Um som atípico acordou a gerente de projetos sudanesa Hind Mohamed, 24 anos, moradora de Cartum. "Era um tiroteio muito intenso. Moro perto do quartel-general do Exército sudanês. Posso escutar os tiros e explosões. Também vejo a fumaça subindo ao céu", contou ao Correio, no fim da manhã deste sábado (15). Às 8h (3h em Brasília), o grupo paramilitar Forças de Apoio Rápido (FAR), comandado pelo general Mohamed Hamdan Daglo, também conhecido como "Hemedti", começou a combater pelas ruas da capital do Sudão, onde vivem mais de 7 milhões de pessoas. As autoridades confirmam as mortes de pelo 30 pessoas; outras 400 ficaram feridas.
As FAR anunciaram a captura do Aeroporto Internacional de Cartum e do palácio presidencial. "Depois de um tempo, pude escutar e ver aeronaves militares, mas não por muito tempo. Não tenho certeza sobre quem ou como começou isso, mas havia tensões entre as o Exército e as FAR", acrescentou Hind. O grupo paramilitar também é formado por ex-membros da milícia islâmica Janjaweed, responsável por barbáries durante o conflito de Darfur, no oeste do Sudão. Hemedti fez um discurso polêmico, no qual instou a população e os soldados a se rebelarem contra o Exército.
"Estamos tentando tomar todas as precauções recomendadas por especialistas, como manter distância das janelas, ficar mais próximos do chão e não sair de casa, exceto em situação de emergência", disse Hind. "Por aqui, estão espalhando a informação de que soldados e paramilitares tentam se esconder em imóveis civis." Morador do bairro Khartoum 3, o pesquisador Ibrahim Alhaj Alduma, 30, relatou ao Correio que os confrontos começaram na parte sul da cidade. "Ainda podemos escutar vários tiros. Acredito que os choques foram planejados por volta das 5h de hoje. No momento, a situação é instável. Eu vivo numa região que abriga muitas bases militares, próximo ao quartel-general do Exército e ao palácio presidencial. Escuto várias rajadas de metralhadoras e o som de aviões. As portas de minha casa e as janelas estremecem com esses barulhos."
Por sua vez, Inaam Eltayeb Alfatih Mohieldeen, 23, disse à reportagem que a situação deve se agravar nas próximas horas. "No momento em que conversamos, posso escutar o barulho de armas automáticas. Basicamente, é um conflito entre as FAR e as tropas do general Abdel Fattah Al-Burhan. As FAR dizem controlar o palácio presidencial. Muitos confrontos ocorrem em pontos distintos da cidade", afirmou a moradora de Cartum. Um vídeo feito no aeroporto mostra as pessoas deitadas no chão, na sala de embarque internacional, enquanto tentam se proteger dos tiros. Segundo Inaam, a população de Cartum enfrenta um blecaute de informações. "Como estamos sem eletricidade, é impossível assistir à televisão."
A Rússia pediu às partes que tomem "medidas urgentes, visando a um cessar-fogo". O embaixador dos Estados Unidos no Sudão, John Godfrey, relatou que desembarcou tarde na noite em Cartum e despertou com "sons profundamente perturbadores de tiros e de combates". "Estou abrigado com a equipe da embaixada, como todos os sudaneses estão fazendo. A escalada de tensões dentro do componente militar para o combate direto é extremamente perigosa. Apelo urgentemente aos líderes militares de alto escalão para que parem os combates", tuitou.
Em nota, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil informou que "o governo brasileiro acompanha com preocupação a eclosão de episódios de violência no Sudão, com o registro de combates entre as Forças Armadas Sudanesas e as Forças de Apoio Rápido, em Cartum e outras regiões do país". "Ao reiterar seu apoio às negociações políticas entre as lideranças sudanesas, com o objetivo de restabelecer governo civil de transição, o governo brasileiro exorta as partes à contenção e à cessação imediata dos combates. Reiteramos apoio aos esforços do Conselho de Segurança das Nações Unidas nesse sentido", afirmou o Itamaraty.
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