Quando decidiu escrever Sob as asas da fala e da escrita, a história da vida de Henrique
Rattner, um dos objetivos do jornalista Jair Rattner era mostrar, para as gerações de seus filhos e as próximas, os horrores da guerra — "o Holocausto á algo distante" — e a importância da democracia. Muito da evolução da sociedade para um mundo civilizado, se é possível dizer isso nos tempos atuais, deu-se ao longo dos 100 anos do pai, Henrique, nascido em Viena, na Áustria, de onde fugiu após o país ser anexado pela Alemanha nazista.
“Esse livro é uma homenagem ao meu pai. Ele vivia segundo um princípio de deixar o mundo melhor para as próximas gerações. Em hebraico, há um mandamento, o "tikun haolam", que, em português, significa consertar o mundo. É algo que eu gostaria que meus filhos e as novas gerações seguissem”, diz Jair. Ele conta que, antes de aportar no Brasil, onde foi professor por décadas, o pai viveu na Palestina, e questionava o fato de “Israel ser um país de exclusão”. Em solo brasileiro, o professor Henrique viu o governo de Juscelino Kubitschek, a ditadura militar e a redemocratização. No país, foi um dos pioneiros do desenvolvimento sustentável.
Com a Europa novamente assombrada pela guerra, desta vez entre Ucrânia e Rússia, Jair ressalta que todo conflito como esse é um crime. "Destroem-se vidas. Guerras vêm acompanhadas de fome e doenças e, no final, há sempre pessoas que lucram muito com cada ação militar. Não vi, até agora, um levantamento do valor das ações das principais empresas que produzem armas, mas não duvido de que tenham valorizado muito", afirma. Ainda que distante, a família Rattner tem ligações com o país atacado pelo exército de Vladimir Putin.
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“Quando meus avós nasceram, a região da Galícia fazia parte do Império Austro-Húngaro, e a cidade que hoje se chama Lviv era conhecida como Lemberg — controlada pela Polônia depois da Primeira Guerra Mundial e, anos mais tarde, incorporada pela União Soviética”, ressalta. “Depois de eu terminar o livro, minha irmã encontrou o diploma de sapateiro do meu avô que está escrito em polonês. Segundo contou uma das minhas primas, minha avó, mãe da minha mãe, no final da vida, de vez em quando começava a falar com as pessoas em polonês”, conta. Morando em Lisboa há décadas, Jair fez questão de retornar ao Brasil para lançar, em 5 de fevereiro último, a obra em homenagem ao pai. A seguir, trechos da entrevista ao Correio.
Qual o objetivo deste livro? O que os leitores vão encontrar?
É, em primeiro lugar, uma homenagem a meu pai. Ele não contava muito a respeito da vida dele e, conforme fui descobrindo, achei que era uma história que valia a pena ser contada. Acho que ele não falava sobre o passado porque estava mais preocupado com o futuro. A história dele acompanha alguns dos acontecimentos mais importantes do século passado. Ele nasceu em Viena apenas porque houve a Primeira Guerra Mundial. Teve de fugir da Áustria porque o país foi anexado pela Alemanha nazista. Ele queria mudar o mundo, mas questionava os processos de Moscou. Foi para a Palestina, mas não queria que Israel fosse um país de exclusão. No Brasil, viu o governo Juscelino, a ditadura militar e a democratização. No final da vida, ele foi um dos pioneiros no Brasil na defesa do desenvolvimento sustentado.
Foi difícil contar a história do seu pai? Porquê?
Há vários motivos. Primeiro, porque para mim, meu pai foi um herói. É uma história com a qual eu tenho vivido há anos. Eu já queria escrever sobre ela quando ele estava vivo. Depois, terminar o livro era como me despedir dele de novo. É um livro que não dava vontade de terminar de escrever, para ter meu pai mais um tempo comigo. Mas eu resolvi que ia terminar para a celebração dos 100 anos do nascimento do meu pai.
Que lições tirou dessa história?
Há muita coisa que eu aprendi com ele. Uma coisa que ele disse ao meu irmão Beni, em 2001, foi que tudo muda. A situação nunca é completamente estável. Isso significa que temos de ser flexíveis, aceitar as mudanças.
O senhor fala muito que queria contar a história de seu pai para os seus filhos. Porquê?
Em primeiro lugar, porque acho que ele pode ser um exemplo de vida. As pessoas que conheciam meu pai podem encontrar no livro algumas memórias de momentos vividos com ele, mas toda a vida dele foi dedicada a ensinar. Ele se considerava um educador. Acho que a homenagem que ele pode ter é passar isso para as próximas gerações. Depois, ele vivia segundo um princípio de deixar o mundo melhor para as próximas gerações. Em hebraico, há um mandamento, o “tikun haolam”, que, em português, significa consertar o mundo. É algo que eu gostaria que meus filhos e as novas gerações seguissem.
A história de sua família começa no que seria depois um território ucraniano. Como vê a invasão da Rússia na Ucrânia?
Acho que toda guerra é um crime. Destroem-se vidas. Guerras vêm acompanhadas de fome e doenças e, no final, há sempre pessoas que lucram muito com cada ação militar. Não vi, até agora, um levantamento do valor das ações das principais empresas que produzem armas, mas não duvido que tenham valorizado muito. Quanto à relação da minha família com a Ucrânia, é muito pouca. Quando meus avós nasceram, a região da Galícia fazia parte do Império Austro-Húngaro e a cidade que hoje se chama Lviv era conhecida como Lemberg. Depois de eu terminar o livro, minha irmã encontrou o diploma de sapateiro do meu avô que está escrito em polonês. Segundo contou uma das minhas primas, minha avó, mãe da minha mãe, no final da vida, de vez em quando começava a falar com as pessoas em polonês. Quanto à mãe de meu pai, nunca ouvi ela falar polonês. Acredito que, naquela época, a região tinha o uso de mais de uma língua.
Como vê a literatura no Brasil hoje? Porquê?
Estou há muitos anos fora do Brasil e, por isso, não consigo acompanhar bem os novos nomes que surgem na literatura brasileira. O Brasil tem uma realidade muito diversa, uma sociedade com traços que vão do feudal ao mais moderno, o que dá matéria-prima para a criação de produções literárias completamente originais na literatura mundial.
Há outros projetos em andamento? Quais?
Depois deste livro, pretendo voltar a atenção para a pesquisa na área acadêmica. Estou com alguns projetos em História do jornalismo.
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