Dirigindo à noite pela cidade duramente atacada, o presidente russo Vladimir Putin fez sua primeira visita a Mariupol – devastada quando as forças russas cercaram a cidade no início da guerra.
A BBC traçou parte da rota que ele seguiu, que passou perto de vários locais em que ocorreram ataques notórios por parte de seu exército por meses. A Rússia conquistou a cidade em maio passado.
Vídeos divulgados pela mídia russa mostram Putin conversando com um companheiro enquanto se dirige ao auditório da cidade. O Kremlin disse que a visita ocorreu no sábado e que o presidente russo decidiu "espontaneamente" fazer um passeio pela cidade.
O prefeito ucraniano de Mariupol, Vadym Boychenko, que está em exílio, disse à BBC que a cidade representa algo "pessoal" para o Putin por causa do que aconteceu lá.
"Temos que entender que Mariupol é um lugar simbólico para Putin, por causa da fúria que ele infligiu à cidade de Mariupol. Nenhuma outra cidade foi destruída como essa. Nenhuma outra cidade ficou sitiada por tanto tempo. Nenhuma outra cidade foi submetida a tantos bombardeios", disse ele.
"Ele veio pessoalmente ver o que ele fez", acrescentou.
Dirigindo pelo cenário dos ataques russos
A BBC identificou alguns dos pontos marcantes ao longo da rota do líder russo. Putin parece estar dirigindo pela rua Kuprina, virando na avenida Mir Prospekt e depois na avenida Metalurhiv, onde fica o Auditório Filarmônico, que as imagens mostram que ele visitou mais tarde.
Ele está sentado ao lado de um homem com um boné preto, que a mídia russa identifica como o vice-primeiro-ministro russo Marat Khusnullin.
À esquerda deles, enquanto dirigem pela avenida Mir Prospekt, há esculturas de pássaros na Praça da Liberdade de Mariupol.
Mais adiante, à direita e não mostrado nas imagens, está o Hospital Maternidade Número Três de Mariupol, que foi bombardeado em um ataque intenso em março do ano passado.
As fotos de Mariana Vishegirskaya, grávida de nove meses, com o rosto ensanguentado, descendo escadas cheias de destroços, foram amplamente compartilhadas em meio à indignação pelo ataque. Ela sobreviveu e deu à luz no dia seguinte. Entre as vítimas do ataque estava também outra mulher grávida.
O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky chamou o ataque de crime de guerra, mas a embaixada da Rússia em Londres afirmou que o hospital já não estava em uso e estava sendo usado pelos membros do Batalhão Azov – grupo paramilitar nacionalista de extrema direita na Ucrânia criado em 2014 e que foi incorporado à Guarda Nacional da Ucrânia.
Na sua visita a Mariupol, Putin virou na Mir Prospekt pouco antes da rua chegar à Praça do Teatro – cenário de um bombardeio mortal que se estima ter matado pelo menos 300 e possivelmente até 600 civis.
Civis usavam o prédio como refúgio do cerco e uma grande placa com a palavra "crianças" havia sido pintada em russo na frente do teatro. O prédio desabou quando foi atingido. Uma investigação posterior da agência de notícias Associated Press afirmou que até 600 pessoas morreram. A Rússia negou ter bombardeado o teatro e culpou o Batalhão Azov. Em dezembro, autoridades da cidade ucraniana em exílio disseram que a Rússia estava demolindo as ruínas do teatro.
A Rússia "entendeu onde havia uma concentração de pessoas e destruiu deliberadamente esses lugares, matando pessoas. Eles trabalharam nisso sistematicamente", disse Boychenko.
Construção da Rússia em Mariupol
As imagens da visita de Putin mostram o presidente russo fazendo um passeio a pé em uma nova instalação residencial, que diz estar no distrito de Nevsky, em Mariupol.
Ele é guiado por Khusnulli, que lhe mostra alguns planos de reconstrução. Ele também é visto conversando com pessoas que, segundo a mídia russa, são moradores locais, e visita um apartamento que dizem a ele que são compostos por três quartos.
Nevsky é um novo distrito composto por uma dúzia de blocos de apartamentos no oeste da cidade. É nomeado em homenagem ao Rio Neva, no qual São Petersburgo, a cidade natal do presidente Putin, está situada.
O prefeito Boychenko disse que muitos dos edifícios construídos pelos russos estão na periferia da cidade.
"Eles construíram isso apenas para provar que a versão deles do que está acontecendo lá é verdadeira. Mas eles mentem! Eles mentem que vieram para libertar a cidade. Eles a destruíram. Essa cidade não existe mais. E levará 20 anos para ser restaurada!", disse ele.
Moradores de Mariupol disseram à BBC que novos prédios estão sendo construídos e alguns daqueles danificados pelo exército russo estão sendo removidos. A ONU estima que 90% dos prédios residenciais foram danificados ou destruídos no ataque russo.
O jornalista norueguês Morten Risberg, que visitou Mariupol em dezembro, disse ter visto "reconstrução e restauração em grande escala" em meio à "destruição em todos os lugares que se olhava".
"Eles estão mudando os nomes das ruas, pintando com cores russas por cima das cores ucranianas e colocando bandeiras russas por toda parte", disse à BBC. A maioria dos civis restantes na cidade estava "apenas focada em sobreviver", disse ele.
Caminhando pelo salão de concertos da Filarmônica
Em outra parte das imagens, o presidente Putin é visto caminhando pelo interior de um salão de concertos em Mariupol. A mídia estatal russa disse que era o Salão de Concertos da Filarmônica – e a BBC verificou que as imagens correspondem ao interior do local.
Este é o mesmo prédio que a ONU alertou que seria usado para julgar tropas ucranianas que resistiram às forças russas por meses na gigantesca usina de ferro e aço Azovstal em Mariupol. A Rússia finalmente obteve controle total de Mariupol em maio, depois que os defensores se renderam.
Imagens postadas nas redes sociais em agosto passado – inclusive por autoridades ucranianas – pareciam mostrar gaiolas de metal sendo construídas no palco. De acordo com a ONU, processar prisioneiros de guerra (POWs) por participarem de hostilidades é um crime de guerra.
Mas os julgamentos nunca aconteceram, já que os POWs mais tarde fizeram parte de uma troca de prisioneiros por 55 prisioneiros da Ucrânia, incluindo o ex-deputado pró-Kremlin Viktor Medvedchuk.
As últimas imagens do interior do salão de concertos mostram que as gaiolas foram removidas e o interior do prédio passou por nova decoração.
Durante o cerco, o salão de concertos, assim como o teatro de drama, foi usado por civis como abrigo. As instituições culturais eram "onde as pessoas se escondiam em porões e esperavam pelo fim do terror russo", disse Boychenko.
Antes da invasão, ele havia sido o local do festival Mariupol Classic para música clássica. Segundo Boychenko, o festival era uma "grande celebração da música clássica para o povo de Mariupol" que atraía artistas do exterior e de outras partes da Ucrânia.
"Muitas pessoas sempre se reuniam nesse festival para sentir o clima que sempre prevalecia em Mariupol", disse ele.
Em uma imagem posterior, o presidente Putin é visto visitando um memorial da Segunda Guerra Mundial chamado Memorial da Libertação.
Com informações adicionais do repórter Benedict Garman.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/articles/c2xeg5gjngro
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