As propostas de aumento no tempo da aposentadoria (dos 62 aos 64 anos) e de contribuição previdenciária de 43 anos para se ter direito a uma pensão completa levaram mais de 1,2 milhão de franceses às ruas, de acordo com o Ministério do Interior. A mobilização em massa coincidiu com uma greve de 70% dos professores e do setor ferroviário, em protesto contra a iniciativa do presidente centrista Emmanuel Macron. Uma nova rodada de manifestações está prevista para 31 de janeiro. Em Paris, a prefeitura calcula que 80 mil cidadãos participaram dos atos; no entanto, a Confederação Geral do Trabalho (CGT) fez uma estimativa de 400 mil. Também foram registradas marchas em Toulouse, Marselha, Nantes e Lyon.
Ao citar o "bom desenrolar" dos protestos, a primeira-ministra da França, Élisabeth Borne, não sinalizou a intenção de recuar na defesa da reforma previdenciária. "Vamos continuar a debater e a convencer", escreveu no Twitter. Até o fechamento desta edição, Macron não havia se pronunciado diretamente sobre as manifestações. Em visita à Espanha, ele apenas afirmou que "é uma reforma, sobretudo, justa e responsável, que foi democraticamente apresentada e validada".
Ao Correio, Jean-Yves Camus — cientista político do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas (Iris), em Paris — afirmou que o ponto de maior controvérsia da proposta de Macron é o acréscimo em dois anos para a aposentadoria. "Apesar de o nosso sistema previdenciário ser deficitário, a esmagadora maioria dos franceses não aceita trabalhar por mais tempo. Aqueles que desejam se aposentar aos 62 anos, em muitos casos, não receberão a pensão completa", explicou. Segundo Camus, a insatisfação é especialmente alta entre os franceses nascidos depois de 1964, que serão impactados pela reforma tão logo ela seja votada.
"Outro ponto controverso é que, agora, temos categorias específicas de trabalhadores que podem se aposentar mais cedo, com pensão cheia, porque seu ofício é especialmente difícil, e fisicamente desafiador", comentou o cientista político . "Elas sustentam que a reforma proposta por Macron não é justa, pois impacta aqueles por cujo trabalho paga-se menos. Algumas vezes, o ofício é tão difícil que a expectativa de vida deles é reduzida." Camus aposta que a direita conservadora, ou pelo menos uma parte dela, parece determinada a votar em favor da legislação proposta. "Por sua vez, a Reunião Nacional (extrema-direita) rejeita a reforma, mas não está nas ruas. Então, o texto será votado."
De acordo com a agência de notícias France-Presse, os protestos foram majoritariamente pacíficos, mas houve confrontos entre manifestantes e forças de segurança em Paris. Pelo menos 40 pessoas foram detidas. O jornal francês Le Figaro destacou que Macron mostrou sua determinação em manter a proposta de reforma previdenciária. "Nós devemos escutar as mensagens dessas marchas", disse o ministro do Trabalho, Olivier Dussopt. O líder da esquerda Jean-Luc Mélenchon assegurou que o governo de Macron "perdeu uma batalha, a de convencer as pessoas".
A França trava três décadas de disputas em torno do regime previdenciário. A primeira reforma foi realizada em 1993, quando o governo do primeiro-ministro Edouard Balladur (centro-direita) aumentou de 37,5 para 40 os anos de contribuição necessários para se chegar ao direito de uma aposentadoria integral. A mudança praticamente não encontrou resistência popular.
Dois anos depois, o premiê Alain Juppé, também de centro-direita, tentou repetir no setor público a exigência de 40 anos de contribuição pelo regime privado. Juppé foi forçado a recuar, depois de uma greve geral paralisar os serviços de trem e de metrô por três semanas. Em 2014, o presidente socialista, François Hollande, conseguiu elevar gradualmente os anos de contribuição necessários para se ter acesso à aposentadoria integral — 43 anos em 2035. O atual presidente Macron tentou revisar o sistema previdenciário, em 2019, e foi surpreendido pela greve mais longa da história da companhia ferroviária. Isso não o demoveu de buscar unificar em um regime único as dezenas de sistemas especiais de pensão e adiar a idade de aposentadoria da maioria das pessoas para 64 anos.