A vida no kibbutz brasileiro

Correio Braziliense
postado em 27/03/2023 06:00
 (crédito: Rodrigo Craveiro/Especial CB/D.A PRESS)
(crédito: Rodrigo Craveiro/Especial CB/D.A PRESS)

A apenas 7,5km da fronteira com a Faixa de Gaza e a 9km da cidade de Sderot, o "kibbutz mais brasileiro do mundo" concentra 950 habitantes — 60% deles são brasileiros, filhos ou netos. Em meio a muita vegetação, os moradores de casas simples de Bror Hayil têm playground para as crianças, centro de convivência para os idosos, sinagoga, enfermaria, academia, além do Barbosa — um restaurante batizado em homenagem ao compositor paulista Adoniran Barbosa. Um pequeno museu cultiva a memória de Oswaldo Aranha, diplomata gaúcho que teve papel fundamental na criação do Estado de Israel, em 1948.

A 100m dali, um monumento a Adoniran: um vagão pintado de verde e amarelo, carinhosamente chamado de "Trem das Onze", referência a um de seus maiores sucessos. Para os 70 mil habitantes de cidades e de dezenas de kibbutzim ao longo do "envelope de Gaza, incluindo os de Bror Hayil, a vida em 95% do tempo é quase um paraíso. Segundo eles, os 5% restantes são um inferno.

Gerente do Restaurante Barbosa, Eti Abutbul nasceu em Bror Hayil e tem parentes no Brasil. "Gosto da vida no kibbutz, onde se diz que 'Deus é brasileiro'. Mas tem os foguetes... Meus filhos estudam perto de Sderot e sofrem mais. Estou dura como pedra, não tenho medo", disse à reportagem. "Um dia, a paz sairá. As pessoas que jogam foguetes para cá sabem que há mães dos dois lados. Nenhuma mãe quer que o seu filho morra." 

Diretor de vendas de uma empresa na área de high-tech, Yanai Gilboa-Glebocki, 58, é filho de Bror Hayil e tem pais brasileiros. "Nos últimos 22 anos, vivemos uma realidade em que, às vezes, em intervalo de meses, temos disparos de foguetes de Gaza para Israel. Não é fácil, mas, desde 2009, o Exército conta com o sistema 'Domo de Ferro', que intercepta a maioria desses projéteis", afirmou ao Correio.

Ele citou o acionamento das sirenes antiaéreas durante a madrugada como uma experiência "muito difícil". "Temos crianças e adultos que sofrem de transtorno do estresse pós-traumático." Quando há um disparo de foguete, os moradores de Bror Hayil e de kibbutzim próximos têm 15 segundos para buscar abrigo. Algumas casas possuem um quarto reforçado, que serve de esconderijo. Yanai frisou que os vizinhos do outro lado da fronteira "sofrem muito mais". "O Exército de Israel é mais forte. Um dia, vamos precisar que eles invistam em educação, e não em mísseis."

Complexidade

Ofir Libstein, prefeito do Conselho Regional de Sha'ar HaNegev, região vizinha ao enclave palestino, é responsável por 9,3 mil moradores de 12 comunidades do "envelope". "Algumas estão a menos de 1km de Gaza e, por isso, têm enfrentado uma realidade de segurança complexa ao longo das duas últimas décadas", contou ao Correio.

Há ocasiões em que os lançamentos de foguetes evoluem para dias de intensos combates e operações militares. "Túneis do terror, balões incendiários e tumultos ao longo da fronteira são a rotina de nossos cidadãos, a qual vem de mãos dadas com múltiplos custos e desafios, como o bem-estar mental e físico da comunidade, a economia e o desenvolvimento", acrescentou o prefeito, que vive no kibbutz de Kfar-Aza, 17km ao sul de Bror Hayil e a 2km da Faixa de Gaza.

Na ânsia de criar um futuro para suas crianças, Libstein e colegas fundaram a Unidade de Desenvolvimento Econômico Israel-Gaza para Cooperação Transfronteiriça. Ela dirige programas que constroem conexões entre as pessoas. "Um deles é o 'Bridging'. Uma vez por mês, 25 jovens de Gaza são convidados a visitar e passar um dia em nossa região, onde se encontram com moradores de Sha'ar HaNegev." Libstein propôs um exercício: "Imagine dois grupos se reunindo pela primeira vez, cada qual tendo crescido com uma narrativa separada do outro, com temas de profunda desconfiança e dor".

Por meio de diálogos e experiências, os moradores de Gaza veem que têm mais em comum com os judeus dos kibbutzim do que imaginavam. "Plantamos sementes da coexistência de um futuro melhor", disse Libstein. 

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    O "Trem das Onze", monumento em homenagem a Adoniran Barbosa Foto: Rodrigo Craveiro/Especial CB/D.A Press
  •  Eti Abutbul, gerente do Restaurante Barbosa, no kibbutz de Bror Hayil
    Eti Abutbul, gerente do Restaurante Barbosa, no kibbutz de Bror Hayil Foto: Rodrigo Craveiro/Especial CB/D.A Press
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