O caso de uma adolescente que se suicidou após ser indiciada por terrorismo no Reino Unido levantou questões sobre como o país lida com o problema de menores envolvidos em extremismo.
Uma investigação da BBC revelou que a menina britânica tinha sido vítima de aliciamento e exploração sexual — e que evidências disso tinha sido encaminhadas ao MI5, o serviço de inteligência doméstico britânico antes de seu indiciamento.
Rhianan Rudd, que aos 15 anos se tornara a menina mais jovem acusada de terrorismo no Reino Unido, se matou em um abrigo para menores em maio de 2022.
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A mãe diz que os investigadores da agência MI5 deveriam ter tratado sua filha "como uma vítima e não como uma terrorista".
Aos 14 anos, Rhianan Rudd se aproximou de grupos de extrema-direta. Sua mãe, Emily Carter, lembra dela como uma "garota adorável" que gostava de cavalos — mas que, de repente, começou a expressar pensamentos racistas e antissemitas.
"Se você não tivesse cabelos loiros e olhos azuis — arianos, como dizem — ela não queria te conhecer. Você era uma raça inferior e não deveria estar vivo", lembra a mãe.
Ela diz que sua filha absorvia essas visões extremistas "como uma esponja". "Ela estava mudando, já não era mais a Rhianan", diz Emily. "Era uma criança que se fixava em algumas coisas."
Rhianan, que vivia em Derbyshire, na região de East Midlands, no centro-leste da Inglaterra, tinha dificuldade em se relacionar com outras pessoas e fora diagnosticada com autismo.
Rhianan havia fugido de casa no passado e sua família era acompanhada pelo órgão britânico equivalente, no Brasil, ao Conselho Tutelar. A mãe reconhece que cometeu erros, mas que "sempre tentou fazer o melhor".
Em setembro de 2020, Carter estava tão preocupada com a saúde mental de Rhianan que a encaminhou para o Prevent, um programa do governo para evitar a radicalização de jovens. A essa altura, a menina havia admitido ter baixado um manual de fabricação de bombas na internet.
Em um mês, Rhianan foi presa por investigadores antiterroristas e largou o Prevent. Ela foi interrogada, fichada como suspeita de terrorismo, solta sob fiança e não pôde mais frequentar a escola.
Há algum tempo, ela vinha conversando com pessoas mais velhas pela internet, entre elas um americano chamado Christopher Cook, que promove o neonazismo e tinha crido uma célula para realizar atentados.
Evidências mostram que o então parceiro da mãe de Rhianan também teve influência no aliciamento de Rhianan. Emily Carter diz que não sabia de nada.
O então parceiro, o americano Dax Mallaburn, tinha sido membro de uma gangue de prisão supremacista branca nos Estados Unidos. Ele conheceu a mãe de Rhianan por meio de um sistema de correspondência para prisioneiros.
Antes mesmo de Rhianan ser presa, o relacionamento de Mallaburn com sua mãe havia acabado e ele havia voltado para os Estados Unidos. Mas a BBC descobriu que Cook e Mallaburn estiveram em contato, e que Cook pediu que Mallaburn ensinasse o "caminho certo" a Rhianan.
Durante os interrogatórios policiais, Rhianan disse que foi coagida e aliciada, inclusive sexualmente, e que enviou imagens explícitas de si mesma para Cook. O abuso que ela descreveu ajudou o governo a identificar o caso como sendo de exploração infantil.
De acordo com as leis britânicas modernas de escravidão, certos órgãos públicos, como a polícia, são obrigados a notificar o Ministério do Interior sobre quaisquer vítimas em potencial de exploração.
No entanto, nos meses anteriores à acusação de Rhianan, nenhuma das organizações envolvidas a encaminhou para a unidade especializada do governo que investiga esses casos. E não foi por falta de informação.
A BBC descobriu que, na época da prisão de Rhianan, o MI5 recebeu evidências mostrando que ela havia sido explorada — inclusive sexualmente — por Cook.
Uma investigação da agência americana FBI descobriu mensagens e imagens dos dispositivos de Cook mostrando Rhianan sendo coagida e explorada. O FBI entregou o material ao MI5.
Rhianan passou mais de seis meses sob fiança aguardando uma decisão sobre se seria indiciada. Sua mãe diz que esse período levou a um declínio na saúde mental de Rhianan, com casos de automutilação, fuga e tentativa de suicídio. A jovem foi transferida para um abrigo para menores.
Em abril de 2021, mais de seis meses após ter sido presa, ela foi indiciada, acusada de seis crimes de terrorismo por ter baixado instruções para fabricar explosivos e armas. Os promotores alegaram que as instruções estavam ligadas a um possível plano de atentado.
Dias depois de ela ter sido acusada, quando advogados de defesa recém-nomeados intervieram, o município de Derbyshire encaminhou o caso de Rhianan ao Ministério do Interior como o de uma possível vítima de exploração.
Mas a decisão sobre isso demorou mais de sete meses. O Ministério do Interior concluiu que ela havia sido traficada e explorada. E no final de dezembro de 2021, a acusação de terrorismo foi suspensa.
Rhianan faz parte de uma tendência crescente de crianças sendo investigadas pelo MI5 e pela polícia — muitas vezes envolvidas com extremismo de direita online.
Entre as condenações nos dois últimos estão as de um garoto da região de Cornualha que liderou sua própria célula terrorista online aos 14 anos e um da cidade de Darlington, preso aos 13 anos.
Os casos envolvendo crianças são complexos. Mesmo que uma criança tenha sido vítima de aliciamento e exploração, ela ainda pode representar um risco real de ameaça a outras pessoas.
Poucas crianças acusadas de crimes terroristas acabam sendo presas. O processo de investigação, prisão e acusação pode levar vários meses e, em alguns casos, bem mais de um ano.
O revisor independente da legislação sobre terrorismo, Jonathan Hall, diz que em 2020 e 2021 apenas uma criança condenada por crime de terrorismo foi presa. O especialista sugere mudanças na lei que ofereçam alternativas ao indiciamento, como limite no uso do telefone celular, monitoramento de atividades via software e aconselhamento por mentor.
A mãe de Rhianan acredita que sua filha nunca deveria ter sido indiciada.
Ela diz que a polícia "obviamente" tem que investigar e buscar evidências, mas ela acredita que as autoridades deveriam ter lidado com tudo de forma "completamente diferente".
"Eles deveriam tê-la tratado como uma vítima e não como uma terrorista. Ela é uma criança, uma criança autista. Ela deveria ter sido tratada como uma criança que foi explorada sexualmente."
Christopher Cook, o americano que explorou Rhianan, se declarou culpado nos EUA de uma conspiração terrorista neonazista junto com outras pessoas para destruir uma rede elétrica. Ele estava sob fiança aguardando sentença.
Mas a BBC descobriu que o tribunal de Ohio só recentemente tomou conhecimento da conduta predatória de Cook em relação a Rhianan. Sua relação com a menina britânica não fazia parte do processo original contra ele, apesar de o FBI saber do abuso há muito tempo. Depois que o tribunal soube da relação, Cook foi colocado sob custódia em dezembro, antes da sentença.
Depois que a acusação contra Rhianan foi abandonada, a jovem optou por seguir morando no abrigo em Nottinghamshire e voltou a frequentar o programa Prevent.
Mas havia sinais de que ela não estava bem.
Nas semanas anteriores à sua morte, Rhianan pediu à mãe que a ajudasse a entrar em contato com um extremista neonazista nos EUA. Sua mãe denunciou isso ao abrigo. Ela diz que foi informada pelo serviço social e pela polícia que o contato com o extremista havia sido autorizado. Mas não está claro se de fato houve esse contato.
Sua mãe havia alertado o município de Derbyshire sobre o risco de Rhianan tirar a própria vida. Em e-mails para uma assistente social em 2021, ela escreveu: "espero que ela não tente se matar quando estiver sozinha em seu quarto."
Emily Carter diz que ficou tão preocupada com a aparência de Rhianan dias antes da sua morte que entrou em contato com o lar. Ela diz que alertou os funcionários de que sua filha "ia fazer alguma coisa" e pediu que eles a vigiassem. Mas mais tarde naquela semana, ela diz, três policiais estavam "na minha sala me dizendo que minha filha havia morrido enforcada".
Rhianan foi encontrada morta em maio, aos 16 anos. Haverá um inquérito sobre sua morte.
As organizações contatadas pela BBC disseram que não poderiam comentar detalhes de sua apuração até que o inquérito seja concluído.
- Texto originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-64154543