Quase todos os dias, o ugandense Steven Kabuye, 25 anos, recebe ameaças de morte por meio da internet. Muitas vezes, elas partem de familiares e de amigos. "Por telefone, um colega avisou que me cortaria em pedaços assim que me visse. Sou abertamente gay e isso me tornará um criminoso no momento em que a lei for sancionada pelo presidente Yoweri Museveni", desabafou ao Correio. Ser LGBTQIA em Uganda poderá, em breve, custar a liberdade por toda a vida e, em alguns casos, ser punido com a morte. O Parlamento do país aprovou, por unanimidade, a Lei Anti-Homossexualidade.
De acordo com o texto, qualquer pessoa que se envolver em "atos" homossexuais poderá ser condenada a 20 anos de prisão. Quem for flagado mantendo relações sexuais com pessoas do mesmo gênero está sujeito à pena perpétua. O projeto de lei também prevê pena de morte para cidadãos acusados de "homossexualidade agravada" — relações homossexuais com menores de 18 anos ou quando o autor é portador do HIV, o vírus causador da Aids. Até mesmo crianças poderão ser punidas com três anos de detenção se condenadas. A simples identificação com a sigla LGBTQIA passa a ser criminalizada.
"A lei diz respeito a gays, lésbicas, transgêneros e queers (pessoas que transitam entre os gêneros). Qualquer ugandense flagrado mantendo relações sexuais com pessoas do mesmo gênero estará sujeito à prisão perpétua", comentou Kabuye. Jornais, revistas e emissoras de televisão que promoverem ou exibirem conteúdo considerado gay correm o risco de serem fechados — e os jornalistas condenados a 20 anos de cadeia.
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Proteção à moral
Anita Annet Among, presidente do Parlamento, afirmou que o projeto de lei "protege" a moral da nação. "Esta Câmara não hesitará em restringir qualquer direito na medida em que reconheça, proteja e salvaguarde a soberania deste país e sua moral", disse Among.
Ao discursar na tribuna, Ecweru Musa Francis, ministro do Trabalho e do Transporte, chamou os defensores da causa LGBTQIA de "pessoas más". "Para qualquer um que seja razoável dizer que isso (homossexualidade) está bem, e que é um direito destruir o ânus alheio... Essa pessoa é má", declarou. A ONU e os Estados Unidos apelaram a Museveni que vete o texto. A Casa Branca alertou para o risco de "repercussões econômicas".
Ativista LGBTQIA , Ronald Agaba, 26, considerou o texto como "uma declaração de genocídio, baseada em acusações falsas de recrutamento e promoção, além de apego a crenças religiosas para nos fazer desaparecer de Uganda", disse ao Correio. "É bárbaro e desumano."
De acordo com Agaba, homossexuais são vistos como "ameaça à família e à procriação". "Temos passado por uma onda de ódio severo, que levou ao fechamento de organizações, acusadas de recrutamento de crianças em escolas para a homossexualidade. Pastores e bispos usam a Bíblia para nos considerarem inadequados. Estou com medo."
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Vozes LGBTQIA+
"Não posso falar do futuro, porque está em jogo a vida livre de um homem gay em Uganda. Imagino um genocídio patrocinado pelo Estado, um ambiente mais hostil, a ponto de não podermos alugar uma casa. Vejo falta de moradia para pessoas LGBTQIA+, negação de cuidados médicos e de oportunidades de emprego, altas taxas de suicídio. Naqueles que escolherem viver, prevejo índices elevados de transtornos mentais entre homossexuais devido ao trauma, à depressão."
Ronald Agaba, 26 anos, ativista LGBTQIA+, desempregado, morador de Kampala
"Depois de aprovarem a lei, a presidente do Parlamento disse que eles fizeram isso pela segurança das crianças de Uganda e pelo bem da cultura africana. O presidente do país, Yoweri Museveni, chamou a homossexualidade de não natural e de uma depravação. Acredito que há 95% de chances de ele sancionar essa lei. Apenas dois parlamentares ugandeses se opuseram ao texto. Essa lei criminalizará qualquer local que apoiar ou difundir a causa LGBTQIA+."