Por volta das 8h15 (3h15 em Brasília), uma explosão acordou Maxim Duboyov, um dançarino de 18 anos que mora na Rua Simon Petlyura, em Brovary, subúrbio a leste de Kiev situado a 26km do centro da capital. "Imediatamente, minha família toda correu para o meu quarto. Foi um estampido alto. Assim que abrimos a janela, escutamos os gritos das mães. Era algo insuportavelmente doloroso de escutar. Minha avó começou a chorar e precisei acalmá-la", contou ao Correio, por meio do Telegram. "Vimos algumas pessoas deitadas no asfalto e, depois, os corpos sendo retirados." Um helicóptero Super Puma H225 havia acabado de cair sobre uma creche. Entre os 14 mortos, estavam o ministro do Interior da Ucrânia, Denys Monastyrsky, 42 anos; o primeiro vice-ministro, Yevhenii Yenin; e Mykhailo Pavlushko, chefe do Departamento de Segurança Interna da Polícia Nacional.
"Minha casa é uma das quatro ao redor da creche. Não acho que tenha sido um acidente. Três autoridades morreram, e muitas pessoas têm sofrido muito por causa da Rússia", desabafou Duboyov. Além das nove vítimas a bordo do helicóptero, cinco civis perderam a vida em terra, incluindo uma criança. "Não há acidentes em uma guerra. Isso foi uma consequência do conflito", desabafou o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, que classificou a queda como "uma terrível tragédia em uma manhã sombria". "A dor é terrível."
Monastyrsky é a mais alta autoridade a morrer desde o início da invasão russa à Ucrânia, em 24 de fevereiro do ano passado. Advogado por formação, em 2019, foi candidato ao Parlamento da Ucrânia pelo partido Servos do Povo, de orientação centrista e pró-europeia. Ascendeu ao cargo de ministro do Interior em 12 de julho de 2021, após a renúncia de Arsen Avakov. Deixa a esposa, Zhanna, e dois filhos.
O governo decretou luto oficial de três dias e iniciou uma investigação para esclarecer as circunstâncias. Os Serviços de Segurança da Ucrânia trabalham com três hipóteses: a de que piloto do helicóptero, Kostyantyn Kovalenko, não obedeceu às normas de segurança do voo; uma falha técnica; ou uma "ação deliberada" para destruir a aeronave. Pelo menos 25 pessoas foram hospitalizadas.
A Presidência da Ucrânia informou que o Super Puma H225 seguia para o front. No entanto, Vitali Klitschko, prefeito de Ucrânia, afirmou que a aeronave rumava para a cidade de Dnipro, a cerca de 500km de Kiev, onde um míssil destruiu parte de um prédio residencial, matando 45 pessoas.
O filósofo e jornalista Volodymyr Yermolenko, 42, relatou ao Correio que uma névoa espessa cobria Brovary. "Moro do outro lado da rua, a uns 300m da creche, que está cercada de prédios residenciais. Dois de meus três filhos, de 3 e de 6 anos, frequentam uma creche a 200m da que foi atingida. Minha esposa precisou levar as crianças para vacinarem e, por isso, minha família não se aproximou do local quando tudo ocorreu", afirmou.
Segundo ele, vídeos divulgados nas redes sociais mostram focos de incêndio disseminados. "Eu cheguei ao local por volta das 14h, quase seis horas depois, e pude sentir o cheiro do fogo. Pela manhã, havia muita névoa em Brovary e estávamos sem energia elétrica e sem luz nos prédios e nas janelas. Talvez isso tenha contribuído com a queda", acrescentou. Yermolenko não descarta o envolvimento da Rússia, pelo fato de autoridades de alto escalão estarem a bordo do helicóptero.
Em entrevista à agência de notícias France-Presse (AFP), Dmitro Serbin — outra testemunha — disse que estava em seu apartamento quando foi surpreendido pelo barulho da explosão. Ao ver o fogo tomar conta da creche, correu até lá para ajudar a retirar as crianças. "Elas estavam chorando, procurando por seus pais. (...) Tinham cortes nos rostos e estavam cobertas de sangue", contou. "Tiramos uma menina, a enrolei em um casaco, ela tinha ferimentos no rosto (...) Ela não tremia, nem chorava." De acordo com Serbin, a garota ficou tão desfigurada que o próprio pai não conseguiu reconhecê-la de imediato.
Condolências
Líderes internacionais prestaram condolências a Zelensky. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e a primeira-dama, Jill, divulgaram comunicado. "Nossos corações estão com as dezenas de civis mortos ou feridos, incluindo crianças preciosas. (...) O senhor Monastyrsky e sua equipe estiveram profundamente envolvidos na preservação da democracia da Ucrânia", declarou Biden, ao classificar o ministro como "um reformista".
Charles Michel, presidente do Conselho Europeu, disse que o bloco se une à Ucrânia, em luto, após o "trágico acidente". "Monastyrsky era um grande amigo da União Europeia." A ministra do Interior da Alemanha, Nancy Faeser, ofereceu ajuda a Kiev para investigar o acidente.
O russo Vladimir Putin silenciou sobre a queda do helicóptero e provocou a Ucrânia. Ele disse não ter dúvidas em relação a uma vitória das forças de Moscou e acusou Zelensky de comandar um "regime neonazista".