Presidente mais jovem da história do Chile, Gabriel Boric, 36 anos, completou, ontem, o primeiro ano de mandato contabilizando surpresas tanto positivas quanto desafiadoras para a continuidade do governo. O ex-líder estudantil e deputado da Frente Ampla derrotou o ultraconservador José Antônio Kast com margem larga no segundo turno, o que não amenizou as dúvidas quanto à sua capacidade de comandar o país. Doze meses depois, o esquerdista comemora melhorias na segurança e números econômicos animadores. Na última quarta-feira, porém, sofreu um forte revés no Congresso com a rejeição da reforma tributária, considerada um pilar do seu programa de governo.
A comemoração do primeiro ano de governo começou com uma reunião de gabinete, renovado parcialmente na véspera, e uma saudação a centenas de manifestantes que se aglomeravam do lado de fora do palácio presidencial — em outro acesso do prédio, havia um grupo menor de pessoas, convocadas por um coletivo de extrema-direita, que protestavam contra a gestão do presidente. Boric cumprimentou os apoiadores, tirou fotos, recebeu presentes e, no pronunciamento, fez questão de enfatizar que insistirá com a reforma tributária, que inclui novos impostos para as maiores fortunas e a mineração.
A intenção é arrecadar 3,6 pontos percentuais adicionais do PIB para financiar, entre outras mudanças, o aumento de 25% da aposentadoria básica universal. "O ano de 2022 não foi fácil (...) Porém, apesar disso, vejo brotos verdes. Temos todas as condições para avançar e colocar em prática as bases de um estado de bem-estar e garantir os direitos sociais", disse o presidente.
Logo após a derrota, Boric avisou que colocará todo o governo "para trabalhar e construir uma maioria que torne possível" a reforma tributária. O projeto foi rejeitado com os votos da oposição de direita. Acredita-se que a ausência na sala de três deputados de esquerda tenha impedido o governo de somar os votos suficientes para a aprovação. Dois dias depois, o presidente fez ajustes em sua equipe com foco, segundo ele, em melhorar a gestão e equilibrar as forças da coalizão de esquerda que o acompanha.
"O que me motiva a fazer essas mudanças (…) não são pressões políticas ou pequenas compensações, o objetivo destas alterações é a nossa capacidade de resposta e melhorar a gestão", declarou, na sexta-feira, o líder do Executivo. Houve renovação nos ministérios das Relações Exteriores, Obras Públicas, Cultura, Esportes e Ciências, além de mudanças em 15 subsecretarias. "É um ajuste, não é uma mudança estrutural. Avança na direção de construir novos equilíbrios na coalizão de governo", analisa Marcelo Mella, cientista político da Universidade de Santiago.
A nova composição mudou a hegemonia das mulheres no gabinete e agora há paridade: 12 ministras e 12 ministros. Antes havia 14 mulheres e 10 homens no gabinete ministerial. Favorecer o protagonismo femnino é uma das promessas de governo do esquedista (Leia mais nesta página). Boric optou por políticos mais experientes, diferentemente de jovens que integraram seu primeiro gabinete, pontua Mella. "O fator experiência é um elemento relevante para melhorar a gestão em cada uma das áreas do governo", analisa.
Núcleo duro
Seguem intactas a Comissão Política e a equipe econômica, que tem conseguido mostrar bons números em nível local . "Ao contrário do que se esperava, com Boric, a imperatividade do Estado foi recuperada. Isso é observado na gestão da economia. Ele estabeleceu uma disciplina fiscal que não se via havia 12 anos. Por isso, os resultados são muito positivos", diz o sociólogo e analista político Eugenio Tironi.
Outro acerto apontado por especialistas foi, apesar da resistência tradicional da esquerda, ter ordenado o envio das Forças Armadas, ao sul e ao norte do país, para enfrentar questões como migração irregular, criminalidade e ações violentas de grupos mapuches. A reação rápida à crise dos incêndios florestais no centro-sul do Chile, que consumiu 439 mil hectares e deixou 26 mortos, também agradou. Boric optou pela rápida declaração do estado de calamidade, pelo envio permanente dos ministros na área afetada, pela suspensão das próprias férias e foi às áreas atingidas.
Há dois pilares fundamentais no gabinete, mantidos na reforma do gabinete: Carolina Tohá, ministra do Interior, e Mario Marcel, titular da pasta da Fazenda. Ambos fazem parte de uma geração política mais antiga que a de Boric. Tohá entrou para o governo na primeira mudança ministerial, ocorrida após a rejeição ao projeto de uma Constituição para substituir a herdada da ditadura de Augusto Pinochet (1990-1973), projeto com o qual o governo havia concordado.