Portugal

"Lisboa terá memorial da escravatura, mas não cancelará seu passado", diz prefeito

Demora para a construção do empreendimento que retratará o pior do período colonialista de Portugal faz parte do processo democrático, segundo Carlos Moedas. Ele afirma que manterá todas as obras que retratam personagens ligados ao tráfico negreiro para se aprender com a história

Vicente Nunes - Correspondente
postado em 09/03/2023 20:23
 (crédito: Reprodução/Lisboa oficial )
(crédito: Reprodução/Lisboa oficial )

Lisboa — Tema que provoca enorme comoção em Portugal, a ponto de não ser tocado em muitas escolas, o passado escravocrata do país será retratado em um memorial a ser construído pela Prefeitura de Lisboa. O projeto foi aprovado em 2019, mas ainda depende de avaliação de várias áreas do poder público para sair do papel. A demora tem levantado dúvidas sobre o real comprometimento do atual prefeito, Carlos Moedas, do PSD, de centro-direita, de levar o empreendimento adiante.


“O projeto vai sair”, garante Moedas, que diz ser a favor do memorial. Mas, para ele, é importante deixar claro que, ao reconhecer a tragédia da escravidão, sobretudo nos tempos do Brasil colônia, não se deve limar personagens importantes da história portuguesa por envolvimento com o tráfico negreiro. “A única política que sou contra é a de cancelar aquilo que é a história, ou seja, a nossa história, que tem o bem e o mal. Não devemos cancelar, nem um nem outro. Portanto, sou totalmente a favor de se ter um memorial sobre a escravatura, mas também sou totalmente a favor de que nós não retiremos estátuas ou símbolos da nossa cidade que representam a nossa história, com os erros que foram cometidos”, afirma.


Para o prefeito, ao assumir os dois lados da história será possível corrigir o futuro. “Temos de olhar para o nosso passado com os olhos bem abertos. Eu posso contar aos meus filhos sobre os erros que cometemos, o que fizemos de mal, e o que fizemos de bem, mas não dizer que apagamos a história”, reforça. No entender dele, o discurso daqueles que têm pensamento mais radical, como os que pregam a retirada dos brasões da Praça do Império, que representam o período colonialista, não deve prevalecer.


“Há uma diferença entre um pensamento mais radical de esquerda e um pensamento mais centrista. E eu assumo isso como político. Quem tem esse pensamento mais radical tem de respeitar a minha visão, que não é nem de dizer não ao memorial da escravatura, nem também acabar com uma praça que sempre existiu, dizer que a praça agora vai ser mudada, vai ser arrancada, que se vai destruir. Não faz sentido”, ressalta o prefeito.

Risco do populismo

Segundo Moedas, não há má vontade, nem política contra o memorial da escravatura. “Não há absolutamente nada disso. Que isso fique bem claro. Também não há, do meu lado, uma política, muito adepta de uma certa extrema-esquerda, de anular a nossa história, com todos os erros que fizemos”, assinala. Ele lembra que, quando foi comissário da União Europeia, falou sobre a navegação portuguesa e o que foi o Infante Dom Henrique. “Me lembro de ter havido um ataque, diziam que não podíamos falar sobre esse tema. Isso é um erro histórico”, acredita.


O prefeito destaca que Lisboa estará aberta a várias iniciativas, de um lado e do outro, mantendo o que já existe, para aprender com o passado. Ela acrescenta que a demora para se tirar projetos do papel é natural no setor público, porque há um longo processo a ser seguido. “Precisamos de pareceres de vários serviços da Câmara Municipal. Esse é o curso normal. Mas há vontade política de fazer o que está combinado. É preciso lembrar que o processo democrático tem o seu tempo. Inaugurei ontem um centro de saúde que começou a ser construído em 2017”, conta.


Na avaliação de Moedas, os populistas gostam de dizer que acabariam com todos esses processos burocráticos, destruiriam estátuas e fariam um memorial de um dia para o outro. “É esse populismo, à esquerda e à direita, que reforça o radicalismo que hoje temos, pessoas que pensam que podem destruir as instituições”, enfatiza.

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