Oriente Médio

Conheça túnel feito pelo Hezbollah para atacar Israel; veja vídeo

Em sua fronteira ao norte, Israel enfrenta a ameaça do grupo paramilitar xiita libanês e de milícias controladas pelo Irã. Galerias subterrâneas e armamentos escondidos em vilarejos agravam a tensão na Alta Galileia e nas Colinas de Golã

Rodrigo Craveiro - Enviado especial (*)
postado em 19/03/2023 06:00
 (crédito: Rodrigo Craveiro/Especial/D.A Press)
(crédito: Rodrigo Craveiro/Especial/D.A Press)

Tel Aviv — Focalizo os arbustos à minha frente, do outro lado do muro que separa o Líbano de Israel. Com um zoom de 50 vezes na lente da Canon Sx50HS, fotografo o homem de suéter verde, boné e calça bege clara. Ele também segura uma câmera e dispara cliques em direção à nossa comitiva, formada por 11 jornalistas brasileiros. O soldado do Hezbollah — movimento político e armado xiita que exerce forte influência no governo de Beirute — está em território libanês, a uns 500m do túnel Shtula, perto do moshav de Zar'it.

Em 2013, o grupo começou a escavar a galeria subterrânea de 70m de profundidade a partir do assoalho de uma casa, no vilarejo de Ramiya, a cerca de 1km, no lado da fronteira do Líbano. Quando os militantes do Hezbollah estavam prestes a finalizar a obra, seis anos depois, Israel detectou a construção e bloqueou a passagem. O Correio fez parte de uma delegação de jornalistas brasileiros a entrar no túnel, pouco antes do flagrante. Veja o vídeo do local:

Avançamos até uma profundidade de 45m — equivalente a um prédio de 14 andares —, guiados pelo general de brigada da reserva Alon Friedman, que integra as Forças de Defesa de Israel (IDF) desde 1982 e a unidade de elite Brigada Golani. O túnel foi construído em meio às montanhas, em um terreno rochoso. "Tudo foi feito com as mãos. O principal desafio para nós, militares israelenses, foi identificar onde o Hezbollah estava escavando", comentou Friedman.

À medida que descemos pelas escadarias de pedra esculpidas pela milícia xiita, vemos as marcas dos perfuradores, fabricados com a própria rocha, deixadas nas paredes do túnel Shtula. Com a ajuda de água e eletricidade, o Hezbollah conseguiu remover as toneladas de pedras.

À esquerda, um duto se estende desde a superfície, por onde o oxigênio flui, até o interior, e divide espaço com a fiação elétrica. No ponto em que chegamos, a 45m da superfície, o Hezbollah construiu uma base operacional. Em um painel acoplado à parede, os militantes instalaram um telefone e um relógio de energia padrão obsoleto. Dali em diante, o caminho foi interrompido pelas IDF.

Seis túneis estão espalhados pelo norte do Estado judeu, na Alta Galileia. "Nós os identificamos e usamos explosivos para bloquear a passagem neles. O Hezbollah cavou esses túneis para permitir que unidades de comando se movessem das áreas próximas, dentro do Líbano, principalmente a partir de casas construídas perto da fronteira. Por meio dessas passagens no subsolo, os militantes conseguem atingir áreas estratégicas dentro de Israel, como vilarejos ou regiões repletas de mísseis antitanque", explicou Alon Friedman.

  • Colinas do Golã, na fronteira entre Israel e Síria Rodrigo Craveiro/Especial/D.A Press
  • A 40m de profundidade, os extremistas instalaram telefones para contato com a superfície Rodrigo Craveiro/Especial/D.A Press
  • O túnel Shtula é o maior entre os seis descobertos por Israel na fronteira norte: com 70m de profundidade, possui dutos de oxigênio e cabos de eletricidade Fotos: Rodrigo Craveiro/Especial CB/D.A Press
  • Militante do Hezbollah fotografa jornalistas do Brasil a partir do Líbano Rodrigo Craveiro/Especial/D.A Press

Segundo o militar, o túnel é usado como elemento surpresa: através dele, homens do Hezbollah teoricamente poderiam sequestrar israelenses e retornar rapidamente para o Líbano. "O projeto de construção dessas galerias era altamente confidencial. Poucas pessoas, que trabalharam nas obras, e o alto comando do grupo sabiam da existência deles", disse o general. Israel estima que entre 20 e 50 militantes atuaram na escavação de cada túnel. Em 2017, a inteligência militar israelense desenvolveu uma tecnologia secreta, empregada pela primeira vez na Faixa de Gaza para identificar túneis abertos pelo movimento islâmico Hamas. O equipamento permitiu às IDF detectar as passagens subterrâneas também na fronteira com o Líbano. 

Prontidão

A Alta Galileia e as Colinas de Golã, no extremo norte de Israel, são regiões marcadas pela tensão e por conflitos sangrentos. Na última segunda-feira, as IDF mataram um homem que usava um cinturão-bomba em um posto de controle, no cruzamento de Megiddo (a 35km de Haifa). Quatro dias depois, o Exército israelense encontrou um drone que teria partido do Líbano e prendeu dois suspeitos de contrabandear cinco pistolas perto do kibbutz Neve Or.

Em 1967, a Guerra dos Seis Dias levou à captura do Golã por Israel, envolveu uma coalizão de países árabes (Egito, Jordânia, Síria, Líbano e Arábia Saudita) contra o Estado judeu  e terminou com mais de 20 mil mortos. Seis anos depois, na Guerra do Yom Kippur, Israel expandiu o controle do Golã. Em 2006, Israel e Hezbollah travaram uma guerra sangrenta, que matou pelo menos 121 soldados israelenses e 250 militantes do grupo xiita. 

A partir do mirante sobre a Montanha Har Addir, na Alta Galileia, tem-se uma ampla visão dos vilarejos nos lados libanês e israelense da fronteira. Segundo Alon Friedman, a paisagem idílica e de tirar o fôlego esconde um arsenal de 200 mil mísseis e foguetes Katyusha prontos para serem usados pelo Hezbollah contra Israel.

"Esses armamentos podem ser lançados apenas com a decisão de apertar o botão. Dois terços deles atingiriam a cidade costeira de Haifa. Cerca de 20% têm a capacidade de acertar alvos em Tel Aviv, e 10% podem chegar a Beersheva (sul) e à região de Gaza. Eu diria que 90% do território urbano de Israel está coberto por mísseis do Hezbollah e do Irã. Além disso, centenas de mísseis antitanques podem ser usados contra o nosso exército", explicou o general de brigada. "Praticamente cada casa dos vilarejos vistos daqui é um posto de observação, um centro de comando, um paiol de armas do Hezbollah ou um ponto de preparação para a próxima guerra."

Gerente de uma ONG que promove a indústria em Israel, Shaham Tamir, 52 anos, morou por toda a vida em Hilla, um pequeno vilarejo situado perto da cidade de Maalot, a 7km da fronteira. "A situação nesta região sempre foi tensa. Desde que a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) disparou mísseis contra nós, no fim da década de 1960. Depois, veio o Hezbollah. Nós buscamos ter uma vida normal. Há turismo aqui, assim como indústrias e agricultura. Sabemos que o Hezbollah quer nos causar mal de várias formas. Mas, nós confiamos nas IDF para nos proteger", disse ao Correio. 

De acordo com Tamir, a maior parte das casas da Alta Galileia possui telhados com proteção contra mísseis. "Agricultores de áreas ao lado da fronteira veem os militantes do Hezbollah disfarçados de civis, de tempos em tempos. Eles observam tudo e provocam os israelenses com as bandeiras do grupo", relatou. O morador de Hilla reforça que Israel é "um país forte". "Somos a única democracia no Oriente Médio. Partilhamos os valores do mundo ocidental. Os nossos inimigos querem que sintamos medo e que abandonemos a terra dos nossos patriarcas. Mas esse é o lugar para onde vieram os judeus, de volta à nossa pátria. Ninguém nos fará sair daqui", assegurou Tamir.

Medo 

Na aldeia libanesa de Ayta ash Shab, a 1km da fronteira com Israel, perto da Alta Galileia, Abdullah (ele não quis ter o sobrenome divulgado) afirmou à reportagem que não teme nova guerra. "O Hezbollah é o único que nos protege. Eles são bons para nós", disse o refugiado sírio. "Não tenho medo, sei que estamos certos. Israel é um mal." A resolução 1701 da ONU, de 2006, estabeleceu o cessar-fogo entre Israel e Hezbollah. Quinze mil soldados da Força Interna das Nações Unidas no Líbano (Unifil) foram deslocados para a fronteira sul libanesa. 

A 60km de Har Addir, o Correio visitou o Monte Bental, nas Colinas de Golã, de onde se vê a fronteira com a Síria, além de tanques de Israel. Segundo Alon Friedman, o Irã mantém controle total sobre o Hezbollah, e milícias iranianas operam na região. "Um conflito, neste momento, iria contrariar a agenda de Teerã. O Irã tem fornecido mísseis para o Hezbollah, a fim de cobrir o território de Israel." Os militantes libaneses lançam mão de drones capazes de invadir Israel em até 15km e despejar bombas. Os israelenses da Alta Galileia e de Golã, e civis do Líbano e da Síria vivem à espera do primeiro disparo.

*O repórter viajou a convite da Embaixada de Israel 

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Duas perguntas para...

 (crédito:  Rodrigo Craveiro/Especial/DA Press)
crédito: Rodrigo Craveiro/Especial/DA Press

"A tensão é muito alta na fronteira norte de Israel. As capacidades militares do Hezbollah são bastante perigosas. Além da habilidade de lançar 200 mísseis diários, o grupo mantém cerca de 8 mil soldados na região. A questão é saber se eles têm o desejo de atacar agora. Além do Hezbollah, no Líbano, temos milícias xiitas e o próprio Hezbollah, na Síria, além da Arábia Saudita, ao sul, que mantém conexão com o Hamas. Acima de todos, o Irã, um Estado nuclear, que funciona como um guarda-chuva para nossos inimigos operarem. Qualquer erro de cálculo pode ocorrer a qualquer momento."

Alon Friedman, general de brigada da reserva das Forças de Defesa de Israel (IDF)

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