Estados Unidos

Trump se torna réu por 34 acusações e diz que os EUA caminha "rumo ao inferno"

Magnata republicano é o primeiro ex-presidente da história a enfrentar um julgamento. Diante do juiz, ele declarou inocência e teve as impressões digitais coletadas. Em discurso na Flórida, à noite, alertou que o país caminha "rumo ao inferno"

Rodrigo Craveiro
postado em 05/04/2023 06:00
 (crédito: Ed Jones/AFP)
(crédito: Ed Jones/AFP)

Donald Trump, 76 anos, entrará para os livros de história não somente por insuflar os simpatizantes a invadirem o Capitólio, em 6 de janeiro de 2021. Ontem, ele tornou-se o primeiro ex-presidente dos Estados Unidos a virar réu. O magnata declarou-se "inocente" de 34 acusações pelo crime de falsificação de registros comerciais em primeiro grau. Cada delito é passível de uma pena de quatro anos de prisão, o que somaria 136 anos de cadeia. No entanto, por Trump ser réu primário e não ter antecedentes criminais, especialistas consideram improvável uma pena de restrição de liberdade. 

"Donald J. Trump falsificou, repetida e fraudulentamente, os registros comerciais de Nova York para esconder crimes que ocultaram informação prejudicial ao eleitor durante as eleições presidenciais de 2016", declarou o promotor Alvin Bragg, responsável pelo indiciamento, por meio de um comunicado. Ele afirmou que Trump conspirou para promover uma candidatura (à Casa Branca) por meios ilegais. 

Às 20h25 de ontem (21h25 em Brasília), depois de retornar ao resort privado em West Palm Beach, na Flórida, o agora réu Donald Trump foi recebido pelos simpatizantes como se estivesse em um evento de campanha, ao som da canção Proud to be american ("Orgulhoso por ser americano") e entre aplausos. Desafiador, o bilionário rompeu o silêncio e falou por 20 minutos. "O único crime que cometi foi o de defender destemidamente esta nação daqueles que buscam destruí-la", declarou. "Nunca pensei que isso pudesse acontecer na América." O ex-presidente também disse que os EUA caminham rumo ao inferno e atacou o governo de Joe Biden, ao criticar a gestão econômica e a criminalidade. Trump chamou o próprio indiciamento de "ridículo" e desqualificou a acusação. "Não há nada aqui", ironizou.

A adulteração dos documentos de que Trump é acusado decorreria de três casos de suborno supostamente ocorridos antes das eleições presidenciais de 2016. Trump teria pago US$ 130 mil (ou R$ 420 mil em valores da época) à ex-atriz pornô Stormy Daniels, com o objetivo de silenciá-la sobre uma relação extraconjugal. Ele também teria repassado US$ 30 mil (cerca de R$ 152 mil) a um antigo porteiro da Trump Tower, arranha-céu de sua propriedade, que o acusava de ter um filho fora do casamento. O terceiro caso diz respeito a uma mulher que embolsou US$ 150 mil de um jornal norte-americano para não divulgar que o magnata supostamente manteve relações sexuais com ela. A imprensa dos EUA aponta que trata-se de Karen McDougal, ex-coelhinha da revista Playboy. 

O republicano entrou pela porta lateral da Corte Penal de Manhattan por volta das 13h30 (14h30 em Brasília), quando ficou sob  custódia do tribunal, e teve as impressões digitais colhidas. A equipe de defesa, liderada pelo advogado Joe Tacopina, recebeu uma cópia da ficha. Trump não teve a clássica foto de réu tirada pela Justiça — procedimento comum para qualquer criminoso. Indagado pelo juiz Juan Merchan se compreendia os seus direitos e se declarava-se "inocente", Trump respondeu "sim" várias vezes. A próxima audiência está marcada para 4 de dezembro. O magistrado anunciou que o julgamento deve ocorrer em janeiro de 2024. 

Segundo o jornal The Washington Post, o magistrado fez um apelo ao ex-inquilino da Casa Branca: "Por favor, evite fazer declarações que provavelmente incitarão a violência ou distúrbios civis". Merchan liberou o réu sem impor qualquer condição. 

Historiador político da American University, em Nova York, Allan Lichtman disse ao Correio que a imagem de um Trump nervoso, enfrentando o indiciamento em Manhattan, não é algo bom para ele. "O impacto político pode não influenciar, neste momento, o eleitorado primário republicano, principalmente porque a maioria dos adversários pela indicação do partido choramingou aos pés de Trump e uniu-se a ele nos ataques a Bragg", comentou. A ofensiva republicana contra o promotor, chamado de "animal" por Trump, combinou racismo e antissemitismo. "Bragg foi acusado de ser marionete do bilionário judeu George Soros, com quem jamais falou."

Para Richard L. Hasen, professor de direito da Universidade da Califórnia (Ucla), os promotores não expuseram completamente o caso. "Veremos se o farão mais tarde, mas essa estratégia contra Trump parece arriscada", afirmou à reportagem. "Eu espero que haja muita discussão, no tribunal, sobre se os promotores têm uma teoria jurídica apropriada para acusar Trump de um crime. O tema pode significar que não haverá nenhum julgamento de Trump pelos próximos anos."

Por telefone, James Naylor Green, historiador político da Universidade Brown (em Rhode Island), admitiu ao Correio que os desdobramentos jurídicos de ontem mostraram a polarização política nos EUA, a 581 dias das eleições presidenciais. "Trump ainda tem o apoio de 80% da base republicana. Será muito interessante ver as reações dos políticos no Congresso sobre esse tema, mas acho que Trump conseguirá a indicação de seu partido como candidato à  Casa Branca", afirmou. Green acredita que o futuro político do magnata dependerá do comportamento da economia norte-americana. "Se ela avançar, o democrata Joe Biden poderá ser reeleito. Vejo uma eleição polarizada como a de 2020." Ele aposta que os advogados tentarão protelar o caso, com uma série de apelações. 

Charles Stewart III, professor de ciência política do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), reforça que a Corte Penal de Nova York emitiu uma mensagem de que ninguém está acima da lei. "Nos EUA, temos promotores independentes e, se eles têm evidências de que você cometeu um crime, há boas chances de que seja acusado. Sobre Trump, o que ocorreu ilustra sua insistência em agir à margem da lei, por acreditar que pode atuar com impunidade", comentou, por e-mail. "Qualquer outra pessoa nessa situação teria trabalhado com sua equipe jurídica para minimizar os danos legais. Talvez até entraria em um acordo judicial. Trump gosta da luta."

Circo

Do lado de fora da Corte de Manhattan, simpatizantes e opositores de Trump expuseram a forte divisão. Um batalhão de jornalistas posicionou-se na calçada, em frente ao prédio do tribunal. Advogada, skatista e candidata a vereadora, Marni Halasa, 56 anos, fez questão de protestar no local. "Eu decidi vir porque não estou certa sobre a substância real das acusações o sobre o que ocorrerá a Donald Trump. Os nova-iorquinos desejam que ele seja responsabilizado pelos crimes. Mas, muitas vezes, homens muito ricos, poderosos e com conexões políticas nunca vão para a prisão, quando deveriam", disse ao Correio, em entrevista pelo WhatsApp. Dona de um grupo teatral de protesto, Marni fantasiou-se de policial e levou um boneco de Trump algemado e preso a notas de dólares. "Foi uma tentativa de empurrar a energia na direção (da prisão de Trump)."

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15/06/2015. Crédito: Arquivo Pessoal. Mundo. Allan Lichtman, professor de ciência política da American University, em Washington.
15/06/2015. Crédito: Arquivo Pessoal. Mundo. Allan Lichtman, professor de ciência política da American University, em Washington. (foto: Arquivo pessoal)

"O indiciamento, e certamente uma condenação, caso ocorra, tornariam difícil para Trump vencer uma eleição geral e se expandir para além da própria base. Uma pesquisa recente da emissora CNN mostra que 60% dos entrevistados apoiaram o indiciamento, feito pelo promotor Alvin Bragg. Além disso, 70% acreditam que Trump cometeu um crime ou agiu de forma antiética. Os próximos desdobramentos em Nova York ocorrerão lentamente. Podemos esperar que Trump implemente sua tática usual de adiamento por todos os meios, inclusive com a apresentação de muitas moções."

Allan Lichtman, historiador político da American University, em Nova York

Crédito: Arquivo Pessoal. Charles Stewart III, professor de ciência política do Massachusetts Institute of Technology (MIT).
Crédito: Arquivo Pessoal. Charles Stewart III, professor de ciência política do Massachusetts Institute of Technology (MIT). (foto: ArquivoPessoal)

"Será um longo julgamento. Haverá um monte de procedimentos legais que manterão o caso sob o olhar da opinião pública. No entanto, haverá outros processos contra ele — certamente, na Geórgia (por interferência nas eleições) e, possivelmente, em Washington, por causa da posse de documentos secretos. Dependendo de quando ou se essas acusações forem arquivadas, a atenção pode mudar para esses julgamentos. É até possível que esses julgamentos possam se mover em um ritmo mais rápido. Não acho que a imagem de Trump será tão afetada. As opiniões sobre Trump são bastante fixas na política americana."

Charles Stewart III, professor de ciência política do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT)

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