Donald Trump jogou uma bomba na política dos Estados Unidos quase duas semanas atrás, quando previu sua prisão iminente. O pavio do explosivo acabou se provando mais longo do que o esperado, mas na noite de quinta-feira (30/03) ele foi detonado.
Trump é o primeiro ex-presidente dos EUA a enfrentar acusações criminais. Ele será o primeiro ex-presidente a ter suas impressões digitais coletadas e sua foto tirada, e será obrigado a se apresentar como réu perante um juiz.
Se o caso prosseguir como esperado, ele também será o primeiro presidente dos EUA a passar por um júri popular.
Os efeitos dessa bomba já estão se espalhando pelo cenário político.
Alguns aspectos são previsíveis e foram telegrafados com bastante antecedência. O ex-presidente, seus advogados e seus filhos dizem que as acusações — que ainda precisam ser detalhadas — são perseguição política e uma tentativa de atrapalhar a campanha de um candidato à presidência em 2024.
No comício político de Trump no Texas no último sábado (25/03), o ex-presidente já estava obcecado pela prisão que parecia iminente.
"Isso é realmente má conduta do promotor", disse Trump sobre o inquérito do promotor distrital da cidade de Nova York. "A inocência das pessoas não faz diferença para esses maníacos radicais de esquerda."
Republicanos fecham o cerco
Quando a notícia foi divulgada, outros membros do Partido Republicano fecharam o cerco em torno de seu ex-presidente.
Vários membros seniores da Câmara dos Representantes classificaram a acusação como "ultrajante" e prometeram uma investigação completa do Congresso.
O presidente da Câmara, Kevin McCarthy, disse que o promotor distrital de Nova York "prejudicou irreparavelmente" a nação em uma tentativa de interferir nas eleições presidenciais de 2024.
Mesmo alguns dos potenciais rivais de Trump para a indicação do Partido Republicano condenaram as acusações.
"Processar crimes graves mantém os americanos seguros, mas os processos políticos colocam o sistema legal americano em risco de ser visto como uma ferramenta para abuso", disse o ex-secretário de Estado de Trump, Mike Pompeo, em comunicado.
O governador da Flórida, Ron DeSantis, visto como o oponente em potencial mais forte de Trump, foi igualmente categórico em um post no Twitter, chamando a acusação de "antiamericana".
"O armamento do sistema jurídico para promover uma agenda política vira o estado de direito de cabeça para baixo", escreveu ele.
Ele afirmou ainda que a Flórida não ajudaria na extradição de Trump para Nova York para enfrentar as acusações, embora os advogados de Trump tenham dito anteriormente que ele iria ao tribunal de bom grado — algo que deve acontecer no início da próxima semana.
Um equilíbrio delicado para os rivais de Trump
Em algum momento, no entanto, os rivais de Trump terão que se virar contra ele. E um potencial pré-candidato menos conhecido já deu uma amostra do tom que deve ser adotado no futuro em seu comunicado à imprensa na noite de quinta-feira.
"É um dia sombrio para a América quando um ex-presidente é indiciado por acusações criminais", disse o ex-governador do Arkansas, Asa Hutchinson, sem classificar a acusação como injusta.
Donald Trump subiu nas pesquisas de aprovação dos republicanos recentemente, mas ainda há um sentimento de que seu drama pessoal é uma desvantagem que prejudicará sua candidatura.
Nesse caso, as acusações poderiam representar o primeiro golpe contra Trump — que foi visto por seus oponentes republicanos mais com tristeza do que com alegria.
Por sua vez, a campanha de Trump escolheu focar na polêmica, usando as manchetes de jornais e breaking news para angariar doações de apoiadores.
"Por favor, faça uma contribuição – de qualquer quantia – para defender nosso movimento da interminável caça às bruxas e CONQUISTAR a CASA BRANCA em 2024", dizia um e-mail de campanha que incluía o comunicado de imprensa de Trump sobre a acusação.
Ele prometeu que a acusação "sairia pela culatra" para o presidente Joe Biden e os democratas.
Biden em silêncio
Pelo menos até agora, a Casa Branca se manteve em silêncio sobre o caso — estratégia semelhante à utilizada durante o julgamento de impeachment de Trump no Senado em 2021, após o ataque de 6 de janeiro ao Capitólio dos EUA.
A visão deles, talvez, esteja alinhada com a velha citação de Napoleão sobre não interromper um inimigo quando ele está cometendo um erro.
Outros democratas, no entanto, foram menos reticentes.
"A base de nosso sistema jurídico é o princípio de que a Justiça se aplica a todos igualmente", disse o senador democrata Cory Booker em um comunicado. "Ninguém está acima da lei."
O secretário de imprensa do Comitê Nacional Democrata, em uma declaração mais partidária, tentou vincular Trump e seus problemas legais ao movimento "Make America Great Again" e ao Partido Republicano como um todo.
Os democratas e muitos analistas políticos atribuem o desempenho do partido nas eleições de meio de mandato do ano passado, que foi melhor do que o esperado, ao fato de os candidatos republicanos estarem muito associados a um ex-presidente que, embora ainda seja amado por republicanos, é odiado pela maioria dos americanos.
É esperado que os democratas empreguem mais uma vez uma estratégia de ataque semelhante.
O atual drama jurídico de Trump pode atingir seu auge e terminar bem antes da votação em 2024. As consequências políticas podem depender, em última instância, do resultado do processo — e se ele será seguido por outros.
No momento, no entanto, as estratégias partidárias da ataque de Trump foram claramente estabelecidas — assim como em quase todas as grandes questões de importância nacional nos EUA hoje.
Embora a noite de quinta-feira tenha sido marcada por um bombardeio, a guerra política de trincheiras parece destinada a continuar.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/articles/cd16zg7j3m1o