ESCÓCIA

Primeira-ministra da Escócia renuncia após atritos com Londres

Decisão é anunciada em meio a embates com o governo central do Reino Unido, envolvendo um veto do Supremo Tribunal à realização de novo referendo sobre a independência do país e o bloqueio a uma lei regional relativa à transição de gênero

Correio Braziliense
postado em 16/02/2023 06:00
 (crédito:  AFP)
(crédito: AFP)

Primeira mulher a governar a Escócia, com grande popularidade no país, a independentista Nicola Sturgeon surpreendeu, ontem, ao renunciar ao cargo de primeira-ministra, após mais de oito anos no poder. O anúncio ocorreu meses após dois fortes embates com o governo central do Reino Unido, que ela logo tratou de dissociar de sua decisão. "Na minha cabeça e no meu coração eu sei que o momento chegou, que é a hora adequada para mim, para o partido e para o país", afirmou em uma entrevista coletiva em Edimburgo.

Aos 52 anos, Nicola Sturgeon liderava havia muito tempo a luta por uma segunda consulta sobre a autodeterminação do país de 5,5 milhões de habitantes. No ano passado, porém, provocado por Londres, o Supremo Tribunal britânico se pronunciou contra a nova consulta.

Em dezembro, um novo atrito, daquela vez em torno de uma lei regional que facilitava a transição de gênero, permitida a partir dos 16 anos e sem a necessidade de diagnóstico médico. A medida provocou grande polêmica nos círculos feministas e foi bloqueada pelo primeiro-ministro britânico, o conservador Rishi Sunak, um fato sem precedentes.

Na entrevista, Sturgeon enfatizou que a renúncia "não é uma reação a pressões de curto prazo", e sim a convicção de que "nenhum indivíduo deve ser dominante em um sistema por muito tempo". Sunak, por sua vez, respondeu de maneira discreta ao anúncio, agradecendo Sturgeon por seu "longo serviço" e desejando "o melhor para o futuro".

Longa reflexão

A premiê permanecerá no cargo até a designação do sucessor. "Esse trabalho é um privilégio, mas também muito difícil. Sou um ser humano, além de uma política", destacou, antes de afirmar que refletiu muito sobre a decisão depois de colocar a carreira à frente da vida pessoal durante três décadas.

A entrega do cargo, no entanto, não significa que Sturgeon deixará a política. A primeira-ministra enfatizou que permanece comprometida com temas que incluem melhores oportunidades para os jovens e "obter a independência". "É uma causa à qual dediquei toda minha vida e na qual acredito", declarou, com a fisionomia cansada.

Advogada de formação e considerada uma política brilhante, temida por seus oponentes em Edimburgo como em Londres, Sturgeon defendeu um programa político de esquerda, com políticas sociais que na opinião dela foram abandonadas pelo Partido Trabalhista.

A notícia surpreendeu tanto apoiadores quanto adversários políticos. No mês passado, após a inesperada renúncia da então primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, a chefe do governo da Escócia asseverou que estava "repleta de energia" e não sentia que o momento de deixar o poder estava próximo.

Nicola Sturgeon se tornou líder do Partido Nacional Escocês (SNP) e do governo autônomo após a renúncia de seu mentor, Alex Salmond, em 2014, depois que a maioria dos eleitores (55%) votou pela permanência do país no Reino Unido. Desde então, ela retomou a luta pela independência, que ganhou novo impulso após o Brexit — os escoceses votaram de forma esmagadora contra a saída da União Europeia, iniciada em 2017 e concluída no início de 2020.

Nos últimos anos, a primeira-ministra defendeu ardorosamente a convocação de um segundo referendo. Diante da rejeição do governo central de Londres, recorreu ao Judiciário, que barrou a pretensão.

A partir daí, prometeu transformar as próximas eleições gerais, previstas para janeiro de 2025 no mais tardar, em um referendo sobre o tema. Acabou sendo duramente criticada por essa postura, inclusive dentro do próprio partido. "É uma decisão que deve ser tomada pelo SNP de maneira coletiva e não apenas por mim", disse ontem.

Pandemia

Com elevados índices de popularidade por sua gestão elogiada da pandemia de covid-19, que contrastou com as caóticas políticas do primeiro-ministro britânico Boris Johnson, Sturgeon acumulou vitórias eleitorais e conquistou uma nova maioria para o SNP no Parlamento regional, em aliança com os ecologistas, em maio de 2021.

No entanto, ela viu sua imagem abalada após a aprovação, em dezembro do ano passado, de uma lei para facilitar a transição de gênero. No mês seguinte à polêmica, 44% dos escoceses se declararam favoráveis a Sturgeon contra 50% em outubro, de acordo com dados divulgados nesta quarta-feira pelo instituto de pesquisas YouGov.

Nascida na cidade industrial de Irvine, ao sudoeste de Glasgow, com pai eletricista e mãe enfermeira, Sturgeon se filiou ao SNP aos 16 anos e foi vice-coordenadora da ala jovem. Peter Murrell, seu marido, é o diretor-geral do partido. O casal, que não tem filhos, se conheceu há mais de 20 anos em uma reunião da juventude do SNP, do qual ela se tornou uma das primeiras representantes no Parlamento autônomo escocês, em 1999, quando foi formado.

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Desafios em série

Em 18 de janeiro, Jacinda Ardern surpreendeu ao anunciar que deixaria a chefia de governo da Nova Zelândia. Na ocasião, a política trabalhista, de 42 anos, disse que não tinha "energia" para prosseguir como primeira-ministra. Nos cinco anos e três meses em que permaneceu no cargo, ela conduziu o país por catástrofes naturais, pelo pior ataque "terrorista" da história neozelandesa e pela pandemia da covid-19. Uma semana depois, deixou o Parlamento sob aplausos, antes de seu aliado, Chris Hipkins, 44 anos, ser empossado como o novo primeiro-ministro. Ardern foi eleita premiê em 2017, e sua popularidade levou-a a uma confortável reeleição para um segundo mandato em 2020. Nos últimos anos, porém, seu governo de centro-esquerda enfrentou dificuldades com a inflação crescente, uma possível recessão e a ascensão da oposição conservadora.

 

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