A maioria dos judeus confinados no Gueto de Varsóvia havia sido assassinada pelos soldados de Adolf Hitler, quando a revolta teve início, em 19 de abril de 1943. No verão de 1942, cerca de 250 mil entre os 480 mil moradores foram deportados para Treblinka, um campo construído no meio de uma floresta, a nordeste da capital polonesa, com um propósito: o extermínio. Entre os que escaparam da morte e ficaram no Gueto, surgiram atos de coragem, sacrifício e desespero.
Na próxima quarta-feira, o mundo renderá um tributo à bravura de judeus, homens e mulheres, que colocaram em risco suas vidas para salvar o próximo. Como Vladka Meed (leia abaixo), a jovem de 22 anos que contrabandeou armas e explosivos para dentro do Gueto e ajudou a esconder outros judeus.
Autor de The jewish heroes of Warsaw — The afterlife of the revolt ("Os heróis judeus de Varsóvia — A vida após a revolta") e professor de Estudos Judaicos da Universidade de Connecticut, Avinoam J. Patt explicou ao Correio que os integrantes da clandestinidade judaica formaram uma Liga Combatente Judaica dentro do Gueto e decidiram que, quando os nazistas chegassem para a liquidação final, prefeririam morrer a embarcar nos trens para o campo de extermínio de Treblinka.
"A maioria dos combatentes eram de movimentos juvenis, incluindo sionistas, integrantes da União Geral Operária Judaica (Bund), e sionistas revisionistas que formaram a milícia União Militar Judaica. Além do comandante Mordechai Anielewicz, a Liga Combatente Judaica tinha figuras de peso, como Marek Edelman (do Bund), Zivia Lubetkin (sionista), Michal Klepfisz e Vladka Meed", contou Patt.
Após o primeiro choque com as forças nazistas, em janeiro de 1943, os integrantes da Liga Combatente Judaica perceberam que combates diretos contra os soldados de Hitler seriam inúteis. "Eles decidiram se preparar para uma guerra de guerrilha e usar táticas de surpresa. Lançaram coquetéis Molotov dos prédios, dispararam a partir de andares mais altos e prepararam explosivos, detonados aos pés dos soldados alemães", comentou Patt. "Milhares de judeus construíram bunkers para se esconderem das deportações. Isso tornou a tarefa de reunir os judeus remanescentes no Gueto especialmente difícil para os alemães", acrescentou.
Nos meses que antecederam a revolta, a Liga Combatente Judaica contrabandeou armas para o Gueto, compradas no mercado clandestino. Enquanto as deportações para Treblinka prosseguiam, a Liga tentou convencer os sobreviventes de que a melhor resposta seria lutar de volta.
Curador do Memorial do Holocausto em São Paulo e professor do StandWithUS Brasil, Marcio Pitliuk lembrou que o ataque final dos nazistas ao Gueto de Varsóvia ocorreu no Pessach, a Páscoa judaica. "Os combatentes pediram à resistência polonesa — Armia Krajowa — munições e armas, o que foi recusado. Os combatentes compraram poucas armas e munições no mercado clandestino. Muitos guardavam a última bala para si, pois sabiam o que aconteceria com eles, caso caíssem nas mãos dos nazistas", disse à reportagem.
Propaganda
De acordo com Zachary Mazur, especialista do Museu da História dos Judeus Polacos (Polin), em Varsóvia, além de construir esconderijos, a resistência armazenou suprimentos, especialmente comida e combustível. "A Liga Combatente Judaica e outros grupos realizaram uma ofensiva de propaganda, tentando preparar os moradores do Gueto a resistirem. Muitas vezes, os nazistas evitavam uma incursão no Gueto — consideravam o local sujo e repleto de doenças", disse ao Correio. A resistência se beneficiou de informações oriundas de uma imprensa clandestina, de grafites, cartazes e do boca a boca.
Avinoam J. Patt lembrou que os combatentes do Gueto repeliram os nazistas por quase quatro semanas. "O Levante do Gueto de Varsóvia foi a mais bem-sucedida revolta judaica em uma grande área urbana durante a guerra. A superioridade militar do Exército da Alemanha era tremenda."
Patt acredita que os judeus do Gueto estavam cientes de que não iriam derrotar os alemães, nem evitariam a liquidação final. "O que eles esperavam era provar para os nazistas que poderiam revidar, que não morreriam sem uma luta. Para muitos dos combatentes, simplesmente ver 'sangue alemão fluindo pelas ruas' seria um sucesso. Eles reagiram e se vingaram dos alemães que assassinaram suas famílias. Nesse sentido, o levante foi exitoso."
Para evitar o confronto direto com os judeus, o general nazista Jürgen Stroop decidiu queimar todo o Gueto. Alguns membros da resistência se embrenharam pelos esgotos, sob as ruas de Varsóvia, e viveram para contar sua história. Milhares de documentos foram encontrados anos depois, um testemunho do horror entre os muros do Gueto.
"Essa é a história sobre pessoas famintas desesperadas, enfrentando a morte iminente e usando o último grama de energia para lutar contra opressores", afirmou Mazur. O polonês vê, no Levante do Gueto de Varsóvia, lições sobre dignidade e humanidade. "Os nazistas tentaram tornar os judeus subumanos, mas, naqueles momentos de combate, os insurgentes reafirmaram o seu direito de viverem neste mundo."