Jornal Correio Braziliense

Campos de concentração

Levante do Gueto de Varsóvia: como foi a maior revolta dos judeus contra os nazistas

A resistência judaica começou em 19 de abril de 1943, quando judeus entrincheirados dentro de prédios e abrigos enfrentaram os nazistas e terminou quase um mês depois, em 16 de maio

"A maioria foi a favor da rebelião. As pessoas achavam melhor morrer com uma arma na mão do que sem ela. Pode-se chamar este tipo de resistência de rebelião? Era uma luta para não sermos transportados para o matadouro, uma luta contra a morte".

Foi assim que um sobrevivente descreveu o levante do Gueto de Varsóvia, que completa 80 anos em 2023 - o maior e, simbolicamente, mais importante levante judaico. Foi a primeira revolta armada desencadeada por civis no interior da Europa ocupada pelos nazistas.

A resistência judaica começou em 19 de abril de 1943, quando judeus entrincheirados dentro de prédios e abrigos enfrentaram os nazistas e terminou quase um mês depois, em 16 de maio, com a explosão da Grande Sinagoga de Varsóvia. Os prisioneiros que sobreviveram foram deportados para campos de concentração ou extermínio. Poucos conseguiram fugir.

Zbigniew Leszek Grzywaczewski/AFP/Getty Images
Incêndio na rua Nalewki próximo ao Parque Krasinski durante a evacuação do gueto, por volta de 20 de abril de 1943

Revolta armada

A revolta armada ocorreu no gueto de Varsóvia, uma área de quatro quilômetros quadrados num bairro na capital polonesa onde viviam encurraladas mais de 400 mil pessoas. Mas o que levou até ela?

No verão de 1942, entre julho e setembro, os nazistas deportaram 300 mil judeus que estavam aprisionados no gueto.

Quando as informações sobre os assassinatos em massa nos centros de extermínio vazaram, organizações judaicas clandestinas criaram uma unidade armada de autodefesa, conhecida como Organização Judaica de Combate (ou ZOB, por sua sigla em polonês) e liderada por um jovem na casa dos 20 anos, Mordecai Anielewicz. Para isso, contrabandearam armas e desenvolveram um sistema de esconderijos.

Numa visita ao gueto em janeiro de 1943, Heinrich Himmler, o comandante da SS, a tropa de elite nazista, ordenou novas deportações e isso foi o estopim para a resistência, que passou a enfrentar as tropas de Hitler esporadicamente.

No entanto, em 19 de abril de 1943, véspera da Páscoa judaica (Pessach), quando forças alemãs deram início à destruição final do gueto e à deportação dos judeus remanescentes, a revolta de fato eclodiu.

Os nazistas foram surpreendidos por cerca de 700 combatentes jovens judeus, armados com pistolas, granadas, a maioria caseiras, e algumas poucas armas automáticas e rifles.

Embora o primeiro dia de confrontos tenha terminado com as forças alemãs se retirando para fora dos muros do gueto, a repressão que se seguiu foi brutal.

Em maior número e com maior potencial bélico, os nazistas começaram a reduzir o gueto a escombros. Anieliwicz foi assassinado.

Ainda assim, a resistência judaica permaneceu por semanas.

Após quase um mês de combates, as forças de Hitler explodiram a Grande Sinagoga de Varsóvia no dia 16 de maio de 1943, marcando o fim do levante e a destruição do gueto.

Segundo o Museu do Holocausto dos Estados Unidos, pelo menos 7 mil judeus morreram lutando ou se escondendo no gueto. Outros 7 mil foram capturados pelas SS e pela polícia no fim dos combates e deportados para o centro de extermínio de Treblinka, também na Polônia. Ali, acabaram assassinados.

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Bombeiros na Rua Nowolipie, ao lado do Hospital St Zofia: fotos inéditas do gueto de Varsóvia, registradas clandestinamente por um bombeiro polonês e encontradas em um celeiro, foram exibidas pela primeira vez em janeiro de 2023 na capital polonesa

Os demais, cerca de 42 mil, foram enviados para campos de trabalhos forçados e para o campo de concentração de Lublin/Majdanek.

A maioria foi assassinada a tiros em novembro de 1943, durante a chamada Operação Harvest Festival (Erntefest), que durou dois dias.

Poucos conseguiram escapar através do sistema de esgoto de Varsóvia para florestas fora da cidade.

Um deles foi Simcha Rotem, o último combatente sobrevivente da revolta, que morreu em dezembro de 2018, aos 94 anos.

"Eu me senti totalmente impotente (diante do poder de fogo dos nazistas)", disse ele, em depoimento ao Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos.

Mas esse sentimento foi seguido, segundo ele, por "uma sensação extraordinária de elevação espiritual… esse era o momento que esperávamos… para enfrentar esse alemão todo-poderoso".

No entanto, Rotem observou que os rebeldes não tinham ilusões sobre suas chances. "Matávamos o maior número possível, [mas] sabíamos que nosso destino estava completamente claro."

O levante inspirou insurreições em outros guetos e centros de extermínio durante o Holocausto, como ficou conhecido o assassinato em massa de milhões de judeus, bem como homossexuais, ciganos, Testemunhas de Jeová e outras minorias, durante a 2ª Guerra Mundial, a partir de um programa de extermínio sistemático patrocinado pelo partido nazista de Adolf Hitler.

Uma série de fotos inéditas do gueto de Varsóvia, registradas clandestinamente por um bombeiro polonês e encontradas em um celeiro, foram exibidas pela primeira vez na semana passada na capital polonesa. Elas ilustram esta reportagem da BBC News Brasil.

As imagens serão apresentadas ao público a partir de abril. Segundo uma das curadoras da exposição "Ao nosso redor, um mar de fogo", do Museu POLIN de história judaica de Varsóvia, Zuzanna Schnepf-Kolacz, "são as únicas fotos que não foram tiradas por alemães (no gueto durante a insurreição) e que não foram tiradas para fins de propaganda".

Até então, o registro fotográfico mais conhecido do levante compreendia cerca de 50 fotografias tiradas para o chamado Relatório Stroop, preparado pelo general Jürgen Stroop para o comandante da SS, Heinrich Himmler.

'Preservar a memória'

Lideranças judaicas ouvidas pela BBC News Brasil reafirmaram a importância de preservar a memória do Holocausto, em meio a um momento de aumento de casos de antissemitismo pelo mundo.

"É uma oportunidade para reforçar nossa batalha contra o discurso de ódio, fortalecer nosso compromisso com a democracia e nossa luta pela inclusão e pela equidade", diz Claudio Lottenberg, presidente da Confederação Israelita do Brasil (Conib).

Para Marcos Knobel, presidente da Federação Israelita do Estado de São Paulo (Fisesp), "é de fundamental importância preservarmos a memória do holocausto, principalmente para os mais jovens, passando a mensagem de que sempre vamos lembrar o que nossos antepassados viveram, para que nossas futuras gerações nunca mais passem por algo assim".

As entidades promovem eventos para celebrar nesta sexta-feira (27/1) o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto, por ocasião da libertação do campo de concentração de Auschwitz pelo Exército vermelho.

No Rio de Janeiro, uma cerimônia, organizada pela Conib, com apoio da Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro (Fierj), da Associação Cultural Memorial do Holocausto/RJ e do Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil (UNIC Rio), vai ocorre às 10h nesta sexta-feira (27/1) no recém-inaugurado Memorial às Vítimas do Holocausto Deputado Gerson Bergher, no Mirante do Pasmado, em Botafogo. Também será transmitida .

Já Fisesp e a Congregação Israelita Paulista (CIP) realizam no domingo (29/1), às 18h, na Sinagoga Etz Chaim da CIP, um ato em memória às vítimas do Holocausto, que estará posteriormente disponível no site da CIP e no canal do no canal do YouTube da Fisesp.

- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-64413588