A mais letal incursão militar israelense em quase 20 anos mergulhou o Oriente Médio em uma escalada de tensão, com promessas de vingança dos grupos fundamentalistas palestinos Hamas e Jihad Islâmica — alvo da operação na Cisjordânia. Também levou a Autoridade Palestina (AP) a romper a cooperação de segurança com Israel, após classificar o incidente como "massacre". "Diante das agressões reiteradas contra o nosso povo e das violações dos acordos firmados, sobretudo em matéria de segurança, consideramos que a cooperação em segurança com o governo de ocupação israelense não existe a partir de agora", assinalou, em um comunicado, o gabinete do presidente da AP, Mahmud Abbas.
"A resistência está por toda parte, preparada para o próximo confronto, caso o governo fascista (israelense) e seu exército criminoso continuem atacando nosso povo, nossa terra e nossos lugares sagrados", avisou Tariq Salmi, porta-voz da Jihad Islâmica."A ocupação pagará o preço pelo massacre de Jenin e nossa resistência não será quebrada; a resposta não será demorada", disse Saleh Al-Arouri, vice-chefe do Departamento Político do Hamas.
Por sua vez, o governo do premiê Benjamin Netanyahu afirmou que a ofensiva, no campo de refugiados de Jenin, teve o objetivo de coibir "ataques terroristas iminentes" que estariam sendo planejados pela Jihad Islâmica. O primeiro-ministro também elogiou a "coragem" dos soldados. Nove palestinos foram mortos na ação, entre eles Majeda Obeid, de 61 anos, que teria sido alvejada dentro de casa. "Quando minha mãe terminou de rezar, olhou pela janela por um momento e, então, foi atingida por uma bala no pescoço. Seu corpo tombou contra a parede e depois caiu sobre o chão", disse Kefiyat Obeid, de 26 anos, filha de Majeda.
A comunidade internacional reagiu com preocupação, às vésperas de uma visita do secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, a Israel e à Cisjordânia. O chefe da diplomacia de Washington desembarcará na região na segunda-feira para reuniões com Abbas e Netanyahu.
De acordo com relatos, por volta das 7h de ontem (2h em Brasília), soldados à paisana entraram em Jenin escondidos dentro de um caminhão frigorífico com placa palestina. No entanto, militantes palestinos reagiram e dispararam contra o veículo, explodindo a carroceria. Em uma ação coordenada entre o Shin Bet (a agência de segurança de Israel), as Forças de Defesa de Israel (IDF) e a polícia, os militares usaram retroescavadeiras para remover cerca de 30 barricadas. Moradores de Jenin travaram um confronto com as forças judias, enquanto militantes reagiram a tiros. Palestinos acusam Israel de lançar gás lacrimogêneo dentro de um hospital.
Caos
"Houve uma grande invasão ao nosso campo, com centenas de soldados israelenses e franco-atiradores. Um apartamento situado no meio de Jenin foi cercado. Cinco homens da Jihad Islâmica, do Hamas e das Brigadas dos Mártires de Al-Aqsa (do Fatah) estavam ali dentro, e foram mortos por mísseis antitanque. Outros três homens, posicionados na rua, foram abatidos por franco-atiradores", contou ao Correio Hisham Abushaqrah, 34 anos, cinegrafista da agência Alanadulu. Ele relatou ter assistido à operação. "Israel bloqueou o acesso ao campo, até mesmo para ambulâncias", denunciou. Militantes palestinos teriam lançado coquetéis Molotov contra as tropas de Israel, enquanto moradores arremessaram pedras contra os carros blindados.
O jornalista palestino Wahaj Bani Moufleh, 23 anos, que viajou 61km de Beita a Jenin para cobrir os funerais, afirmou à reportagem que moradores clamavam pela necessidade de resposta ao que chamou de "massacre" e apelavam ao mundo por uma reação. "A situação por aqui é tensa. Não sei se haverá uma escalada, mas a AP decidiu interromper a coordenação de segurança."
Em entrevista ao Correio, Daniel Zonshine, embaixador de Israel no Brasil, explicou que a ideia da operação militar era impedir atentados. "Nós esperamos que a Autoridade Palestina não inflame a área, nem retalie, o que agravaria a situação. Esperamos que a cooperação militar e na segurança continue, a fim de prevenirmos a perda de vidas de pessoas inocentes", declarou. Segundo o diplomata, militantes palestinos dispararam contra os soldados de todas as direções. "Estamos prontos para qualquer resposta. Na última vez em que houve uma incursão em Jenin, foguetes foram lançados da Faixa de Gaza. De qualquer forma, não foi um massacre, nem nada do tipo. A ideia era evitar ataques que matariam nossa gente", acrescentou Zonshine.
Ibrahim Alzeben, embaixador da Palestina em Brasília, acusou Israel de pretender forçar uma nova intifada (revolta), a fim de alegar que o povo palestino não deseja a paz. "É uma escalada característica do novo bloco governamental belicista de Netanyahu e de seus ministros. O mundo precisa reagir de maneira consistente. Os fóruns internacionais devem expressar o desejo mundial de acabar com a guerra de agressão e com a ocupação israelense, a causa de todas as crises no Oriente Médio", disse ao Correio. "Apelamos ao Conselho de Segurança, ao Tribunal Internacional de Justiça e ao Tribunal Penal Internacional para que desempenhem o seu papel para deter a agressão, acabar com a ocupação e processar os criminosos de guerra", acrescentou.