Jornal Correio Braziliense

CRIME

'Gravei em segredo a confissão do meu estuprador'

A escocesa Ellie Wilson gravou em segredo a confissão do seu estuprador e postou em suas redes sociais para mostrar como as vítimas podem ser manipuladas

Uma mulher na Escócia conta que divulgou o áudio da confissão do seu estuprador para mostrar como os agressores podem "manipular suas vítimas".

Ellie Wilson tem 25 anos e gravou Daniel McFarlane confessando seus crimes ao colocar seu celular para gravar dentro da bolsa. McFarlane foi considerado culpado de duas acusações de estupro e condenado a cinco anos de prisão, em julho do ano passado.

Wilson afirma que, mesmo com as descrições em áudio e por escrito apresentadas no tribunal, o veredito não foi unânime.

Os ataques ocorreram entre dezembro de 2017 e fevereiro de 2018, quando McFarlane era estudante de medicina na Universidade de Glasgow, na Escócia.

Wilson dispensou o anonimato e, desde o julgamento, vem atuando em defesa de vítimas.

Wilson era estudante de política e atleta campeã da universidade na época dos abusos que sofreu. E, na primeira quinzena de janeiro de 2023, ela publicou no Twitter o áudio de uma conversa com McFarlane, gravada secretamente um ano depois dos ataques.

Na gravação, ela pergunta: "você não percebe como eu me sinto péssima quando você diz 'eu não estuprei você' quando você estuprou?"

McFarlane responde: "Ellie, nós já definimos que eu fiz isso. As pessoas que eu preciso que acreditem em mim, acreditam em mim. Vou dizer a verdade para eles um dia, mas não hoje."

Questionado como ele se sente sobre o que fez, ele respondeu: "Eu me sinto bem por saber que não estou na cadeia."

O tuíte de Wilson superou 200 mil visualizações. Em entrevista à BBC Escócia, ela afirmou que publicou a gravação porque muitas pessoas estavam questionando quais provas ela tinha para conseguir a condenação por estupro.

Ela conta que a reação foi "preponderantemente positiva", embora uma pequena minoria tenha sido muito desagradável. E que, mesmo com a gravação da confissão postada online, algumas pessoas ainda disseram "ele não fez isso".

Além da confissão em áudio, Wilson tinha mensagens de texto que indicavam a culpa de McFarlane, mas ela conta que ainda temia que elas não fossem suficientes para garantir a condenação.

"O veredito não foi unânime", afirma Wilson. "Você pode ter literalmente uma confissão por escrito, uma confissão em áudio e nem todas as pessoas do júri irão acreditar em você. Acho que isso diz muito sobre a sociedade."

BBC
Ellie se formou na Universidade de Glasgow

Wilson havia afirmado anteriormente que sua experiência no tribunal foi terrível. Ela contou que foi submetida a ataques pessoais pelo advogado de defesa e que se sentiu culpada por ter sofrido abuso.

Wilson afirma que se sentiu "humilhada, ultrajada e maltratada" durante o interrogatório. E contou à BBC que leu recentemente a transcrição do julgamento e se sentiu mal com algumas das coisas que foram ditas a ela.

Ela conta que McFarlane foi retratado como um atleta e estudante bem sucedido que tinha um futuro brilhante pela frente e nunca cometeria esse tipo de crime.

Segundo Wilson, "ele sabia que poderia distorcer esta narrativa de que ele não era estuprador. Eu quis mostrar às pessoas a realidade dos fatos, especialmente para as pessoas que o apoiam."

Ela conta que postou o áudio no Twitter porque queria mostrar a natureza "ambígua" dos abusadores. "Eu quis mostrar que essas pessoas também podem ser abusadoras e podem agir de forma diferente com as portas fechadas", afirma ela.

Quando Wilson denunciou o estupro à polícia em 2020, McFarlane foi suspenso da Universidade de Glasgow, onde os dois estudavam. Mais tarde, ela descobriu que ele havia conseguido se matricular na Universidade de Edimburgo, também na Escócia, mesmo estando sob investigação policial.

"Para mim, aquilo foi realmente um choque porque eu estava pensando na população feminina de estudantes de Edimburgo. Elas também poderiam tornar-se vítimas", ela conta.

Wilson afirma que não conseguia entender como as universidades podiam colocar os direitos de um suspeito de estupro acima da sua população estudantil. "Estou preocupada porque as universidades não estão fazendo o suficiente para garantir a segurança das pessoas", afirma ela.

'Estará comigo para sempre'

"Nunca irei conseguir mudar o que aconteceu comigo, aquilo estará comigo para sempre. Preciso ter uma saída para minha dor", afirma Wilson.

"O que me motiva é pensar que posso ser capaz de mudar a sociedade para melhor e deixar tudo um pouco mais fácil para outras pessoas. É o que me faz levantar de manhã quando sinto que não consigo fazer mais", ela conta.

BBC
Wilson era uma atleta premiada na sua universidade

A Universidade de Edimburgo publicou uma declaração afirmando que a segurança dos estudantes é sua principal prioridade e que eles agem rapidamente quando é provada a transgressão de algum estudante.

A declaração afirma: "nosso processo de admissão não exige que os candidatos revelem condenações criminais ou investigações em andamento no momento da inscrição". Mas acrescenta que "a força do sentimento que rodeia essas questões é algo que a universidade compreende completamente".

"Continuaremos a ouvir as opiniões sobre quais mudanças podem ser feitas para aperfeiçoar nossos processos e ajudar a garantir que todos os nossos alunos se sintam seguros e protegidos", conclui a universidade.

Um porta-voz da Universities Scotland - o organismo que representa as universidades escocesas - afirmou que a organização estava trabalhando com Ellie e com o governo da Escócia para verificar quais medidas adicionais poderiam ser tomadas no interesse da segurança e do bem-estar dos estudantes. Ela afirma que uma mudança nas leis de proteção de dados entrou em vigor pouco antes da pandemia e criou uma oportunidade de melhorar as ações neste sentido.

- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-64298937