Durante anos ele foi considerado um dos homens mais poderosos do México, o homem que liderou a guerra contra os cartéis de drogas.
Hoje, aos 54 anos, Genaro García Luna é o ex-funcionário mexicano de mais alto escalão condenado por acusações relacionadas ao narcotráfico.
O julgamento ocorreu ao longo de cinco semanas em um tribunal de Nova York, o mesmo em que Joaquín "el Chapo" Guzmán, ex-líder do cartel de Sinaloa, foi julgado entre 2018 e 2019 e condenado à prisão perpétua.
Foi justamente no processo de el Chapo que surgiram alguns dos testemunhos que ligavam García Luna às atividades do cartel.
A promotoria o indiciou por cinco acusações. O júri o considerou culpado em todas.
Luna foi acusado de receber milhões de dólares em propina do grupo liderado por El Chapo para trazer cocaína para os EUA enquanto ocupou altos cargos de segurança, especialmente o de secretário de Segurança Pública no governo de Felipe Calderón entre 2006 e 2012.
Ele também foi indiciado por crime organizado e por mentir para as autoridades americanas.
Agora ele pode passar entre 20 anos e o resto de sua vida na prisão. Sua pena será anunciada em junho.
Seu julgamento mostrou como o crime organizado estava infiltrado no topo do sistema judiciário mexicano durante um dos períodos mais sangrentos da guerra do narcotráfico.
Quem é García Luna?
Engenheiro de formação, García Luna trabalhou em 1989 como pesquisador do extinto Centro de Investigações e Segurança Nacional (Cisen), área de Inteligência do Ministério do Interior mexicano.
Em seus primeiros anos no Cisen, ele foi encarregado de monitorar a atividade de grupos guerrilheiros no México, especializando-se posteriormente no combate a quadrilhas de sequestradores.
Testemunhas da época contam que García Luna conseguiu resgatar várias pessoas importantes, principalmente empresários que anos depois o ajudaram em sua carreira.
Do Cisen ele passou para a Polícia Federal Preventiva e dali para a Agência Federal de Investigações — duas corporações que desapareceram quando García Luna assumiu o Ministério da Segurança Pública a partir de 2006.
Foi a partir dessa posição que García Luna promoveu uma luta agressiva contra o narcotráfico — conhecida como a "guerra às drogas" — que contou com a participação do exército e que, segundo algumas estimativas, deixou mais de 250 mil mortos.
No final do governo Calderón em 2012, García Luna mudou-se para o Estado americano da Flórida, onde viveu até sua prisão no Texas em dezembro de 2019.
Do que ele foi acusado?
O processo contra García Luna é uma espécie de continuação do chamado "julgamento do século" contra Chapo Guzmán, que culminou com a prisão perpétua contra o traficante.
Durante o julgamento, um ex-integrante do cartel de Sinaloa disse ter entregue malas a García Luna com pelo menos US$ 6 milhões em dinheiro em 2005, 2006 e 2007.
Promotores americanos acusaram o ex-funcionário mexicano de aceitar o dinheiro para facilitar a entrada de toneladas de cocaína que o cartel de Guzmán contrabandeou para os EUA entre 2001 e 2012.
De acordo com a Promotoria, García Luna concordou em não interferir no transporte de drogas, revelar informações aos traficantes sobre operações de controle, eliminar membros de cartéis rivais e colocar outros funcionários corruptos em cargos de poder.
O governo dos Estados Unidos alega que García Luna se tornou membro da organização em janeiro de 2001.
No total, ele enfrentou cinco acusações: três por conspiração para tráfico de drogas, uma por continuar participando de uma organização criminosa e outra por fazer declarações falsas às autoridades dos EUA quando solicitou a cidadania americana em 2018.
O ex-secretário de segurança se declarou inocente de todas as acusações.
Sua defesa argumentou durante o julgamento que as acusações foram baseadas apenas em testemunhos e não em provas documentais. Mas o júri foi unânime em considerá-lo culpado em todas as acusações.
Outras polêmicas
Antes do julgamento, García Luna protagonizou diversas polêmicas durante seu tempo no comando da segurança mexicana.
Uma reportagem do canal Univisión revelou ligações entre García Luna e um empresário de segurança privada que teria se beneficiado com a guerra às drogas que ele lançou.
Uma das situações mais polêmicas ocorreu quando García Luna era diretor da Agência Federal de Investigações.
Em dezembro de 2005, milhões de mexicanos assistiram pela televisão a agentes entrarem em uma fazenda no sul da Cidade do México para prender a cidadã francesa Florence Cassez e seu parceiro, Israel Vallarta. Ambos confessaram diante das câmeras o sequestro de três pessoas.
Mas foi tudo uma armação. Cassez e Vallarta haviam sido presos no dia anterior. Segundo García Luna, o programa de televisão era "uma recreação" solicitada pelas emissoras de televisão, com as quais mantinha uma relação muito próxima.
O caso Cassez-Vallarta gerou um conflito diplomático com a França e, em 2013, a Suprema Corte mexicana ordenou a suspensão de uma sentença de 60 anos contra Cassez sob o argumento de que a transmissão televisiva "contaminou" o julgamento em que ela foi considerada culpada.
García Luna também foi criticado por mostrar na mídia muitos detentos que posteriormente acabaram sendo absolvidos.
No entanto, o ponto mais criticado foi o alto número de mortes deixadas pela sangrenta luta contra o narcotráfico, considerada malsucedida e contraproducente por muitos especialistas.
Outro julgamento histórico do México nos EUA
O julgamento de García Luna foi realizado no mesmo tribunal e com o mesmo juiz de Nova York que condenou el Chapo.
Por isso, a grande expectativa que cerca esta espécie de segunda parte daquele julgamento histórico. Mas, sobretudo, demonstra mais uma vez o papel determinante que os EUA desempenham no México na hora de condenar os responsáveis ??pelo narcotráfico mexicano.
Depois da prisão perpétua dada a Chapo, a condenação de García Luna é a confirmação de algo que todos já sabiam: a colaboração de algumas autoridades mexicanas com os cartéis para que pudessem operar seus negócios multimilionários.
E também levantou críticas ao ex-presidente Felipe Calderón, que sempre negou saber de qualquer tipo de ligação entre García Luna e o narcotráfico.