Morador de Kampala, Ronald Agaba, 25 anos, afirma que ser gay em Uganda é quase uma sentença de morte não oficializada. Às 11h30 da última quarta-feira (5h30 em Brasília), por pouco ele foi linchado quando comprava comida no vilarejo de Lubugumu, a 16km da capital.
"Fui a um mercado, perto do local onde estou me refugiando. Cinco caras apareceram gritando: 'Isso é um gay. Não queremos gays aqui. Ele usa as plataformas de mídia social para promover a homossexualidade'. Com bastões e um fio, começaram a bater em mim, até que outro homem me socorreu. Agora, estou cuidando dos hematomas", contou ao Correio, que recebeu fotos dos sinais de tortura.
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Agaba teme que a situação se deteriore ainda mais. Em 22 de março, o Parlamento aprovou a Lei Anti-Homossexualidade, que prevê prisão perpétua a quem for pego mantendo relações sexuais com pessoas do mesmo gênero. Qualquer pessoa que se envolver em "atos" homossexuais poderá ser condenada a 20 anos de cadeia. O texto foi reenviado pelo presidente Yoweri Museveni ao Parlamento, para ser "aprimorado". O líder enfrenta pressão internacional para impor o veto.
Em carta aberta, 15 cientistas renomados de países como África do Sul, Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Quênia e Austrália pediram a Museveni que não assine o texto, sublinharam que a genética desempenha um papel na homossexualidade e que não se vira gay como se pega um "resfriado comum". "A exposição a bandeiras da cor do arco-íris não tornará uma criança gay", escreveram.
Um dos signatários, Dean Hamer — cientista emérito do Instituto Nacional de Saúde dos EUA — admitiu ao Correio que decidiu participar do movimento por acreditar que Museveni "merece ter o melhor conhecimento que a ciência possa oferecer". "Não acho que a biologia deveria desempenhar qualquer papel em determinar os direitos humanos básicos. Mas, também acredito que é muito melhor para as pessoas terem informação cientificamente válida e precisa sobre a orientação sexual, em vez de desinformação", pontuou.
Hamer desqualifica a tese de que crianças sejam influenciadas por pessoas LGBTQIAP . "O ruim para crianças é não serem aceitas por aqueles que são da sua própria família. O bom é que seus pais amem e apoiem seus filhos, os protejam do preconceito e da discriminação. A ideia de que garotos podem 'aprender' a serem LGBTQ , ou que possam ser 'influenciados' para mudar sua orientação sexual, é cientificamente imprecisa e, obviamente, falsa."
A transexual Murungi Shantal, 25, também de Kampala, garantiu à reportagem que perdeu tudo o que tinha por ser gay. "Meus pais deixaram de pagar minhas contas no primeiro ano de universidade. Tenho recebido ameaças de morte e, atualmente, estou em um esconderijo. Durante o dia, não posso sair", disse.
Incitação
Shantal explicou que o presidente Museveni determinou ao Parlamento que revise a legislação, a fim de torná-la ainda mais restritiva. "Ele pediu a remoção de todas as brechas que fariam com que fosse contestada na Corte. Isso porque os advogados deixaram claro que desafiaram a lei, em caso de sanção. A realidade é que, mesmo que o texto seja vetado, nós, gays, continuaremos a enfrentar perseguição, pois o presidente incita a população contra nós", denunciou Shantal, que ocupa o cargo de diretora-executiva do Colored Voice Truth to LGBTQ Uganda ("Voz colorida da verdade para os LGBTQs de Uganda"). Ela lembra que, por três vezes, Museveni patrocinou legislações anti-gays com efeitos devastadores sobre a comunidade homossexual de Uganda.
Agaba afirmou que, todos os dias, tem de pagar o preço por ser gay. "Há muita raiva, ataques, trauma, depressão, auto-ódio por abusos públicos impiedosos e pensamentos suicidas, devido à falta de pertencimento". Por causa de padrões religiosos, as pessoas LGBTQIAP de Uganda são consideradas "satânicas". "Alguns chegam a nos associar com cultos secretos malignos. Outros alegam que possuímos poderes satânicos; outros nos rebaixam como alguém que vendeu a alma, como aberrações ou sinais de calamidade para a África."
Segundo Agaba, os gays em Uganda enfrentam uma questão de vida ou morte. "Nós vivemos na expectativa de sermos linchados por uma multidão, condenados à prisão perpétua ou termos negado o acesso aos serviços sociais. O desemprego é uma constante ameaça, pois ninguém quer dar emprego a um homossexual. Temos que nos mudar sempre de casa, por segurança."
Também ativista LGBTQIAP , Steven Kabuye, 25, disse ao Correio que ser gay em Uganda é "incrivelmente desafiador e perigoso, devido ao ambiente jurídico e social do país". "A atividade homossexual é ilegal e punida com a prisão perpétua. Os indivíduos LGBTQIAP enfrentam preconceito disseminado, assédio e violência generalizada, com relatos de ataques físicos e sexuais, prisões e até mesmo assassinatos", lamentou.
Barreiras socioculturais dificultam que pessoas LGBTQIAP vivam aberta e livremente. Segundo Kabuye, muitos ugandeses mantêm visões conservadoras sobre sexualidade e gênero, e há pouca aceitação ou suporte aos homossexuais. "Famílias e amigos rejeitam ou abandonam indivíduos gays, e eles enfrentam dificuldades em achar empregos ou moradia e em receber cuidados médicos", afirmou.
O governo e a mídia são conhecidas por promover a retórica e a propaganda anti-LGBTQ , o que alimenta ainda mais a discriminação e a violência contra a comunidade. Kabuye relatou que, duas semanas atrás, quase foi esfaqueado por uma turba. "Eu apelo ao presidente Museveni para pensar além do pote e vetar essa lei. Pelo bem dos direitos humanos e da igualdade. O patriotismo nos chama a não deixar nenhum africano para trás", destacou Kabuye.