CRIME

O chocante caso do policial britânico que usou posição para estuprar mulheres

Carrick só foi preso quando uma mulher decidiu denunciá-lo. Em outubro de 2021, após um outro caso de criminalidade de policial ter ganhado as manchetes no Reino Unido, a vítima decidiu contatar a polícia do condado de Hertfordshire, onde Carrick havia cometido muitos de seus crimes

BBC
June Kelly
postado em 17/01/2023 12:24

Por 20 anos, David Carrick, um estuprador em série e predador sexual violento, vestiu o uniforme da polícia metropolitana de Londres. E, durante grande parte desse tempo, ele portou uma arma.

Em sua vida privada, ele abusava de mulheres, sujeitando-as a terríveis humilhações. E dizia às suas vítimas que nunca elas poderiam denunciá-lo, já que dificilmente alguém acreditaria em seus relatos.

Carrick já admitiu culpa em 49 acusações relacionadas a 12 vítimas. Suas confissões forçaram a Polícia Metropolitana de Londres a se desculpar por não ter detectado que um criminoso usava o seu uniforme.

Carrick só foi preso quando uma mulher decidiu denunciá-lo. Em outubro de 2021, após um outro caso de criminalidade de policial ter ganhado as manchetes no Reino Unido, a vítima decidiu contatar a polícia do condado de Hertfordshire, onde Carrick havia cometido muitos de seus crimes.

A mulher descreveu como, um ano antes, havia conhecido Carrick no aplicativo de namoro Tinder. No primeiro encontro, ele contou histórias sobre a polícia, alegou ter conhecido pessoas famosas — como o primeiro-ministro — e disse que sabia manejar armas de fogo. Ele também mencionou sua cobra de estimação. Ele disse a ela que queria uma mulher submissa.

Depois de embebedá-la, ele a levou para um quarto de hotel onde, segundo ela, ele a estuprou. Carrick foi preso e indiciado.

'Bola de neve'

Em sua primeira aparição no tribunal, ele negou a acusação. O policial que liderou a investigação, Iain Moor, disse que a primeira acusação foi apenas o estopim para muitos outros casos virem à tona.

Ao vê-lo finalmente no banco dos réus, as muitas vítimas de Carrick — antes intimidadas e silenciadas — gradualmente começaram a aparecer. "A investigação cresceu como se fosse uma bola de neve", diz Moor. A primeira mulher a denunciá-lo não percebeu que empoderaria tantas outras mulheres para prender um monstro.

A polícia metropolitana de Londres pediu desculpas depois que veio a público a informação de que o comportamento de Carrick havia despertado atenção em nove ocasiões diferentes em três departamentos de polícia.

A comissária Barbara Gray disse que a polícia de Londres "deveria ter detectado seu padrão de comportamento abusivo". Ela diz que essa falha "pode ter prolongado" o sofrimento das vítimas de Carrick.

A primeira vítima de Carrick da qual se tem notícia disse ter sido falsamente presa, estuprada e ameaçada com uma imitação de arma de fogo em 2003, quando o policial ainda estava em estágio probatório na corporação.

Ele passou a estuprar, agredir sexualmente e abusar de uma série de mulheres, dizendo que elas eram suas prostitutas. Ele dizia a elas o que vestir, onde dormir e o que comer, às vezes até proibindo-as de comer. Ele proibiu algumas mulheres de falarem com outros homens, inclusive seus próprios filhos. Ele urinou em algumas mulheres.

Uma mulher disse que Carrick a espancou com um cinto. Outra relatou que ele a prendia com frequência em um pequeno armário embaixo da escada. Ela ficava presa "intimidada e humilhada até que ele decidisse quando ela poderia sair", diz Moor.

Ele diz que Carrick se relacionava com mulheres "para sustentar seu apetite por degradação e controle". "Ele gosta de humilhar suas vítimas", diz Moor. A investigação estabeleceu que pelo menos três mulheres estavam em relacionamentos com Carrick baseados em "controlador e coersão". E a polícia acredita que pode haver mais vítimas.

A Polícia de Hertfordshire criou uma área especial em seu site para que as pessoas denunciem diretamente online sem precisar passar por uma sala de controle da polícia ou pelo sistema geral de denúncias online.

'Atividade sexual'

A BBC News conversou com uma mulher que conheceu Carrick através de um site de namoro. Ele não a atacou e ela não faz parte do processo jurídico. Ela conta que uma vez visitou a casa de Carrick.

Ela diz que Carrick começou a enviar muitas mensagens que "realmente me assustaram". "Ele era estranho", diz ela. "Eu achei que deveria tratá-lo bem por ele ser policial — e eu também acreditava que, com certeza, poderia confiar em um policial."

Nas mensagens, Carrick disse que estava se apaixonando por ela e a acusou de dar esperanças a ele. Quando ficou sabendo dos crimes de Carrick, ela conta que ficou chocada e atônita, já que achava que ele era apenas arrogante e estranho.

Nos interrogatórios, Carrick parecia sempre à vontade, alegando que a atividade sexual com as suas vítimas havia sido consensual ou não havia sequer acontecido.

E, por meses, parecia que suas vítimas teriam que levar o caso a um tribunal, já que Carrick negava as acusações. Mas de repente, no mês passado, ele admitiu a maioria dos crimes. Ele ainda seria julgado em fevereiro por outras acusações, mas ele também se declarou culpado delas.

A rua em Stevenage, Hertfordshire, onde David Carrick morava
BBC
A rua, na Inglaterra, onde David Carrick morava

Sua condenação despertou diversas críticas à polícia.

Carrick ingressou na polícia metropolitana de Londres aos 26 anos, em 2001, após uma passagem pelo Exército. Ele passou no procedimento de checagem de antecedentes, apesar de estar envolvido em duas ocasiões em investigações de possíveis delitos. Mas ele nunca foi indiciado. Em um desses episódios, ele teria roubado de sua ex-parceira, depois de não aceitar o fim da relação.

Em 2002, quando ainda era novato, Carrick foi investigado pela própria polícia, após ser acusado de agredir e assediar uma ex-parceira. Não houve acusações criminais e ele não foi encaminhado ao departamento de condutas profissionais da polícia de Londres.

Ao longo de sua carreira, Carrick foi citado em vários outros relatos de agressão, assédio e violência doméstica, mas nunca tinha sido submetido a um processo criminal. Ele despertou a atenção das delegacias de Hertfordshire, Hampshire e Thames Valley.

Uma denúncia foi feita em 2009, quando Carrick trabalhava nas equipes que patrulham o Parlamento britânico, os escritórios do governo e as missões diplomáticas.

Em 2017, ele novamente escapou de uma investigação policial. Mas dois anos depois, ele foi acusado de agarrar uma mulher pelo pescoço. Novamente, não houve acusações criminais. E embora a polícia de Londres tivesse sido informada, as autoridades não quiseram seguir com um processo por má conduta.

No verão de 2021, Carrick foi acusado de estupro e preso pela polícia de Hertfordshire, mas a polícia metropolitana de Londres permitiu que ele continuasse trabalhando em funções restritas.

A polícia de Londres hoje admite que seu departamento de condutas profissionais não fez nenhuma tentativa de investigar nada a respeito de Carrick.

'Passo para trás'

Barbara Gray, que recentemente assumiu o departamento, diz que está incrédula. E que Carrick deveria ter sido suspenso.

O caso de estupro não seguiu adiante depois que a mulher retirou a queixa. Carrick já estava se preparando para voltar às suas funções quando foi preso novamente, por outra acusação de estupro. Quando isso aconteceu, finalmente foram expostos os 17 anos de monstruosidades praticadas por ele.

A polícia de Londres pediu uma revisão nos seus procedimentos de tomada de decisão.

"Esse caso é devastador para a confiança que estamos trabalhando tanto para ganhar de mulheres e meninas em Londres", diz ela. "Sabemos que este é um dia em que o policiamento definitivamente deu um passo para trás."

- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-64302466

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Footer BBC

CONTINUE LENDO SOBRE