"Às 16h25, morreu o presidente comandante Hugo Chávez. Pedimos a todos os venezuelanos que sejam vigilantes pela paz, pelo respeito, pela tranquilidade desta pátria." Foi assim, pela voz do então vice-presidente Nicolás Maduro, que a Venezuela acompanhou, em cadeia de rádio e televisão nacional, o anúncio da morte do polêmico líder latino, em 5 de março de 2013. Mergulhado em uma crise política, econômica e social, com 7,1 milhões de cidadãos refugiados pela América Latina e o Caribe, o país completa a primeira década pós-Chávez marcado por conflitos, sanções internacionais e um governo paralelo opositor falido.
Ao comentar os 10 anos da morte de seu padrinho político, vítima de um câncer, Maduro classificou o período como uma década de "batalha, lealdade e vitória". "O imperialismo nos subestimou, a oligarquia interna nos subestimou, subestimaram o povo, subestimaram a liderança da revolução, me subestimaram como ser humano, como líder, como chefe político", disse, em um ato com trabalhadores transmitido pela televisão estatal na sexta-feira. "E, 10 anos depois, podemos dizer que aqui estamos inteiros, de pé e vitoriosos, e prontos para seguir a batalha no que resta do século 21."
Como vice-presidente, Maduro assumiu o poder três dias depois do anúncio da morte de Chávez. Em 14 de abril do mesmo ano, foi eleito, e já anunciou que pretende concorrer à reeleição em 2024 para um novo mandato de seis anos. O atual governante enfrentará uma oposição fraturada, que tentou promover, sem sucesso, um governo paralelo com apoio de Washington e que agora busca escolher um candidato único em um processo de primárias (leia mais nesta página).
Flexibilização
Os 10 anos de Maduro no poder estão marcados por uma grave e profunda crise econômica, com sete anos de recessão e quatro de hiperinflação, o que provocou uma profunda escassez e acabou com o poder aquisitivo dos venezuelanos. O cenário obrigou uma flexibilização de controles e a permissão de uma dolarização informal, que deu lugar a uma tímida recuperação.
Dentro do chavismo, Nicolás Maduro é alvo de críticas de alguns setores, que o acusam de se distanciar do padrinho político para se manter no poder a qualquer preço. "O socialismo é o caminho", diz reiteradamente o governante que, no entanto, flexibilizou os estritos controles econômicos instaurados por Chávez.
Segundo o analista Luís Vicente León, diretor do instituto de pesquisas Datanálisis, Maduro optou por desenhar sua própria identidade, em vez de se apegar à ideia de uma "imitação ruim". Apesar de nunca ter tido os altos índices de popularidade, que hoje se situam em 22%, muito longe dos 70% de Chávez, o governante teria acertado ao sair da sombra do antecessor. "Ele percebeu que, ao lado de Chávez, enfraquece", disse, em entrevista à agência France Presse.
Embora tente interagir com o público como fazia Chávez, Maduro mudou sua oratória e, parcialmente, o discurso. "Cada vez mais, Chávez é mais um símbolo e menos um poder; e cada vez mais, Maduro é mais um poder e menos um símbolo", comenta o doutor em Ciência Política Daniel Varnagy, da Universidade Simón Bolívar, na Venezuela.
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Tática
Hoje, a produção de petróleo venezuelana está estagnada em cerca de 700 mil barris por dia, após sofrer uma queda vertiginosa que especialistas vinculam à corrupção e ao desinvestimento de uma indústria que chegou a render ao país 90% de sua receita. O presidente defende o desenvolvimento de um modelo que não dependa do petróleo. Maduro também se distanciou de políticas de estatização — promovendo a venda de ações de empresas públicas — e reduziu ao mínimo um subsídio histórico à gasolina. "Foram mudanças táticas para se manter no poder", afirma Varnagy.
Apesar das dissidências, o chavismo, sob o governo de Maduro, ainda é um bloco unido e forte, avaliam especialistas. Ao mesmo tempo, o líder tem tirado proveito de divisões da oposição, que começou a perder força em 2017, com prisões e inabilitações de líderes, e acabou por rachar em janeiro passado, quando pôs fim ao "governo interino" de Juan Guaidó, a última estratégia impulsionada para tirar o presidente do poder.
As manifestações de 2017, fortemente reprimidas, levaram o governo Maduro a ser alvo de uma investigação no Tribunal Penal Internacional (TPI) por supostos crimes de lesa-humanidade. O processo inclui denúncias de torturas, mortes sob custódia do Estado e execuções extrajudiciais em operações contra a criminalidade. "A repressão durante o governo Maduro tem sido brutal e contínua, sistemática", assegura a organização não-governamental Fórum Penal. "A violação dos direitos humanos tem sido mais frequente do que com Chávez", diz a ONG em uma nota. A estimativa é que 250 pessoas estejam presas por motivos políticos.
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Linha do tempo
- 2014: o opositor Leopoldo López convoca manifestações para exigir a saída de Maduro. Ele é preso e condenado a 13 anos e nove meses. Uma queda abrupta nos preços do petróleo abre um longo ciclo de recessão, inflação e escassez de alimentos e de remédios.
- 2015: os Estados Unidos impõem sanções contra funcionários de alto escalão do governo venezuelano, em represália por "violações de direitos humanos" durante os protestos. A oposição vence as eleições legislativas, conquistando 112 de 167 cadeiras.
- 2016: quando a oposição assume o poder, em janeiro, as decisões da Assembleia Nacional (AN) são anuladas pelo Supremo Tribunal de Justiça. Ao longo do ano, a oposição promove um referendo para revogar o mandato de Maduro. A iniciativa é bloqueada.
- 2017: novos protestos eclodem em abril e deixam mais de 120 mortos em cinco meses. Uma Assembleia Constituinte com poder absoluto — totalmente chavista — é eleita em 30 de julho. O órgão assume atribuições do Parlamento.
- 2018: a Constituinte antecipa a eleição presidencial. A maioria da oposição boicota o pleito. Maduro vence com 68% dos votos, em meio à alta abstenção. Em agosto, dois drones explodem perto do palco, de onde Maduro presidia uma parada militar. Não há fatalidades.
2019: em 23 de janeiro de 2019, o chefe do Parlamento, Juan Guaidó, proclama-se “presidente no comando” da Venezuela com o apoio dos Estados Unidos. Ele convoca as Forças Armadas a se rebelarem. Washington impõe um embargo ao petróleo venezuelano.
- 2020: em maio, o governo Maduro anuncia que impediu uma invasão de "mercenários" estrangeiros. Os ex-militares americanos Luke Denman e Airan Berry são presos na chamada Operação Gideon. A oposição boicota as eleições legislativas de dezembro.
- 2021: a legislatura da Assembleia Nacional de maioria opositora eleita em 2015 termina em 5 de janeiro de 2021. A oposição volta às urnas nas eleições regionais de novembro, mas o chavismo sai vitorioso.
- 2022: o desgaste de Guaidó continua. Três dos principais partidos da oposição propõem eliminar o "governo interino" por não conseguirem mudanças políticas. Em 30 de dezembro, a Assembleia Nacional de 2015 aprova a proposta.
- 2023: a eliminação do "governo provisório" se dá em 5 de janeiro; Uma oposição dividida planeja primárias para outubro, quando deverá escolher um candidato unitário para enfrentar Maduro em 2024.
Carpiles tenta vingar pela terceira vez
Depois de receber o apoio de seu partido, o Primeiro Justiça, para participar das primárias, Henrique Capriles deu início à terceira tentativa de chegar à presidência no pleito de 2024. O opositor de Nicolás Maduro enfrentou Hugo Chávez em 2012 e o atual governante um ano depois. Segundo María Beatriz Martínez, presidente da agremiação, a proclamação oficial será feita em 10 de março.
Em consulta interna do partido, Capriles, de 50 anos, saiu muito à frente de outros dois dirigentes, e será candidato nas primárias em 22 de outubro. Ele ainda não se pronunciou sobre o assunto. Em 2017, foi inabilitado a ocupar cargos políticos por 15 anos, por supostas irregularidades administrativas durante sua gestão como governador do estado de Miranda, vizinho de Caracas, entre 2008 e 2017.
“A questão das inabilitações é uma realidade (...), é um dos grandes desafios que temos pela frente”, reconheceu Martínez, que, no entanto, se disse convicta de que as medidas serão revertidas. “Estou convencida de que Maduro vai ter que retificar e fazer a coisa certa”, afirmou.