A onda de protestos no Peru chegou à capital na quinta-feira (19/01).
Até agora, a cidade de Lima não havia presenciado incidentes tão intensos e violentos como os ocorridos nas últimas semanas em outras partes do país, onde já há 52 mortos e mais de mil feridos.
Mas a convocação para a "tomada de Lima", lançada por várias organizações e grupos que exigem a renúncia da presidente Dina Boluarte e eleições gerais para renovar o Executivo e o Congresso, gerou violentos protestos.
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Manifestantes entraram em confronto com as tropas de choque da polícia nas principais avenidas da capital. Os policiais dispararam gás lacrimogêneo e formaram cordões de isolamento para impedir o avanço dos manifestantes.
A imprensa local informou que várias pessoas ficaram feridas, incluindo manifestantes e policiais.
O primeiro-ministro, Alberto Otálora, anunciou que o governo estendeu o estado de emergência para todo o país, incluindo Lima, o que restringe alguns direitos civis.
Alguns manifestantes conseguiram chegar às ruas próximas ao palácio do governo e à sede do Congresso, dois pontos fortemente vigiados pelas forças de segurança.
Dezenas de unidades do Corpo de Bombeiros foram acionadas para combater um grande incêndio em um prédio de três andares no centro de Lima, cuja origem é desconhecida.
Não foram registrados mortos ou feridos, embora as imagens do incêndio sejam impactantes.
A convocação para o protesto reuniu milhares de pessoas de diferentes partes do país na praça San Martín, na praça Dos de Mayo e no campus da Universidad Nacional Mayor de San Marcos, onde recebem abrigo, alimentação e outros tipos de assistência.
O clima na cidade foi de tensão durante toda a manhã.
As aulas nas universidades foram suspensas, e o governo recomendou às empresas que facilitassem o trabalho remoto ao longo do dia.
O Ministério da Saúde colocou todos os postos de saúde do país em alerta vermelho, na expectativa de que os protestos na capital se repitam em outros lugares.
O aparato policial na capital foi bastante extenso, com 11.800 agentes acionados para controlar possíveis distúrbios, "além de 120 caminhonetes e 49 viaturas militares, e também a participação das forças armadas", afirmou o chefe da Região Policial de Lima, general Víctor Zanabria.
Nas cidades de Arequipa, Juliaca e Cusco, centenas de manifestantes tentaram entrar à força nos aeroportos.
No caso de Arequipa, o terminal aéreo informou que havia suspendido suas operações por precaução.
Os manifestantes, que atiraram pedras e derrubaram parte da cerca do aeroporto, entraram em confronto com a polícia, que usou gás lacrimogêneo para dispersá-los.
O jornal La República noticiou a morte de um manifestante na cidade, citando como fonte autoridades de saúde.
Em Cusco, o Aeroporto Internacional Alejandro Velasco Astete também suspendeu temporariamente suas operações.
Na rede rodoviária, o trânsito está interrompido em 127 pontos em 18 das 25 regiões do país devido aos protestos, segundo informou o Ministério dos Transportes e Comunicações.
Como tudo começou
A crise começou com a prisão e destituição de Pedro Castillo em 7 de dezembro do ano passado.
O então presidente foi detido e, na sequência, destituído do cargo pelo Congresso após anunciar na televisão a dissolução do mesmo e o estabelecimento de um governo de emergência no Peru.
Em conformidade com a Constituição, sua então vice-presidente, Dina Boluarte, assumiu o cargo — e logo surgiram manifestações de protesto.
Vários departamentos (estados) do país, principalmente no sul, foram afetados por bloqueios de estradas e houve ataques a prédios públicos e tentativas de tomada de aeroportos.
A violência se espalhou para o sul, especialmente no departamento de Puno, onde 19 pessoas morreram na cidade de Juliaca em 10 de janeiro.
As denúncias de que a polícia teria usado munição letal indiscriminadamente contra os manifestantes aumentaram a indignação e fizeram com que muitos decidissem transferir os protestos para a capital, apesar de as autoridades alegarem ter agido em legítima defesa e de forma proporcional.
Como surgiu a 'tomada de Lima' e quem convocou
Na verdade, o slogan "tomada de Lima" foi usado em outras ocasiões para promover mobilizações na capital peruana que acabaram não tendo muito impacto.
Desta vez, foi levantado por diferentes grupos do sul do país que decidiram marchar até a capital para exigir a renúncia de Boluarte.
O que inicialmente surgiu como uma iniciativa de comunidades indígenas e organizações comunitárias e estudantis do sul do país, contou posteriormente com a adesão de estudantes da Universidad Nacional Mayor de San Marcos e membros da Confederação Geral de Trabalhadores do Peru, um dos principais sindicatos do país, que convocou uma greve nacional na quinta-feira (19/01) para coincidir com a "tomada de Lima".
Na quarta-feira (18/01), na sede do sindicato em Lima, onde já estavam reunidos inúmeros manifestantes, se juntaram dirigentes de organizações locais que haviam chegado dos departamentos de Huánuco, Ancash, Lambayeque, Tacna, La Libertad, Moquegua, Apurímac, el Vraem, Arequipa, Loreto, Cajamarca e Junín.
Eles prometeram que não deixariam Lima até que tivessem alcançado seus objetivos: a renúncia da presidente, a dissolução do Congresso e a convocação de eleições.
"O povo e as comunidades camponesas se mobilizam. Como é possível que tenhamos que vir a Lima para que entendam nossa reivindicação? Este governo está deslegitimado desde o primeiro dia", afirmou Leonela Labra, representante de Cusco.
Caravanas com destino a Lima partiram de diferentes partes do país nos últimos dias, recebendo apoio em alguns pontos ao longo do caminho.
Em uma mobilização tão heterogênea, há vários pedidos e reivindicações, mas o objetivo compartilhado por todos os que protestam é a renúncia da presidente, a dissolução do Congresso e a convocação imediata de eleições.
Alguns também clamam por uma nova Constituição para o Peru e pela libertação do ex-presidente Castillo.
Eles acusam o governo pelas mortes nos protestos e afirmam que a ação policial violou os direitos humanos.
O que diz o governo
A presidente Boluarte tem reiterado que não pretende renunciar.
"Meu compromisso é com o Peru, não com esse pequeno grupo que está fazendo a pátria sangrar", ela disse.
Boluarte convidou os descontentes a se manifestarem em Lima, mas pediu que façam isso de forma pacífica.
Também ofereceu a possibilidade de diálogo, mas excluiu explicitamente abordar questões como a dissolução do Congresso ou a reforma constitucional por estarem além dos poderes presidenciais.
O governo prometeu que todas as mortes serão investigadas, e o Ministério Público abriu um processo preliminar contra a presidente e primeiro-ministro, Alberto Otárola.
Pouco depois de suceder Castillo, Boluarte afirmou que seu plano era concluir o mandato de seu antecessor e permanecer no cargo até 2026.
Mas após a primeira onda de protestos, ela propôs antecipar as eleições — e um acordo preliminar foi votado no Congresso para que sejam realizadas em abril de 2024.
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