos", disse Jake Sullivan, conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca.
A Espanha também removeu outras 100 pessoas, entre espanhóis e latino-americanos. Ontem, a França anunciou o fechamento de sua embaixada no Sudão "até novo aviso". A chancelaria de Paris confirmou ter resgatado do território sudanês 491 pessoas de 36 nacionalidades, incluindo 196 franceses.
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Corredores humanitários
Em nota oficial, as FAR confirmaram o pacto mediado pelos Estados Unidos e informaram que "o cessar-fogo visa estabelecer corredores humanitários, permitindo aos cidadãos e aos moradores acessarem recursos essenciais, cuidados médicos e zonas seguras, enquanto também ocorre a retirada das missões dipomáticas". A facção, comandada pelo general Mohamed Hamdan Daglo, comprometeu-se a manter o cessar-fogo durante o armistício declarado e a alertar contra violações da parte oposta. Desde 15 de abril, explosões e tiros ecoavam em Cartum e em outras regiões do país africano.
O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, alertou para o risco de uma "conflagração catastrófica" dentro do Sudão, "que poderia envolver toda a região e além". Cerca de 700 funcionários da ONU, de embaixadas e de organizações internacionais "foram retirados para Porto Sudão", cidade às margens do Mar Vermelho.
Esperança
"Muitas pessoas fogem diariamente de Cartum. Não posso sair e deixar para trás meus bens e minha casa. Os combatentes começaram a invadir as residências de civis, arrombando portas. Nós esperamos que o cessar-fogo detenha esses assassinatos", afirmou ao Correio o pesquisador Ibrahim Alhaj Alduma, 30 anos, morador da capital. Ele admitiu que a maioria dos estrangeiros que viviam em Cartum foram retirados em segurança. "Agora, acho que o papel primordial cabe aos mediadores da comunidade internacional. Eles devem atuar para encerrar a guerra."
De acordo com Alduma, muitas pessoas começam a sucumbir à fome dentro de suas casas. "Os mercados estão com as prateleiras vazias. É impossível conseguir suprimentos básicos, como óleo, farinha, açúcar e arroz. Outra questão preocupante é a falta de segurança pública. Muitos detentos foram libertados das penitenciárias. Cartum tornou-se mais perigosa do que nunca", lamentou. Ele relatou que, pouco antes do anúncio do cessar-fogo, foram registrados combates no bairro onde vive. "Oito casas acabaram destruídas", disse.
Além dos 420 mortos, os combates no Sudão deixaram mais de 3.700 feridos. O sindicato dos médicos sudaneses lançou um apelo no Facebook: "Vários bairros de Cartum estão sendo bombardeados, civis morreram e há quase 50 feridos, todos os médicos por perto devem vir o mais rápido possível". A disparada dos preços de alimentos e de combustíveis e a falta de insumos lançaram o Sudão à beira de uma catástrofe humanitária.