Sob os holofotes da imprensa internacional, ele se autoproclamou presidente da Venezuela em 23 de janeiro de 2019. Em 1.438 dias como o principal nome de oposição ao governo socialista de Nicolás Maduro quase nada conseguiu, além de conquistar o apoio dos Estados Unidos, do Brasil e de outros países. No contexto interno, suas declarações praticamente não ressoaram no Palácio de Miraflores, sede do Executivo. Sem estratégias para depor Maduro, Guaidó perdeu credibilidade. Ontem, três dos quatro partidos opositores que sustentavam seu governo interino — Primeiro Justiça (PJ), Ação Democrática (AD) e Um Novo Tempo (UNT) — conseguiram que a chamada "Assembleia Nacional 2015" aprovasse o fim da "gestão" de Guaidó.
Por 72 votos a favor, 29 contra e oito abstenções, os parlamentares decidiram pela reforma do Estatuto de Transição para a Democracia, o documento que funcionou como base jurídica para a "presidência interina" de Guaidó. Apenas o partido Voluntad Popular (VP), do próprio Guaidó, se opôs à votação. A partir da próxima quinta-feira, o mandato de Guaidó deixará de ter validade.
"Esta reforma outorga à Assembleia Nacional, eleita em 2015, as competências especiais de promover a transição à democracia e à proteção dos ativos do Estado, sob o amparo do artigo 333 da Constituição Nacional, pelo qual se elimina o governo interino, e todos os seus órgãos, entes e disposições", afirma o texto aprovado. Ao reagir à medida, Guaidó avisou que "jamais dará respiro" aos parlamentares que votaram a favor da iniciativa. "Queira Deus que aqueles que criaram esse conflito absurdo não tenham motivos para se arrependerem", disse. "A Venezuela perde. (...) Anular isso (governo paralelo) é dar um salto no vazio."
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"A figura de Guaidó estava em decadência, na medida em que o rendimento de suas ações em prol da oposição foi muito baixo. Acho que criou-se muita expectativa em relação à capacidade que ele poderia ter, e isso causou danos à sua imagem e à sua figura", explicou ao Correio o venezuelano José Vicente Carrasquero Aumaitre, professor de ciência política da Universidad Simón Bolívar. "De alguma maneira, os Estados Unidos observarão, com muito cuidado, essa espécie de substituição de Guaidó e avaliarão os próximos passos a serem tomados", acrescentou. Ele prevê que Washington manterá o apoio à oposição de Caracas.
Ex-prefeito de Caracas exilado em Madri após fugir da Venezuela em 18 de novembro de 2017, Antonio Ledezma classificou a decisão da Assembleia Nacional 2015 como "um erro histórico". "Porta-vozes da oposição estão fazendo um trabalho sujo para o regime. Se algo que a ditadura de Maduro pretendia consumar, nesses últimos quatro anos, era retirar do governo paralelo uma fórmula inspirada no artigo 233 da Constituição Nacional, reconhecida por 19 países, a qual mantém um fio de conexão com distintas instituições internacionais", explicou ao Correio.
De acordo com Ledezma, o sectarismo privou a oposição e o próprio Guaidó. "Lamentavelmente, ele não teve caráter suficiente para fazer valer sua condição de presidente interino a serviço de todos os venenezuelanos e não como um instrumento manipulado pelo chamado G4 (os partidos PJ, AD, UNT e VP)", denunciou. O ex-prefeito também apontou "estratégias equivocadas" colocadas em marcha por Guaidó, como diálogos sem condições, alianças supostamente militares e a incitação às pessoas para que apostassem nas negociações e distensionassem a voz das ruas.