Morador de Kiev, o jornalista Oleksiy Sorokin, 26 anos, despertou por volta das 9h (4h em Brasília) de forma abrupta. "Acordei com o barulho de quatro explosões. Mais tarde, soube que o nosso sistema de defesa antiaérea tinha derrubado mísseis russos. Então, pulei da cama e comecei a trabalhar. Descobrimos que várias outras explosões tinham ocorrido na capital. Outras três localidades, perto da cidade, foram atingidas por destroços de projéteis interceptados", afirmou ao Correio.
Horas depois de a Rússia recusar um plano de paz apresentado pelo governo da Ucrânia, Kiev acusou Moscou de lançar uma das mais intensas chuvas de mísseis desde a invasão à ex-república soviética, em 24 de fevereiro passado. Por sua vez, a vizinha Belarus — aliada de Moscou — denunciou a queda de um míssil ucraniano em seu território e convocou o embaixador de Kiev, em Minsk, para prestar esclarecimentos. O governo de Volodymyr Zelensky vê o incidente como um complô para arrastar Belarus à guerra.
"Foi um dos ataques de mísseis mais massivos. Obrigado às Forças Armadas da Ucrânia por seu trabalho. A derrubada de 54 mísseis salvou as vidas de dezenas de pessoas e protegeu partes cruciais de nossa infraestrutura econômica. Cada dia de sucesso militar faz nossa vitória ficar mais próxima", escreveu no Twitter Oleksii Reznikov, ministro da Defesa da Ucrânia.
O chefe do Estado-Maior, general Valeriy Zaluzhny, informou, por sua vez, que a Rússia lançou 69 mísseis cruzeiros, dos quais apenas 15 acertaram o alvo. A ofensiva ocorreu às vésperas da celebração da virada do ano por parte dos ucranianos. O ministro do Interior, Denys Monastyrskyi, anunciou que três pessoas morreram e seis ficaram feridas, incluindo uma criança.
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Vácuo de notícias
Além do medo de ter a casa atingida em cheio durante os bombardeios, a ativista Olena Halushka, 33, sofreu com o vazio de informações em Lviv, a 539km a sudoeste de Kiev. "Quando os ataques começaram e a eletricidade foi cortada, as conexões de celulares e de internet também foram afetadas. Isso significa uma falta de notícias e de compreensão sobre o que estava acontecendo. Não pude nem mesmo entrar em contato com meus familiares para saber se estavam bem. Isso nos deixa muito mais nervosos", desabafou à reportagem. A destruição de infraestrutura civil fez com que 90% dos moradores de Lviv ficassem sem energia elétrica, enquanto 40% dos cidadãos de Kiev sofreram com o blecaute, que também se estendeu às regiões de Odessa e de Dnipropetrovsk.
Sob a condição de anonimato, uma moradora de Chernivtsi (oeste) relatou que a cidade tem sido alvo de bombardeios constantes e de blecautes. "A infraestrutura de eletricidade foi severamente danificada. As temperaturas estão abaixo de zero, e as pessoas literalmente congelam em suas casas. Por aqui se diz que os ataques atingirão um pico no sábado (amanhã), véspera do réveillon", disse. "Há 310 dias que sinto um ódio e um medo avassaladores."
Diretor da organização não governamental Eurasia Democracy Initiative (em Kiev), Peter Zalmayev admitiu que os ataques de ontem eram esperados pelas autoridades ucranianas. "Nada impede o terror empregado pelos russos, e eles costumam utilizá-lo antes dos feriados. No entanto, Moscou não infligiu dano da forma como gostaria. Espero nova barragem de mísseis antes do ano-novo", disse ao Correio. Segundo o especialista, uma tentativa de invasão das forças da Rússia a Kiev seria malsucedida se a infraestrutura fosse poupada. "Não descarto que, entre janeiro e março, Moscou planeje uma tomada de Kiev. Mas, tudo isso pode ser parte de uma campanha psicológica", acrescentou Zalmayev.
Para Olexiy Haran, professor de política comparativa da Universidade Nacional de Kiev-Mohyla, os bombardeios atribuídos à Rússia são contraproducentes, na medida em que aumentam o desejo dos ucranianos de reagirem à invasão. "Quantos mais os russos atacarem os civis, mais os ucranianos estarão prontos para contra-atacar."