Sem rodeios, a China acusou, ontem, os Estados Unidos de alimentar as tensões entre as duas potências e alertou para o risco de um conflito e um confronto. Ao discursar durante as chamadas Duas Sessões, evento que reúne o Legislativo, em Pequim, o presidente Xi Jinping criticou a "repressão" ocidental contra o país, citando nominalmente os americanos como líderes do movimento. Horas depois, num tom ainda mais duro, o chefe da diplomacia chinesa, Qin Gang, falou sobre o possível "descarrilamento" das relações e defendeu a parceria com a Rússia.
"Países ocidentais liderados pelos Estados Unidos iniciaram uma política de contenção, cerco e repressão contra a China, que provocou severos desafios, sem precedentes, para o desenvolvimento do nosso país", declarou Xi, citado pela agência estatal de notícias Xinhua. Aos 69 anos, o presidente se prepara para iniciar o terceiro mandato presidencial consecutivo, que deve ser formalizado ao fim do evento.
Segundo a versão em inglês do discurso aos delegados da Conferência de Consulta Política do Povo Chinês (CCPPC), o líder chinês enfatizou que o país deve "ter a coragem de lutar ao enfrentar mudanças profundas e complexas no panorama local e internacional". Acrescentou ainda que desde 2018 surgiram obstáculos que ameaçam frear o avanço econômico chinês.
Pequim e Washington enfrentam inúmeras rivalidades nos últimos anos em diferentes setores, mas as relações alcançaram um nível maior de tensão no mês passado, quando, por ordem do presidente Joe Biden, os EUA derrubaram um balão chinês por suspeita de espionagem. O governo Xi nega a acusação, afirmando que o artefato tinha fins científicos.
O incidente do balão levou o secretário de Estado americano, Antony Blinken, a adiar uma visita diplomática a Pequim, onde pretendia abordar uma série de temas importantes.
Guerra
Funcionários de alto escalão do governo americano insistem que a China pode invadir Taiwan nos próximos anos, mencionando as manobras militares de Pequim ao redor da ilha de governo autônomo. A China considera Taiwan como parte de seu território e prometeu retomar o território. Pesam ainda questões como a soberania no Mar da China Meridional, o desequilíbrio na balança comercial ou o tratamento da minoria muçulmana uigure. Sem contar a aliança com a Rússia, vista como ameaçadora por Washington, sobretudo no que diz respeito à guerra contra a Ucrânia.
Em coletiva de imprensa, o chanceler Qin Gang, que foi embaixador em Washington, lamentou as recentes acusações de alguns países ocidentais — sem provas, segundo ele — de que a China pretende fornecer armas a Moscou. Ele acrescentou que Pequim não aceitará "nem as sanções nem as ameaças" dos Estados Unidos e de seus aliados.
A poucos dias, Pequim apresentou um documento de 12 pontos que classificou de solução política ao conflito. O texto pede o respeito à integridade territorial de todos os países e faz um apelo por diálogo. "(A China) Não está na origem nem faz parte da crise e não forneceu armas a nenhuma das partes", observou Qin, defendendo negociações. Ele assinalou que a relação com os russos não constitui uma "ameaça para nenhum país do mundo".
Em tom desafiador, o chefe da diplomacia chinesa advertiu que "se os Estados Unidos continuarem no caminho errado e não pararem, nenhuma barreira poderá impedir o descarrilamento" das relações entre as potências. E acrescentou que, se isso acontecer, "inevitavelmente haverá conflito e confronto". "Quem sofrerá as consequências catastróficas?", perguntou o ministro, à margem da sessão anual do Parlamento.
Qin Gang defendeu que as relações entre Pequim e Washington deveriam ser baseadas no "interesse comum e amizade, e não na política interna americana e essa espécie de neomacartismo histérico", em referência à caça às bruxas contra o comunismo da década de 1950 nos Estados Unidos.