Lisboa — Tema que provoca enorme comoção em Portugal, a ponto de não ser tocado em muitas escolas, o passado escravocrata do país será retratado em um memorial a ser construído pela Prefeitura de Lisboa. O projeto foi aprovado em 2019, mas ainda depende de avaliação de várias áreas do poder público para sair do papel. A demora tem levantado dúvidas sobre o real comprometimento do atual prefeito, Carlos Moedas, do PSD, de centro-direita, de levar o empreendimento adiante.
“O projeto vai sair”, garante Moedas, que diz ser a favor do memorial. Mas, para ele, é importante deixar claro que, ao reconhecer a tragédia da escravidão, sobretudo nos tempos do Brasil colônia, não se deve limar personagens importantes da história portuguesa por envolvimento com o tráfico negreiro. “A única política que sou contra é a de cancelar aquilo que é a história, ou seja, a nossa história, que tem o bem e o mal. Não devemos cancelar, nem um nem outro. Portanto, sou totalmente a favor de se ter um memorial sobre a escravatura, mas também sou totalmente a favor de que nós não retiremos estátuas ou símbolos da nossa cidade que representam a nossa história, com os erros que foram cometidos”, afirma.
Para o prefeito, ao assumir os dois lados da história será possível corrigir o futuro. “Temos de olhar para o nosso passado com os olhos bem abertos. Eu posso contar aos meus filhos sobre os erros que cometemos, o que fizemos de mal, e o que fizemos de bem, mas não dizer que apagamos a história”, reforça. No entender dele, o discurso daqueles que têm pensamento mais radical, como os que pregam a retirada dos brasões da Praça do Império, que representam o período colonialista, não deve prevalecer.
“Há uma diferença entre um pensamento mais radical de esquerda e um pensamento mais centrista. E eu assumo isso como político. Quem tem esse pensamento mais radical tem de respeitar a minha visão, que não é nem de dizer não ao memorial da escravatura, nem também acabar com uma praça que sempre existiu, dizer que a praça agora vai ser mudada, vai ser arrancada, que se vai destruir. Não faz sentido”, ressalta o prefeito.
Risco do populismo
Segundo Moedas, não há má vontade, nem política contra o memorial da escravatura. “Não há absolutamente nada disso. Que isso fique bem claro. Também não há, do meu lado, uma política, muito adepta de uma certa extrema-esquerda, de anular a nossa história, com todos os erros que fizemos”, assinala. Ele lembra que, quando foi comissário da União Europeia, falou sobre a navegação portuguesa e o que foi o Infante Dom Henrique. “Me lembro de ter havido um ataque, diziam que não podíamos falar sobre esse tema. Isso é um erro histórico”, acredita.
O prefeito destaca que Lisboa estará aberta a várias iniciativas, de um lado e do outro, mantendo o que já existe, para aprender com o passado. Ela acrescenta que a demora para se tirar projetos do papel é natural no setor público, porque há um longo processo a ser seguido. “Precisamos de pareceres de vários serviços da Câmara Municipal. Esse é o curso normal. Mas há vontade política de fazer o que está combinado. É preciso lembrar que o processo democrático tem o seu tempo. Inaugurei ontem um centro de saúde que começou a ser construído em 2017”, conta.
Na avaliação de Moedas, os populistas gostam de dizer que acabariam com todos esses processos burocráticos, destruiriam estátuas e fariam um memorial de um dia para o outro. “É esse populismo, à esquerda e à direita, que reforça o radicalismo que hoje temos, pessoas que pensam que podem destruir as instituições”, enfatiza.
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