O êxodo em massa de estrangeiros prosseguia, nesta segunda-feira (24/4), no Sudão, abalado por combates violentos entre o exército e um grupo paramilitar que colocaram o país à beira "do precipício", alertou o secretário-geral da ONU, António Guterres.
As explosões e os tiros são ouvidos de modo incessante há 10 dias na capital sudanesa, Cartum, e em outras regiões do país africano, provocando centenas de mortes.
No entanto, as potências internacionais conseguiram negociar com os dois lados beligerantes a retirada de funcionários diplomáticos e cidadãos.
Esta espiral "corre o risco de uma conflagração catastrófica dentro do Sudão que poderia envolver toda a região e além", disparou Guterres nesta segunda-feira.
Apesar deste alerta, o enviado da ONU no Sudão, Volker Perthes, permanecerá no país, ao contrário de muitos diplomatas e outros cidadãos estrangeiros.
Ao todo, mais de 1.000 cidadãos da União Europeia (UE) foram retirados do país, afirmou o chefe da diplomacia do bloco, Josep Borrell.
A Espanha anunciou a saída de 100 pessoas, incluindo espanhóis e latino-americanos. Já o governo dos Estados Unidos, por sua vez, retirou funcionários do serviço diplomático, menos de 100 pessoas, em helicópteros.
A China e outros países árabes também evacuaram centenas de seus cidadãos que moravam no país africano.
Cerca de 700 funcionários da ONU, embaixadas e organizações internacionais "foram retirados para Porto Sudão", uma cidade às margens do Mar Vermelho, informaram as Nações Unidas.
A França anunciou nesta segunda-feira o fechamento de sua embaixada no país africano "até novo aviso".
"A embaixada francesa no Sudão está fechada até novo aviso e não é mais um ponto de reagrupamento para as pessoas que desejam deixar Cartum", informou o Ministério francês das Relações Exteriores, antes de informar ter retirado 491 pessoas de 36 nacionalidades, incluindo 196 franceses, do país.
Enquanto isso, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, alertou, no mesmo dia, que a presença do grupo paramilitar russo Wagner na região ameaça agravar o conflito na nação africana.
Para ele, o grupo, que tem atuado na região do Mali, na República Centro-Africana e na invasão russa da Ucrânia, "traz consigo mais morte e destruição".
A posição é compartilhada pelo ministro das Relações Exteriores do Quênia, Alfred Mutua, sugerindo que o Egito e os Emirados Árabes Unidos teriam apoiado os generais em guerra.
"Estamos bastante preocupados com (o papel desempenhado por) alguns de nossos amigos no Oriente Médio, bem como a Rússia ou outros que há muito apoiam um lado ou outro", disse ele, pedindo às potências estrangeiras que "deixem o Sudão em paz".
Um libanês que viajou de ônibus declarou à AFP que conseguiu sair apenas com "uma camisa e um pijama". "Foi tudo que restou de depois de 17 anos no Sudão", lamenta.
Em Cartum, "nós estávamos em estado de sítio", conta. Os mais de cinco milhões de habitantes da capital não têm serviço de água nem energia elétrica há vários dias. E os alimentos também estão em falta.
"Estávamos com medo de ficar doentes ou feridos nos combates", acrescenta o homem, de pé entre um grupo de famílias que abandonaram a capital. "Tudo foi destruído", disse.
A violência no país do nordeste da África, de 45 milhões de habitantes, explodiu em 15 de abril entre o exército do general Abdel Fatah al Burhan, governante de fato do Sudão desde o golpe de Estado de 2021, e seu grande rival, o general Mohamed Hamdan Daglo, líder das paramilitares Forças de Apoio Rápido (FAR).
Medo
Mais de 420 pessoas morreram e 3.700 ficaram feridas até o momento, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
"Temo por seu futuro", escreveu no Twitter o embaixador norueguês Endre Stiansen.
Os habitantes de Cartum só têm um pensamento: abandonar a cidade, cenário de caos.
O sindicato dos médicos sudaneses lançou um apelo no Facebook nesta segunda-feira: "Vários bairros de Cartum estão sendo bombardeados, civis morreram e há quase cinquenta feridos, todos os médicos que estão por perto devem vir o mais rápido possível".
Os dois lados trocam acusações sobre ataques contra prisões para libertar centenas de detentos, assim como de roubos a casas e fábricas.
Também foram registrados confrontos nas proximidades de agências bancárias, que foram esvaziadas.
Em um país onde a inflação já supera três dígitos em períodos normais, o preço do arroz ou da gasolina atingiu níveis recordes.
E isto representa um grande problema, já que a gasolina é crucial para escapar dos combates: um veículo precisa de muito combustível para chegar ao vizinho Egito - 1.000 quilômetros ao norte -, onde milhares de sudaneses pretendem obter refúgio.
"À medida que os estrangeiros fogem, o impacto da violência em uma situação humanitária já crítica no Sudão é agravado", alertou a ONU.
No meio do fogo cruzado, as agências das Nações Unidas e outras organizações humanitárias suspenderam suas atividades no país.
Cinco trabalhadores humanitários - quatro deles da ONU - morreram e, de acordo com o sindicato dos médicos, quase 75% dos hospitais estão fora de serviço.
A fome ameaça
Os combates violentos entre as forças dos dois generais não apresentam sinais de trégua.
Os tiroteios são intensos na capital e seus arredores. Caças sobrevoam a região e os blindados paramilitares avançam.
A disputa entre Burhan e Daglo começou com os planos de integrar as FAR ao exército oficial, um requisito crucial do acordo para a restauração da democracia no Sudão após o golpe militar que derrubou o ditador Omar al Bashir em abril de 2019.
O Programa Mundial de Alimentos (PMA) advertiu que milhões de pessoas adicionais podem sofrer fome devido à violência, no terceiro maior país da África, onde em períodos normais um terço da população precisa de ajuda humanitária.
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