Os deputados franceses chegaram perto de derrubar o governo da primeira-ministra Élisabeth Borne e sua impopular reforma da Previdência nesta segunda-feira (20/3), em meio a protestos intensos contra sua polêmica adoção por decreto. O presidente Emmanuel Macron (liberal) conseguiu validar definitivamente seu projeto para endurecer o acesso a uma aposentadoria integral, mas o governo de sua primeira-ministra saiu enfraquecido desta disputa.
"Só faltaram nove votos para derrubar este governo e sua reforma, um governo que já está morto para os franceses e que já não tem nenhuma legitimidade", disse a deputada de esquerda radical Mathilde Panot.
A votação na Assembleia Nacional (Câmara baixa) foi mais apertada que o esperado. A moção apresentada pelo grupo independente LIOT recebeu 278 votos dos 287 necessários. Por outro lado, o texto apresentado pela extrema direita só conseguiu 94.
O fracasso das duas moções põe fim à saga parlamentar da reforma, que aumenta a idade de aposentadoria de 62 para 64 anos até 2030, e exige, a partir de 2027, contribuir por 43 anos, ao invés de 42, para receber uma aposentadoria integral.
Contudo, a oposição ainda não jogou a toalha e já anunciou que apresentará recursos ao Conselho Constitucional para frear sua aplicação e também impulsionar um referendo.
'As ruas vão fazer a diferença'
Os sindicatos também convocaram uma nova jornada de manifestações maciças para a próxima quinta-feira, enquanto a contestação se instala no país entre protestos espontâneos e greves em setores-chave.
Estradas bloqueadas, perturbações nos transportes, aeroporto invadido, milhares de toneladas de lixo nas ruas de Paris, falta de combustível no sudeste da França... Os grevistas multiplicaram as ações de protesto.
"As ruas vão fazer a diferença. Ao contrário do que pensa o poder, as ruas vão decidir no final", disse Odile Agrafeil, uma aposentada do setor bancário durante um protesto em Estrasburgo (nordeste) na noite desta segunda-feira.
Após a notícia do fracasso das duas moções de censura, os protestos contra a reforma foram retomados nas ruas de Paris e outras cidades. Nos últimos dias, as manifestações recrudesceram, com confrontos com a polícia, incêndio de lixeiras e vitrines quebradas.
O estopim desses protestos foi a decisão de Macron, na quinta-feira, de impor seu projeto sem o voto dos deputados, temendo uma derrota no Parlamento em um contexto de rejeição ao texto pelos sindicatos e por dois em cada três franceses, segundo as pesquisas.
Os sindicatos haviam advertido para uma radicalização dos protestos, fora de seu controle, se o governo não voltasse atrás, após as maiores manifestações contra uma reforma social em três décadas.
Borne, 'determinada a continuar'
Está em jogo para o presidente, cujo cargo não é afetado pela moção de censura, a possibilidade de aplicar o programa de seu segundo mandato até 2027. No domingo, através de seu entorno, ele garantiu que iria até o final com seu projeto de reforma.
Mas os observadores acreditavam que o governo alcançaria uma vitória de Pirro. A utilização do artigo 49.3 - que permitiu a aprovação da reforma por decreto - "vai dificultar a adoção de [outras] reformas no futuro", alertou a agência de classificação de risco Moody's, que não deixa de ser favorável a esse tipo de lei.
As atenções estão voltadas para o que vai ocorrer com sua primeira-ministra, que já disse hoje que está "determinada a continuar aportando as transformações necessárias" à França, em declaração à AFP.
Dezenove dos 61 deputados do grupo opositor de direita Os Republicanos (LR), com o qual o governo costuma contar para alcançar as maiorias necessárias para suas leis, votaram a favor da moção.
"É evidente que hoje o governo tem um problema de legitimidade e que o presidente não pode se tornar um espectador", disse à emissora BFMTV o político Aurélien Pradié, um dos líderes dessa oposição interna dentro dos Republicanos.
A líder de extrema direita Marine Le Pen, rival de Macron no segundo turno das eleições presidenciais de 2022 e cujo partido saiu fortalecido do conflito social nas pesquisas, também pediu a renúncia ou a saída de Borne.
Amanhã, o presidente deve se reunir com sua chefe de governo e vários ministros, antes de conversar com os líderes da Assembleia Nacional e do Senado e se dirigir aos parlamentares governistas.
Há pouco dias, Macron ameaçou dissolver a Assembleia Nacional em caso de um revés para sua reforma.
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