Assim como tantos outros israelenses, a esteticista Noah Cohen, 24 anos, comemorava o Pessach (Páscoa Judaica) com um churrasco no jardim de sua casa, em Shlomi — cidade de 12 mil habitantes situada no norte de Israel, a 1km da fronteira libanesa. "Tudo começou às 12h30 (6h30, em Brasília). As sirenes antiaéreas soaram. Nós corremos até o quarto do pânico, um abrigo contra bombas. Foi então que escutamos vários sons de explosões, seguidos de mais alarmes. O banco de nossa cidade foi alvejado. Ainda estamos em casa e não iremos a lugar nenhum", contou ao Correio, por telefone.
Pelo menos 34 foguetes foram lançados do Líbano em direção ao norte de Israel, na maior escalada de tensão em quase 17 anos. Desse total, 25 foram interceptados pelo "Domo de Ferro", o sistema de defesa antiaérea, e cinco caíram em solo israelense, ferindo duas pessoas sem gravidade.
Richard Hecht, porta-voz das Forças de Defesa de Israel (IDF), assegurou que os foguetes são palestinos. "Poderia ser o Hamas (movimento fundamentalista islâmico), poderia ser a Jihad islâmica. Estamos tentando chegar a uma conclusão final sobre isso, mas não foi o Hezbollah", disse, ao citar a milícia e movimento político que tem forte influência no Líbano. Cohen admitiu que a última grande chuva de foguetes ocorreu em 2006. "Eu tinha sete anos e houve uma guerra aqui. Foi muito assustador. Ficávamos noite e dia no abrigo", lembra a moradora de Shlomi.
No início de uma reunião de emergência com o gabinete de segurança, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, avisou: "Atingiremos nossos inimigos e os faremos pagar o preço de cada agressão". O titular da pasta da Defesa, Yoav Gallant, instruiu o gabinete a "preparar todas as opções de resposta aos foguetes" lançados do Líbano. Por sua vez, o premiê libanês, Najib Mikati, disse que "nega qualquer escalada a partir de seu território". "O governo libanês se opõe ao uso do seu território para operações que desestabilizam a situação", destacou.
À noite, as IDF bombardearam vários alvos na Faixa de Gaza, incluindo dois túneis do Hamas, que governa o enclave palestino, e locais de fabricação de armas. Sirenes antiaéreas foram imediatamente acionadas nas cidades do chamado "envelope de Gaza", próximas à fronteira, como Carmiel e Netiv HaAssara. O aumento de hostilidades ocorre depois de a polícia de Israel realizar duas incursões e prender ao menos 350 muçulmanos na Mesquita de Al-Aqsa (em Jerusalém), o terceiro local mais importante do islã, depois de Meca e Medina. Hoje, todas as atenções se voltam para Al-Aqsa — a sexta-feira é sagrada para o islamismo.
Religião
O embaixador de Israel no Brasil, Daniel Zonshine, explicou ao Correio que os "extremistas" usam o Ramadã para desestabilizar a região, usando temas religiosos. "No centro disso, está o Monte do Templo, em Jerusalém. Há dois dias, muçulmanos entraram na Mesquita de Al-Aqsa. Eles não foram lá para rezar. Estavam com rojões e pedras. A polícia israelense pediu que alguns desses elementos se retirassem do local, a fim de permitir que os fiéis orassem. Eles não aceitaram, e a polícia teve que retirá-los de lá, usando a força", afirmou. "Isso se tornou uma desculpa para que pessoas de Gaza e do Líbano disparassem foguetes contra Israel. Ao todo, 34 foguetes foram lançados do Líbano contra alvos civis israelenses. Enquanto falamos, pessoas de cidades e kibutzim perto da fronteira com Gaza estão nos abrigos."
Zonshine acrescentou que Israel deseja permitir que os muçulmanos usem a Mesquita de Al-Aqsa para seu propósito original — orar e louvar, especialmente no Ramadã. "Não queremos que ela seja utilizada como desculpa para distúrbios e foguetes."
Chefe do Departamento Político e de Relações Exteriores do Hamas na Faixa de Gaza, Bassem Naim (leia Duas perguntas para) falou ao Correio, por telefone, e negou envolvimento do grupo no lançamento de foguetes a partir do sul do Líbano. "Alerto a liderança israelense, especialmente esse governo de extrema-direita, contra qualquer resposta louca, como ataques ao nosso povo aqui ou na Cisjordânia. O movimento de resistência responderá fortemente a qualquer agressão ao nosso povo, independentemente de uma guerra", declarou.
Mais tarde, às 19h (hora de Brasília), a reportagem tornou a entrar em contato com o líder do Hamas, que confirmou bombardeios ao enclave palestino. "Eles começaram meia hora atrás. Vários ataques contra locais diferentes ao longo da Faixa de Gaza. Podemos ouvir explosões por todos os lugares. Ainda não sabemos como as coisas vão se desenvolver. Mas, com certeza, a resistência responderá a todas essas agressões. Espero que as coisas não se agravem além do esperado", disse Naim.
Por e-mail, o embaixador da Palestina no Brasil, Ibrahim Alzeben, acusou Israel e o governo Netanyahu de serem responsáveis pela "continuação da agressão ao povo palestino". "Sob a liderança de Netanyahu, toda a região foi exposta a mais violência e à transformação do conflito político em uma guerra religiosa, a qual ninguém deseja", afirmou, ao denunciar a "formação provocativa, agressiva e racista" do gabinete de Netanyahu. De acordo com ele, os desdobramentos no Oriente Médio "têm relação com a política que Israel seguiu por décadas, de rejeição à paz, a acordos e a negociações, e à persistência em impor o fato consumado com força excessiva".
Alzeben credita a violência à "ocupação israelense" e à ausência de solução política baseada nas resoluções de legitimidade internacional. "A escolha do calendário de feriados e eventos religiosos reflete a imprudência, o racismo e a irresponsabilidade do governo israelense", disse.