Jornal Correio Braziliense

VIOLÊNCIA

Comissão mostra relatos chocantes de vítimas de abusos de padres em Portugal

Relatos de vítimas de abuso sexual na igreja católica toma conta das notícias em Portugal. Mulher conta que viu um religioso ter relações sexuais com o irmão dela, de 13 anos

Lisboa — Os relatos das vítimas de abusos sexuais na igreja católica em Portugal são chocantes. Não por acaso, lágrimas escorreram dos olhos de vários dos presentes na apresentação da longa pesquisa feita pela Comissão Independente que mergulhou nos arquivos liberados pela Conferência Episcopal Portuguesa. Uma das histórias mais terríveis foi contada por uma mulher nascida nos anos de 1940. Ela, que enviou um e-mail escrito por uma sobrinha, disse que presenciou o irmão, então com 13 anos, ser violentado por um padre, de cerca de 40 anos, na casa da família dos garotos. O religioso visitava a mãe dos meninos, que havia ficado viúva.

“O meu irmão faleceu agora. Penso que ele nunca contou nada do que eu vi. E o que eu vi não foi bonito, e não posso ir para o outro mundo, falecendo, e carregar comigo este segredo. Uma vez, na tal casinha que havia no quintal, vi algo estranho e, quando lá fui espreitar, estava o meu irmão, coitadinho, ele era muito bonito e perfeito, branquinho de pele, despido de calças e roupa de baixo e o padre, meio que no chão, a pôr o órgão dele na boca (do menino). Nunca tinha visto na vida essas coisas. Pareceu tudo passar muito rápido, pois fugi com o olhar e, quando voltei a olhar, estava o meu irmãozinho, coitado dele o que sofreu, sei lá eu o que aquela alma pode ter sofrido, estava ele, agora, no chão como um animal e o padre por trás, a enfiar-se nele, e ele aflito de lágrimas de chorar.”

“Bicho de uma teta”

Com apenas 7 anos, F, nascida nos anos de 1970, filha de trabalhadores rurais, contou que ia se confessar todas as semanas na igreja da paróquia. O padre era um catequista, com posição de destaque na diocese, no Norte de Portugal, naquela altura, com cerca de 40 anos. Tratava-se da preparação da primeira comunhão. Era comum o religioso tocá-la “pelas pernas acima, até chegar onde queria, dizendo obscenidades”. Um dia, ele a incentivou a masturbar o próprio irmão, então com 13, 14 anos. Disse-lhe o padre: “Sabes que as mulheres têm de aprender a tirar leite dos homens? Como se faz às vaquinhas, nas tetas”.

Ele afirmava ainda que o irmão da menina “era como um bicho de uma só teta (em referência o seu órgão íntimo)”, e que ela “fosse lá mugir”. “E isso eu fiz certo dia, quando ele estava a tomar banho. Ele riu-se e, ao mesmo tempo ficou assustado, mas eu não sabia, juro mesmo, o que estava a fazer, só dizia que o senhor padre queria que eu lhe tirasse o leite (esperma)”, contou. O irmão, então, lhe perguntou quem havia falado com ela sobre aquele ato. A menina revelou que havia sido o padre. “Nunca mais há de fazer isso”, ordenou o jovem.

“Porco, sádico”

Um homem nascido nos anos de 1950 revelou que, todas, por muitas noites acordou com “o pênis de um padre entre as pernas dele e todo sujo”. O menino relatou que foi abusado muitas vezes e por vários sacerdotes. No relato, enviado à Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica, o homem destacou que vinha de uma família pobre. A única maneira para que pudesse ter um bom estudo era entrar para um seminário. Logo que chegou ao colégio, um padre logo se “engraçou” com ele. “Ia à minha cama com a lanterna e apalpava-me todo, metia a língua toda e perguntava-me se eu já pecara.” O menino acabou expulso por maus “pensamentos e companhias”. Em outro seminário, encontrou o “Frei W”, que era “bem pior que outro padre, porque era sádico, porco, muito mau".

Então com 13 anos, um homem nascido nos anos de 1960, foi passar duas semanas na casa dos avós, que eram comerciantes no litoral Norte de Portugal. Um padre, de aproximadamente, 50 anos, visitava frequentemente a casa da família, que era fazia doações constantes para a igreja. Frequentemente, o religioso pegava o garoto para dar uma volta. Dizia para os avós do jovem que ia dar uma volta comigo na quinta e ensinar algumas coisas, pois eu portava-me muito mal na escola e andava revoltado, já que os pais tinham emigrado. Os passeios incluíam beijos, masturbação e sexo oral. “Tinha uma tara, atava-me o pênis e os testículos com um fio, dizia que, assim, ‘tudo espremidinho’, que era melhor para ficar grosso”, relatou à Comissão.

Pais não acreditam

Nascido nos anos 2000, um homem descreveu que, aos 12 anos, foi abusado sexualmente pelo próprio padrinho de batismo e primo, que era um jovem seminarista. A violência acontecia sempre às segundas e quintas, entre 18h e 19h, quando o menino tinha aulas extras para reforçar o aprendizado. “Acabava sempre naquilo, 'anda, vamos fazer aquilo de que gostas, não tem mal, sou teu primo e padrinho, isto é uma brincadeira, quando estiveres com uma mulher já sabes mais, que isto não é nada de paneleiro (gay)”, falava o seminarista. O garoto era submetido a toques nas zonas genitais, beijos, masturbação, sexo oral e sexo anal. A violência só acabou quando a mãe do menino decidiu que ele não necessitava de mais explicações, e mudou de escola.

Nos depoimentos colhidos pela Comissão Independente, ficou claro que, muitas vezes, as famílias não acreditavam ou fingiam não acreditar nas denúncias das crianças. Foi o caso de duas irmãs, nascidas nos anos de 1960 em uma família de classe média alta. Uma delas foi abusada aos 10 anos de idade por um padre que frequentava constantemente a casa dela. “Enquanto esperávamos a chegada do meu pai para jantar, o padre brincava conosco e via desenhos animados”, relatou. O religioso, então, tentou colocar a mão e mexer nos seios da garota, que, assustada, fugiu para o quarto e se trancou. Ele foi até a porta do quarto dela e, falando baixinho, disse que “foi só uma delicadeza, um gesto de carinho”, e perguntou se a havia magoado. Naquela noite, ela não jantou, alegando dor de cabeça.

Depois que o padre foi embora, a menina contou aos pais o que havia se passado: “Julgo que não conseguiram acreditar em mim, ficaram em silêncio por uns segundos e me mandaram deitar. Nunca mais tocaram no assunto comigo: nem quando, um pouco mais velha, talvez com 13 anos, cansada das habituais visitas deste padre (e, consequentemente, da minha fuga para o quarto em cada uma dessas vezes), senti o dever de iniciar de novo o tema, o que foi abafado imediatamente por eles, com desinteresse e mutismo”. Segundo ela, as tentativas de abuso continuaram por meses. A garota tentou proteger as irmãs, mas não teve sucesso: a mais nova lhe relatou que “o mesmo se passara com ela”.

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