Os soldados de uma base do Exército situada na área rural do município de El Carmen, no departamento (estado) de Norte de Santander (nordeste da Colômbia), vigiavam o oleoduto Caño Limón Coveñas, o mais importante do país, quando tudo ocorreu. Às 3h de ontem (5h em Brasília), guerrilheiros do Exército de Libertação Nacional (ELN) atacaram o contingente com explosivos. O maior atentado desde a posse do presidente Gustavo Petro, em 7 de agosto do ano passado, matou nove militares e feriu oito. Petro externou "repúdio total" ao ato. "Sete soldados que prestavam seu serviço militar e dois suboficiais, soldados da nação e do governo da mudança, assassinados por aqueles que hoje estão absolutamente afastados da paz e do povo", escreveu no Twitter.
Pouco depois, convocou os negociadores de paz com o ELN a "examinar" o "grave" ataque. "Convoquei para uma consulta a delegação do governo, países fiadores e acompanhantes. Um processo de paz deve ser sério e responsável com a sociedade colombiana", declarou. Danilo Rueda, conselheiro presidencial de paz, não descartou suspender as negociações com a guerrilha.
O ex-presidente Álvaro Uribe, conhecido por atuar com mão-de-ferro contra as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) — guerrilha desmobilizada em 2017 —, não poupou críticas a Petro e ao antecessor Juan Manuel Santos. "Como dói o assassinato dos soldados da Pátria. Dói-me que a Colômbia tenha abandonado a segurança, que a tenha substituído pela sinuosa vaidade do Nobel (Santos) ou pela pressão para 'desmarcar-se de Uribe'", ironizou, ao pedir a reestruturação da política de segurança.
Professor de ciência política da Pontificia Universidad Javeriana e da Universidade del Bosque (em Bogotá), Andrés Felipe Ortega Gómez afirmou ao Correio que o atentado em El Carmen pode colocar em xeque a política de negociações de paz. "Há um problema grave com o ELN. A guerrilha possui uma estrutura altamente descentralizada no campo militar. Ela opera de forma totalmente distinta, dependendo do lugar em que estiver. Isso se explica porque é tão difícil avançar nas conversas de paz com os rebeldes", disse. "A magnitude e as características do atentado o tornam o maior desafio para o governo Petro. O ataque mostrará até que ponto existe boa vontade das autoridades em avançar no diálogo."
Segundo Gómez, a estratégia de paz do governo Petro não é muito clara. "Tudo parece um pouco improvisado. As negociações buscam ver como as coisas avançam, com calma. Outro problema é que a política de paz não está ligada a uma política de segurança", observou o estudioso. "Não existe uma estratégia de governo que permita levantar quais são as linhas claras da iniciativa do Estado para combater os grupos criminosos, em um primeiro momento."
Por sua vez, Andrés Macías Tolosa — professor emérito da Universidad Externado de Colombia (em Bogotá) — admitiu à reportagem que o ataque de ontem põe em dúvida o desejo real de paz do ELN. No entanto, ele entende ser preciso levar em consideração outros elementos. "Por um lado, não existe uma cessação bilateral das hostilidades, que tenha sido formalizada e protocolizada por ambas as partes. Na prática, as negociações ocorrem no meio do conflito. Por outro lado, a estrutura do ELN não é piramidal, como se via nas Farc. É possível que um grupo do ELN, que não esteja totalmente de acordo com o processo de negociação, seja responsável pelo atentado."
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Equívoco
Tolosa aponta que o erro do governo Petro foi o de praticamente suspender, unilateralmente, as ações armadas contra o ELN, enquanto sentava-se à mesa de negociações. "Dialogar sem uma pressão militar sobre o ELN foi o principal equívoco", ponderou. Professor de governo na mesma universidade de Tolosa, Alejandro Bohorquez-Keeney lembrou que, em todo o processo de paz, células de grupos insurgentes não demonstram comprometimento com o cessar-fogo. "Ao contrário das Farc, que tinham origem camponesa, o ELN saiu das salas de aula, é uma guerrilha bastante ideológica e dogmática. Por isso, tem sido tão difícil negociar com ela, inclusive em momentos de fragilidade", explicou ao Correio.
Bohorquez-Keeney entende que o ELN não mostra a mesma força de outros grupos armados, como o Movimento 19 de Abril (M-19) ou as Farc, mas se revela recalcitrante. "Para o ELN, é tudo ou nada. Eles não estão muito convencidos de saírem derrotados e, por isso, resistem em assinar um acordo de paz quando veem uma chance de ganhar. A negociação será muito difícil", previu. O especialista acredita que, com o atentado de ontem, os guerrilheiros buscaram enviar uma mensagem ao governo de que o grupo segue de pé e é capaz de causar danos ao Estado. "É como se fosse um cão mostrando os dentes."
Por telefone, Camilo González Posso — presidente do Instituto de Estudios para el Desarrollo y la Paz (Indepaz, em Bogotá) e membro da Comissão Nacional de Garantias de Segurança para a Paz — avaliou que o ataque em El Carmen foi um protesto político do ELN. "Na mesa, falam em reconhecer que o governo Petro é de esquerda, dotado de uma política progressista, e prometem desescalar as ações militares. Enquanto isso, intensificam as hostilidades e os combates a unidades militares. Foi um crime atroz, uma emboscada, que criou um ambiente perverso e prejudicial à mesa de negociações", alertou ao Correio.
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"Este foi o atentado mais forte no período do atual governo. O ELN havia havia cometido um ataque à bomba, durante o governo anterior de Juan Manuel Santos, que deixou 23 mortos na Escola de Cadetes de Polícia General Santander, em Bogotá (em 17 de janeiro de 2019). O presidente Gustavo Petro tem, agora, o desafio de propora forma de conduzir a negociação. O governo tem adotado uma postura muito consequente, em termos de permitir que o ELN apresente várias condições para uma negociação."
Andrés Felipe Ortega Gómez,professor de ciência política da Pontificia Universidad Javeriana e da Universidade del Bosque (em Bogotá)
"Mesmo que as negociações de paz não sejam interrompidas, o atentado deveria levar o governo a reconsiderar a necessidade de retormar as ações armadas contra o ELN. Para sentar e negociar, é preciso que haja um maior nível de pressão militar por parte do governo. Isso tem faltado ao processo de negociação. A guerrilha ELN sempre tem cometido vários ataques e intervenções constantes, como sequestros e ações armadas. Neste momento, não existe a cessação formal das hostilidades."
Andrés Macías Tolosa, professor da Universidad Externado de Colombia (em Bogotá)
"A irresponsabilidade do ELN colocapressão ao governo de Petro, que trabalha por uma solução política negociada e pretende chegar a acordos, além de fazer transformações. Com esse ambiente, o ELN obriga as autoridades a repensarem sua agenda e a colocar, como primeiro ponto, o fim das hostilidades e dos ataques à população civil. Este é um momento crítico, principalmente pela perda de credibilidade, que pode afetar um acordo de paz neste momento. Creio que a crise será superada. Mas, de crise em crise, podemos chegar a um enorme tropeço."