Um documento do Pentágono — rotulado como "top secret" (ultrassecreto), vazado na internet e divulgado pelo jornal The Washington Post — aponta a desconfiança dos Estados Unidos em relação ao sucesso da contraofensiva do Exército da Ucrânia, planejada para a primavera no Hemisfério Norte (setembro), para retomar o território conquistado pelas forças da Rússia. O relatório informa que "as duras defesas russas e as persistentes deficiências ucranianas em treinamento e suprimentos de munições provavelmente prejudicarão o progresso e aumentarão as baixas durante a ofensiva". Ainda segundo o documento, as tropas do presidente Volodymyr Zelensky enfrentam "deficits significativos de geração de força e sustentação" e, provavelmente, obteria "ganhos territoriais modestos".
Outro dossiê, marcado como "secreto" e revisado pela agência de notícias France-Presse (AFP), detalha o "péssimo estado" das defesas aéreas ucranianas. Datado de fevereiro deste ano, ele alerta que 89% das defesas aéreas de médio e grande alcances são feitas com sistemas SA-11 e SA-10, dos tempos de União Soviética, os quais poderiam deixar de funcionar por falta de mísseis, respectivamente, no fim de março e no início de maio. As preocupações dos serviços de inteligência norte-americanos também abordam os problemas de treinamento dos soldados da Ucrânia. Por outro lado, um dos documentos afirma que a campanha de desgaste da Rússia na região de Donbass provavelmente está caminhando para um impasse, frustrando a meta de Moscou de capturar toda a região em 2023".
Em entrevista ao Correio, o cientista político ucraniano Artem Oliinyk — diretor do Instituto para Relações de Governo (em Kiev) — afirmou que os documentos não contêm quaisquer dados ou pistas sobre os planos da contraofensiva de Zelensky, como número ou deslocamento de tropas. "A informação sobre a necessidade de suprimentos de armas é de conhecimento comum. No primeiro ano de guerra na Ucrânia, as instalações de produção foram seriamente danificadas, e os países vizinhos ainda não aumentaram a taxa de produção. Portanto, a contraofensiva ocorrerá, e a Ucrânia continuará a liberar seus territórios", previu.
Para Oliinyk, os dados vazados não deverão interferir nos planos do Estado-Maior para realizar operações militares. "O Exército ucraniano tem repelido o inimigo em muitas áreas do front e destruído o potencial ofensivo da Rússia no leste da Ucrânia, especialmente nas regiões de Bakhmut, Donetsk, Avdiyivka e outras cidades. A Ucrânia manterá os combates para restaurar a sua integridade territorial, incluindo a Península da Crimeia e o porto de Sevastopol."
O especialista ucraniano não descarta que o vazamento de dados tenha ocorrido há muito mais tempo e volta a ser registrado futuramente. "É provável que os próprios russos tenham divulgado informações inúteis, com alterações de dados, para confundir os aliados da Ucrânia no Ocidente. Por exemplo, o material subestima o número de soldados feridoe e mortos — o total de baixas russas não chega a 20 mil em um ano, o que é estatisticamente impossível", observou Oliinyk.
Nos últimos dias, dezenas de fotografias de documentos começaram a ser compartilhadas nas redes sociais e nos aplicativos de mensagens, como Twitter, Discord e Telegram. No entanto, é possível que algumas estiveram em circulação na internet há semanas, senão meses. O Pentágono reconheceu, na segunda-feira, que o vazamento representa "um risco muito grave para a segurança nacional e tem o potencial de difundir desinformação".
"Agora ou nunca"
Depois de grandes derrotas da Rússia no front, obrigada a abandonar as áreas de Kiev, Kharkiv (leste) e Kherson (sul), a Ucrânia acredita que o momento da contraofensiva se aproxima. "Se nosso Estado-Maior disser que temos soldados suficientes, projéteis suficientes e tudo suficiente para atacar, estamos prontos", disse à AFP um soldado ucraniano conhecido como Mark, na região de Donetsk. Por enquanto, as autoridades militares não estimam uma data. Estrategistas advertem que as forças da Ucrânia têm uma margem de manobra reduzida para se impor.
Apesar das conclusões preocupantes dos relatórios vazados, Kiev assegura que formou brigadas de ataque e armazenou munição. O governo Zelensky também espera tirar vantagem dos tanques de guerra recebidos de parceiros ocidentais, como a Alemanha e o Reino Unido. Ontem, em uma ligação telefônica, o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, prometeu apoio "de ferro" ao chanceler da Ucrânia, Dmytro Kuleba. Ao mesmo tempo, o chefe da diplomacia de Washington disse rejeitar, de forma veemente, quaisquer tentativas de lançar dúvida sobre a capacidade da Ucrânia de vencer no campo de batalha. "Os EUA continuam sendo o parceiro confiável da Ucrânia, focado em promover nossa vitória e garantir uma paz justa", declarou Kuleba.