Centenas de documentos confidenciais do Pentágono divulgados nas redes sociais, durante os últimos meses, seriam apenas "a ponta de um iceberg" em um novo escândalo de vazamento que abalou a comunidade de inteligência dos Estados Unidos. Fotografias dos dossiês abasteceram o Twitter e aplicativos, como o Telegram e o Discord, há mais tempo do que as autoridades de Washington imaginavam. Chris Meagher, assistente do secretário de Defesa (Lloyd Austin) para Assuntos Públicos, advertiu que os relatórios representam "um risco muito grave para a segurança nacional e têm potencial de difundir a desinformação".
"Seguimos investigando como isso ocorreu, assim como o alcance do problema. Foram tomadas medidas para observar mais de perto como esse tipo de informação está sendo distribuída e para quem", acrescentou Meagher. O caso, tornado público pela primeira vez pelo jornal The New York Times, na última quinta-feira, envolve dados considerados sensíveis sobre a guerra da Ucrânia. A rede de tevê CNN divulgou que o governo do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, decidiu alterar planos militares para combater as forças russas, em resposta aos dados vazados. A CNN revisou pelo menos 53 documentos distribuídos pela internet.
Um dos documentos aborda o estado do conflito na Ucrânia até o início do mês passado, incluindo baixas russas e ucranianas (veja quadro). Outro esmiuça a situação no front, com destaque para os combates na cidade de Bakhmut, na região de Donetsk (leste). Outros relatórios informam sobre a defesa antiaérea de Kiev e sobre os esforços da comunidade internacional para aprimorar as forças militares ucranianas.
Michael "Mick" Patrick Mulroy, ex-funcionário do Pentágono e especialista do Lobo Institute (em Whitefish, Montana), explica que esse vazamento parece ser o mais importante desde o caso Edward Snowden — ex-analista da Agência Central de Inteligência (CIA) acusado de divulgar informações sigilosas dos EUA. "Ainda não sabemos se haverá mais dados tornados públicos. Uma coisa diferente é que essas informações são mais atuais do que vazamentos anteriores, e, por isso, podem ser mais prejudiciais", afirma ao Correio.
Perigo
De acordo com Mulroy, também um ex-agente da CIA, os vazamentos são nocivos para a segurança nacional dos EUA por várias motivos. "Primeiro, ele diz aos adversários o que pensamos que sabemos e pode dizer a eles como sabemos dessas informações. Isso pode terminar com nossas fontes humanas sendo capturadas e assassinadas. Também diz aos nossos aliados que podemos estar coletando informações sobre eles. Algo com potencial de causar problemas diplomáticos significativos. Especificamente, isso poderia colocar em risco nossos esforços para ajudar os ucranianos na contra-ofensiva", acrescentou.
Os documentos secretos teriam sido originalmente postados na internet no começo de março. "Não está claro se o governo norte-americano sabia sobre a existência deles até que a história foi publicada no NY Times", comentou Mulroy. Ele aposta numa ação deliberada, e sustenta que fotografias foram tiradas dos relatórios do Pentágono. As autoridades dos EUA disseram que trabalham para confirmar a autenticidade de todos os textos. Por sua vez, congressistas externaram preocupação com o escopo e as consequências dos vazamentos. Também cobraram respostas do presidente Joe Biden.
"As fotografias parecem mostrar documentos similares em formato aos utilizados para proporcionar atualizações diárias a nossos altos comandos sobre a Ucrânia e as operações relacionadas com a Rússia, assim como outras atualizações de inteligência", admitiu Chris Meagher. No entanto, ele não descarta que alguns tenham sido "alterados". "A divulgação de material classificado sensível pode ter implicações tremendas, não só para a nossa segurança nacional, mas que poderiam levar à perda de vidas", alertou o assistente do secretário de Defesa para Assuntos Públicos.
Mulroy também entende a desinformação como um grave problema. "As pessoas acreditarão que algo é verdade, e os EUA não desejarão verificar os dados se forem solicitados a fazê-lo. Esses documentos são uma oportunidade de desinformação para os adversários dos Estados Unidos", reconheceu.
Outros assuntos
Além da guerra na Ucrânia, os documentos vazados apontam para a vigilância norte-americana dos aliados de Washington, como a Coreia do Sul, a própria Ucrânia e Israel. Um dos textos afirma que líderes da Mossad — a agência de inteligência israelense — defenderam protestos internos contra a reforma judicial proposta pelo premiê Benjamin Netanyahu. Outro sinaliza que os Estados Unidos espionavam o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky.