Em vigor oficialmente desde ontem, um cessar-fogo de 72 horas entre os dois generais que disputam o poder no Sudão esbarra na fragilidade. O grupo paramilitar Forças de Apoio Rápido (FAR), comandado pelo general Mohamed Hamdan Daglo (ou "Pequeno Mohammed"), acusou o Exército sudanês, liderado pelo general Abdel Fattah Al-Burhan, de violar a trégua. Disparos e bombardeios foram ouvidos em Cartum e em Omdurman, segundo relataram agências internacionais de notícias.
Em 11 dias de combates, cerca de 450 pessoas foram mortas. "O cessar-fogo não tem vigorado. Hoje (ontem), por volta do meio-dia, uma bomba atingiu um centro médico em Omdurman e deixou dez feridos. Também há ataques em outros locais", contou ao Correio a gerente de projetos Hind Mohamed, 34 anos, que fugiu de Cartum para Wad Madani, 195km ao sul da capital, na última sexta-feira. "A situação em Cartum só piora. Centenas de pessoas saíram da cidade e muitas outras tentam escapar."
As Forças da Liberdade e Mudança, principal bloco civil que os dois generais em conflito expulsaram do poder em um golpe de Estado em 2021, expressaram a confiança de que a pausa nas hostilidades permitirá um "diálogo sobre as modalidades de um cessar-fogo permanente".
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O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, havia alertado na segunda-feira que a guerra deixou o Sudão "à beira do precipício". A disputa entre Burhan e Daglo, que se aliaram para derrubar os civis do poder, foi provocada pelos planos de integrar as FAR ao Exército oficial.
Vídeos publicados na internet — que não tiveram a autenticidade comprovada — mostram o cenário de violência e ataques dos últimos dias: estabelecimentos comerciais incendiados, imóveis destruídos e civis perambulando entre os escombros ainda em chamas. Antes do cessar-fogo, várias nações conseguiram negociar com os dois lados beligerantes a retirada de funcionários diplomáticos e de cidadãos de seus países. Mais de mil cidadãos da União Europeia deixaram o Sudão. China, Estados Unidos, Japão, Reino Unido e vários países árabes também anunciaram a retirada de centenas de pessoas. A Agência da ONU para os Refugiados calcula que até 270 mil pessoas podem fugir para o Chade e o Sudão do Sul.
As pessoas que não conseguiram fugir do fogo cruzado tentam sobreviver sem o fornecimento de água ou energia elétrica, escassez de alimentos e cortes de internet e das linhas telefônicas. "À medida que os estrangeiros fogem — os que conseguem —, o impacto da violência em uma situação humanitária já crítica no Sudão é agravado", alertou a ONU. Bloqueadas no fogo cruzado, as agências das Nações Unidas e outras organizações humanitárias suspenderam as atividades no país.
Cinco trabalhadores humanitários — quatro deles da ONU — morreram e, de acordo com o sindicado dos médicos, quase 75% dos hospitais do país estão foram de serviço. Na segunda-feira à noite, cerca de 200 pessoas de mais de 14 nações desembarcaram de um navio na cidade costeira de Jidá, na Arábia Saudita. Entre as pessoas que fugiram do Sudão estavam idosas em cadeiras de rodas e bebês carregados pelos pais.
Risco biológico
A Organização Mundial da Saúde (OMS) fez um alerta para riscos biológicos "elevados" no Sudão após a ocupação de um laboratório nacional de saúde. "Este laboratório de saúde pública está ocupado por um dos lados beligerantes e representa um risco biológico muito elevado", declarou a representante da OMS no Sudão, a doutora Nima Saeed Abid, em entrevista coletiva por videoconferência em Genebra. Ela acrescentou que o local possui amostras com patógenos de sarampo, cólera e poliomielite.
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