Há exatamente um ano, no dia 24 de fevereiro de 2022, a Rússia invadiu o território da Ucrânia. De lá para cá, a estimativa é que o conflito no leste europeu já tenha deixado cerca de 300 mil mortos, entre soldados ucranianos, russos e civis. Recentemente, a guerra teve uma escalada, por meio do envio de ajuda ao exército ucraniano pelos Estados Unidos e Alemanha e, também, dos discursos dos presidentes Joe Biden e Vladimir Putin. Após um ano, o conflito parece longe do fim.
Uma das explicações sobre a origem da guerra é a insatisfação do presidente russo com a Organização do Atlântico Norte (Otan). A aliança militar foi fundada em 1949, no contexto da Guerra Fria, para evitar a expansão da então União Soviética (URSS) — que também criou uma organização própria à época: o extinto Pacto de Varsóvia. Para o chefe de Estado russo, a Otan tem "ambições imperialistas" e quer se aproximar da fronteira da Rússia.
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Segundo o professor de relações internacionais da Universidade de Brasília (UnB) Roberto Goulart Menezes, o argumento de Putin é plausível, mas a Ucrânia pode tomar a decisão de ingressar na Otan, pois é um país soberano. "Com o fim da União Soviética, a questão era qual seria o rumo da Otan. E a Otan passou a buscar uma nova razão de ser. A partir de 1991, essa aliança foi se expandindo para o leste europeu e começou a incorporar os países que antes faziam parte do Pacto de Varsóvia", explica.
"A Rússia, entre as décadas de 1990 e 2000, teve um bom diálogo com a Otan, mas sempre realçou a preocupação no ingresso da Ucrânia na Otan, pois poderia levar a 'nuclearização' do território ucraniano, ou seja, levar armas nucleares a uma fronteira extensa que a Ucrânia tem com a Rússia", emendou o especialista.
Outro ponto é que o conflito tem origem histórica. Isso porque tanto a Rússia quanto a Ucrânia foram formadas pelo estado medieval eslavo Rus de Kiev. Por isso, Putin afirma que russos e ucranianos são "um só povo", enquanto a Ucrânia reivindica o reconhecimento de sua soberania e independência. O professor aposentado e mestre em relações internacionais Alexandre Martchenko, conta que a avó dele sempre se identificou como russa, mesmo tendo nascido em Kiev. "Quando ela era pega falando em ucraniano, tinha advertências", comenta.
Longe do fim
Roberto Goulart destaca que a guerra está longe do fim pois ainda não houve uma proposta de paz factível. "O presidente Putin colocou condições para a Ucrânia, em um provável processo de paz, que eram simplesmente inaceitáveis e ele não retirou isso até agora", pontua. As condições incluem a rendição ucraniana e a aceitação de que aproximadamente 1/5 do território fosse anexado à Rússia. De acordo com o professor, esses fatores condicionantes violam a soberania da Ucrânia.
Na segunda-feira (20/2), o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, fez uma visita surpresa à Ucrânia e prometeu "apoio inabalável" ao país. O chefe de Estado norte-americano também anunciou US$ 500 milhões em ajuda, o que inclui equipamentos militares. Um dia depois, Biden visitou Varsóvia, capital polonesa. "Um ano depois, eu diria que a Otan está mais forte do que nunca", disse.
Em contrapartida, o presidente russo, Vladimir Putin, acusou as nações ocidentais de terem começado a guerra e ameaçarem a Rússia. "Foram eles que começaram a guerra. E estamos usando a força para encerrá-la", disse Putin, durante discurso anual. Ele também elogiou a resistência da economia russa que, mesmo em meio a sanções, "revelou-se muito mais forte do que o Ocidente pensava".
Para o mestre em relações internacionais Alexandre Martchenko, a visita de Biden à Ucrânia não deve ser lida apenas como uma ação política em busca da paz, mas também como uma demonstração de "envolvimento" no conflito. O especialista lembra que a Rússia acusou o filho do presidente norte-americano, Hunter Biden, de patrocinar laboratórios para desenvolvimento de armas biológicas na Ucrânia. O governo dos EUA, no entanto, nega a afirmação e diz que a acusação faz parte de uma "campanha de desinformação" de Moscou.
"No tocante ao Putin, apesar de estar mais sob controle à luz dos embargos iniciais, ele não deixa de ter uma série de pressões internas e externas. No seu discurso recente, ele coloca que abriu mão do acordo nuclear com os Estados Unidos, o que caracteriza a possibilidade de utilização de armas nucleares. É um aspecto absolutamente temerário", ressalta Alexandre. Uma outra perspectiva para o futuro da guerra é a possibilidade de envolvimento direto de outros países, além da Rússia e Ucrânia.
Impactos da guerra
A Rússia é o país com o maior arsenal nuclear do mundo, o que coloca a humanidade em alerta pela ameaça do uso dessas armas desde o início do conflito. "Essa é uma tensão geopolítica global", descreve o professor Roberto Goulart. Segundo o especialista, a guerra também marca um impacto do ponto de vista estratégico: a aproximação da Rússia com a China. "O tensionamento está gerando uma aproximação entre os países, o que leva os Estados Unidos a engrossar o discurso frente à China. Os riscos geopolíticos advém exatamente dessas alianças", frisa.
Em aspectos econômicos, a guerra no leste europeu fez com que o preço da energia aumentasse no mundo todo, especialmente na Europa. "Os preços dos alimento também aumentaram e gerou inflação em vários países. Indiretamente, o conflito entre Rússia e Ucrânia afeta a economia mundial, pois mesmo países como o Brasil, que não estão diretamente envolvidos, acabam sendo afetados", observa o professor.
Posição do Brasil no conflito
Segundo o professor Roberto Goulart, o Brasil tem adotado duas medidas em relação à guerra no leste europeu. A primeira é não endossar as sanções diplomáticas e econômicas contra a Rússia; e a outra é tentar trazer a diplomacia de volta ao primeiro plano. "Com o governo Bolsonaro, o Brasil não manteve a neutralidade, pois tomou lado da Rússia desde o início. A posição do Brasil no Conselho de Segurança da ONU sempre foi acessória, ora votava contra a Rússia, ora criticava", cita o especialista.
"A ideia do presidente Lula é, quem sabe, formar um grupo envolvendo a Índia, Indonésia, Turquia, México, e seria bom se tivesse a China também, para reunir condições de fazer uma mediação do conflito. A política atual do Brasil não é de neutralidade no sentido de não tomar partido, pois o presidente condenou a guerra e avalia que se continuar isolando cada vez mais o Putin, a guerra só tende a se aprofundar", acrescenta o professor.
Na quinta-feira (23/2), o vice-ministro de Relações Exteriores da Rússia, Mikhail Galuzin, elogiou a postura brasileira e disse que o país vai avaliar a proposta de paz sugerida pelo presidente Lula. "Ficamos sabendo das declarações do presidente brasileiro sobre uma possível mediação política para impedir a escalada do conflito na Ucrânia. Estamos analisando essa iniciativa, mas claro, levando em conta a situação no terreno", disse o vice-chanceler à agência estatal Tass.
Com informações da AFP e Agência Estado*
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