Um misto de dor, revolta e esperança marcou os trabalhos de resgate no dia seguinte ao potente terremoto que devastou o sudeste da Turquia e o norte da Síria. Numa corrida de obstáculos, equipes locais de socorristas e bombeiros enfrentaram as baixas temperaturas e a falta de estrutura durante as buscas por sobreviventes da tragédia, sob o olhar da população aturdida. Até a noite de ontem, o tremor mais devastador na Turquia em 84 anos havia deixado mais de 7,8 mil mortos. Mas o número de óbitos, segundo as estimativas, será bem maior, podendo ultrapassar 20 mil.
Nesse ambiente desolador, dois momentos, em especial, causaram grande comoção. Na região turca de Kahramanmaras, Mesut Hancer segurava a mão de sua filha morta, Irmak, de 15 anos, inerte entre duas placas de concreto de um prédio destruído. Do outro lado da fronteira, na localidade síria de Jindires, uma recém-nascida foi achada com vida, ainda com o cordão umbilical ligado à mãe morta sob os escombros. Mais de 8 mil pessoas foram salvas nos dois países.
O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, decretou estado de emergência por três meses nas 10 províncias do sudeste atingidas pela catástrofe. Com base nos mapas da região afetada, a Organização Mundial da Saúde (OMS) destacou que 23 milhões de pessoas estão expostas às consequências do terremoto, incluindo cinco milhões de pessoas vulneráveis. "Agora é uma corrida contra o relógio", alertou o diretor-geral da agência da ONU, Tedros Adhanom Ghebreyesus.
Pouco mais de 24 horas após o abalo principal de magnitude 7,8 — mais de 280 réplicas foram registradas —, a ajuda internacional começou a chegar a zonas afetadas na Turquia, com as primeiras equipes de socorristas procedentes da França e do Catar. Setenta e cinco países estão enviando resgatistas para o país. Entre eles, a Ucrânia, que anunciou o envio de 87 socorristas, apesar de estar em plena guerra com a Rússia.
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Apoio
O apoio à Síria, contudo, engatinhava. O pedido de ajuda do governo de Bashar al-Assad havia recebido, até a noite de ontem, resposta da Rússia, aliada de Damasco, que prometeu enviar equipes de emergência. Cerca de 300 militares russos que já estavam na região ajudam nos resgates. O Crescente Vermelho sírio fez um apelo para que a União Europeia (UE) retire as sanções contra o regime para permitir o envio de ajuda.
As Nações Unidas alertaram sobre dificuldades de garantir o suporte aos sírios, indicando que um importante ponto de passagem da Turquia para o país vizinho foi afetado pelo terremoto. "A própria operação transfronteiriça foi afetada", disse o porta-voz do Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) da ONU, Jens Laerke, em entrevista coletiva em Genebra.
Organizações humanitárias tentavam levar ajuda, especialmente à área rebelde de Idlib, no noroeste do país, em guerra civil desde 2011. "Usaremos todos os meios possíveis para alcançar as pessoas e isso inclui operações transfronteiriças e operações nas linhas de frente de dentro da Síria", disse Laerke.
Apesar da falta de ferramentas, os socorristas prosseguiram com a dramática busca incessante por sobreviventes, desafiando o frio, a chuva, ou a neve, assim como o risco de novos desabamentos. Em Hatay, sul da Turquia, as equipes de emergência salvaram uma menina de 7 anos que estava bloqueada sob uma montanha de escombros. "Onde está minha mãe?", perguntou a criança, com um pijama de cor rosa manchado pela poeira.
Os balanços de vítimas dos dois lados da fronteira, porém, não param de aumentar e, levando-se em consideração a magnitude da destruição, a tendência deve persistir. Além das condições já dramáticas, a queda da temperatura representa um risco adicional de hipotermia para os feridos e as pessoas bloqueadas nos escombros.
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Medo e revolta
Além disso, os tremores secundários prosseguiram. O mais forte, de magnitude 5,5, aconteceu às 6h13 de ontem (0h13 de Brasília) a nove quilômetros de Gölbasi, no sul da Turquia. As autoridades turcas adaptaram ginásios, escolas e mesquitas para abrigar os sobreviventes. Mas, com medo de novos terremotos, muitos moradores preferiram passar a noite ao relento.
"Todo mundo está com medo", disse Mustafa Koyuncu, um homem de 55 anos que passou a madrugada de ontem com a esposa e os cinco filhos no carro da família em Sanliurfa (sudeste da Turquia).
Em Kahramanmaras, epicentro do devastador terremoto, além do medo, apenas ruína e desolação. Até a noite de ontem, nenhuma ajuda, ou suprimentos, havia chegado à cidade de mais de um milhão de habitantes. Ali, como em Antioquia, mais ao sul, às portas da Síria, acumulam-se frustração e ressentimento com o Estado ausente.
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